Angústia
Síndrome do novo ano
O mal-estar do final do ano e a expectativa do novo são muito mais fortes do que a angústia do domingo à noite, porque essas datas marcam com mais exatidão aquilo que se foi, que se perdeu, trazendo a tristeza das promessas não realizadas e o medo de novas frustrações no futuro
"Odeio o final de ano", "odeio festas", "o fim de ano pra mim é uma obrigação familiar", "odeio esse consumismo", "me sinto só neste emaranhado de gente comprando". ao ouvir essas expressões de seus pacientes nesta época, a psicanalista Lea Waidergorn diz ter a sensação de que essas pessoas falam "de uma profunda angústia, de um terror sem fim". O que ela chama de "inferno astral de fim de ano".
A manifestação de sentimen- tos negativos do início do ano caminha em direção oposta aos objetivos das festas do natal e ano novo. "Embora exista uma intenção comunitária e social de estar junto para comemorar o que foi bom e o que poderá vir a ser bom, os relatos são de soli- dão. Que contradição! É uma festa da solidariedade, da fra- ternidade, da comunhão", comenta Lea Waidergorn.
Nesse contexto, outras frases repetidas nesses perío dos são: "não tenho para onde ir no natal" ou "não tenho muito a ver com a minha família". "Não tenho planos para o próxi- mo ano", "nunca alcanço meus objetivos". No natal, a proposta de comunhão é instituida de fora, ou seja,construída socialmente e pode ser vista no avesso. Isto pode provocar nas pessoas o sentimento de não ter nada a ver com quem se relaciona. No início do ano, passada a euforia das festas, há uma natural reflexão sobre as realizações e frustrações tanto do passado quanto para os planos do novo ano. "E isso é ge- rador de profunda angústia. Traz sentimentos de orfandade, muitas vezes de falta de perspectiva e gera muitas dúvidas", explica a psicanalista.
Pequenas crises que levam a instabilidades envolvem emoções que podem variar segundo a perda ou o medo do novo
O tempo está sempre presente - assim como as passa- gens de começo, meio e fim - nas mudanças corporais, nos jogos infantis, no ritmo pessoal diário de cada um, no calendário mensal e anual, nas estações e nas viradas de ano. Estar continuamente iniciando e terminando é intrínseco ao ser humano. "Não ter um projeto é não ter futuro, é a impossibilidade, é a morte. Ficar no mesmo também é vi- vido como horror", observa.
As fases de vida passam por projetos que se modi- ficam ao longo dos anos: planos infantis são uns; de adultos, outros e os da maturidade também são específicos, segundo a psicanalista. as diferentes fases da vida levam à concretização de realizações distintas importantes para aquela fase específica. "o sonho vai se tornando realidade e ocorre uma incorporação que se amplia na vida, relativa a leques diferentes, seja na vida pessoal, amorosa, intelectual e social", diz.
Portanto, as passagens implicam mudanças. Pequenas crises que levam a instabilidades envolvem emoções que po- dem variar segundo a perda ou a aquisição de sentimentos de tristeza ou frustração pela perda, além do medo do novo e do futuro. "Há uma desestabilização daquilo que estava antigo. Há uma perspectiva de transformação, mas há tam- bém um medo de não conseguir concretizar", informa.
"O novo ano, para mim, se enquadra nessa perspecti- va: há um movimento processual que é marcado por uma data de celebração da passagem do velho para o novo; a própria música 'adeus ano velho, feliz ano novo, que tudo se realize no ano que vai nascer' representa uma pers- pectiva, um sonho, um projeto marcado por um montante de angústias e medos acoplados aos projetos de esperança para o futuro", destaca.
Cada um vivencia as passagens de acordo com a sua his- tória pessoal. Pessoas que, de modo geral, enfrentaram um ambiente de instabilidade tendem, em situações novas, mu- danças ou passagens, a viver angústias impensáveis que se manifestam de formas diversas: pânico, depressão, defesas obsessivas etc. "Uma pessoa mais instável emocionalmente terá maior chance de vivenciar a passagem do ano e tudo que sua transição pode trazer, com mais angústias", acres- centa a psicanalista.
Por Liliana Lavoratti e Irina Janaina Barbosa Novellino
http://psiquecienciaevida.uol.com.br/ESPS/Edicoes/61/artigo206401-1.asp
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