CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

* Navio Negreiro, Castro Alves.


Navio Negreiro


Castro Alves


'Stamos em pleno mar... Doudo no espaço


Brinca o luar — dourada borboleta;


E as vagas após ele correm... cansam


Como turba de infantes inquieta.


Oh! que doce harmonia traz-me a brisa!


Que música suave ao longe soa!


Meu Deus! como é sublime um canto ardente


Pelas vagas sem fim boiando à toa!


Homens do mar! ó rudes marinheiros,


Tostados pelo sol dos quatro mundos!


Crianças que a procela acalentara


No berço destes pélagos profundos!


Desce do espaço imenso, ó águia do oceano!


Desce mais ... inda mais... não pode olhar humano


Como o teu mergulhar no brigue voador!


Mas que vejo eu aí... Que quadro d'amarguras!


É canto funeral! ... Que tétricas figuras! ...


Que cena infame e vil... Meu Deus! Meu Deus! Que horror!


Negras mulheres, suspendendo às tetas


Magras crianças, cujas bocas pretas


Rega o sangue das mães:


Outras moças, mas nuas e espantadas,


No turbilhão de espectros arrastadas,


Em ânsia e mágoa vãs!


Senhor Deus dos desgraçados!


Dizei-me vós, Senhor Deus!


Se é loucura... se é verdade


Tanto horror perante os céus?!


Ó mar, por que não apagas


Co'a esponja de tuas vagas


De teu manto este borrão?...


Astros! noites! tempestades!


Rolai das imensidades!


Varrei os mares, tufão!


São os filhos do deserto,


Onde a terra esposa a luz.


Onde vive em campo aberto


A tribo dos homens nus...


São os guerreiros ousados


Que com os tigres mosqueados


Combatem na solidão.


Ontem simples, fortes, bravos.


Hoje míseros escravos,


Sem luz, sem ar, sem razão. . .


São mulheres desgraçadas,


Como Agar o foi também.


Que sedentas, alquebradas,


De longe... bem longe vêm...


Trazendo com tíbios passos,


Filhos e algemas nos braços,


N'alma — lágrimas e fel...


Como Agar sofrendo tanto,


Que nem o leite de pranto


Têm que dar para Ismael.


Fatalidade atroz que a mente esmaga!


Extingue nesta hora o brigue imundo


O trilho que Colombo abriu nas vagas,


Como um íris no pélago profundo!


Mas é infâmia demais! ... Da etérea plaga


Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!


Andrada! arranca esse pendão dos ares!


Colombo! fecha a porta dos teus mares!


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