Para todos os efeitos,
o Solstício de Inverno marca a noite mais longa do ano.
É o apogeu do inverno, o ponto culminante da escuridão e do frio que afasta a vida.
Como todo apogeu, marca também o início da Decadência.
Se este é o apogeu da sombra, ela agora entra em decadência, e temos então o retorno da luz.
Gradualmente, a noite começa a encolher, começa a durar menos, até que, no solstício de verão, os papéis se invertam na eterna gangorra que determina o equilíbrio da natureza.
Vivendo no Hemisfério Sul, onde as estações do ano são invertidas com relação ao norte, estamos atravessando agora em junho os últimos momentos do outono ; a estação da colheita ; que nos leva ao inverno.
Para muitos neo-pagãos (wiccanos, neo-druidas e outros), é chegado o momento de celebrar YULE ; um termo amplamente usado para designar o Solstício de Inverno.
Mas esse termo traz em si um problema: Yule é um vocábulo de origem germânica absorvido pelo idioma inglês.
Em dicionários modernos desse idioma, Yule é descrito como uma palavra antiga (e portanto não mais utilizada) para designar... o Natal.
Muito poderia ser dito sobre as origens pagãs do festival cristão do Natal, mas isto fica para uma próxima oportunidade.
Por ora, basta dizer que o termo Yule tem conotações por demais cristãs para ser usado
livremente por pagãos e neo-pagãos, especialmente aqui no Hemisfério Sul.
Usemos então o velho e bom Solstício de Inverno.
Afinal, é um período que marca um ciclo da Terra Viva e de sua relação com o Sol; Independente da religião adotada, um Solstício de Inverno é sempre um Solstício de Inverno...
Mas quais são os significados deste momento ?
As culturas européias do neolítico atribuíam grande importância a este período, como atestam as muitas construções megalíticas a ele relacionadas.
Dentre estas, a mais conhecida é Stonehenge; um verdadeiro computador para o cálculo de solstícios e equinócios.
Mas seguramente a mais impressionante é BRÚ NA BÓINNE, na Irlanda ; também conhecida como Newgrange.
Essa enorme estrutura, erguida pelos habitantes da Irlanda neolítica há mais de 4500 anos, é uma obra prima da engenharia pré-histórica.
Trata-se de um monte artificial erguido sobre uma câmara em forma de cruz que penetra mais de 24 metros no interior do monte.
Lá dentro, escuridão total e silêncio.
A não ser durante três dias por ano: o Solstício de Inverno e os dias imediatamente antes e depois dele.
Atualmente, com o auxílio de computadores e cálculos de precessão, é possível determinar com exatidão o ponto exato do horizonte oriental em que o sol nasce num determinado dia.
Mas naquela época, em 2500 a.e.c. (antes da era comum, ou antes de Cristo), seriam necessários muitos anos de observação e conhecimento da movimentação da terra e dos astros para definir com precisão esse momento celeste.
Isto por si só já mostra claramente que o Solstício de Inverno é uma data importante para a humanidade desde há muito tempo.
Mas tem mais.
Nenhum povo dedicaria tanto esforço físico e mental para construir tamanha estrutura se não fosse por um motivo muito forte.
Mas qual seria esse motivo ?
As pesquisas arqueológicas indicam que, no interior da câmara subterrânea de Newgrange, eram depositados os corpos e as cinzas dos mortos daquela cultura ancestral.
Ali permaneciam, intocados, durante a escuridão que ali reinava durante praticamente todo o ano.
Mas nos três dias próximos ao Solstício de Inverno, um milagre: entram na câmara os primeiros raios do sol nascente, Novo Sol que volta a crescer depois do Inverno, trazendo consigo a certeza de que, após o frio invernal, sem dúvida virá o brilho e o colorido da primavera e da vida que renasce.
Pois esse parece ser o tema de Brú na Bóinne.
A entrada dos raios solares somente no Solstício de Inverno; o Novo Sol; ilumina todo o interior da câmara interna, num espetáculo disputado a peso de ouro pelos neo-pagãos da Europa e de todo o mundo.
Só quem já entrou em Brú na Bóinne é capaz de descrever o maravilhamento causado por esse fenômeno.
Ao iluminar o interior da câmara, os raios do sol; um verdadeiro falo celeste ; penetram no útero da Terra, onde as cinzas dos mortos haviam sido depositadas, fecundando-as novamente, e assim garantindo a continuidade da vida após a morte.
Esse é o tema do Solstício de Inverno.
A união do sol (masculino) com a Terra (feminina) é o milagre do renascimento e a preservação da vida.
É essa união em EQUILÍBRIO que traz a certeza de que a Primavera
retornará, e com ela a alegria, a fertilidade e o amor da Terra e de suas criaturas.
Desenvolvendo seus mitos através dos tempos, a humanidade sempre fez do Solstício de Inverno o momento de nascimento de deuses e heróis: Arthur, Dioniso, Mithras, Átis, Osiris, entre outros.
Nós que vivemos no Hemisfério Sul, no paraíso de Hi-Brasil, temos o privilégio de viver junto a uma natureza mais amena e menos hostil do que a da Europa ; por aqui, é bom que se diga, o deus sol nunca morre.
Nem mesmo no Solstício de Inverno.
Mas com certeza nós sentimos nesse período que algo está mudando ; a Natureza, em sua imutável (posto que eterna) transformação, dá prosseguimento à sua ciclicidade.
Podemos sorrir felizes, pois nossos invernos são mais brandos do que os dos outros; e sorrimos ainda mais, com a certeza de que, por volta das 16h do dia 21 de junho, o retorno do sol nos trará de volta a alegria da primavera em setembro.
Essa certeza nos ajuda ; como ajudava aos povos da Antigüidade ; a suportar os rigores do inverno que se anuncia, enchendo-nos de esperanças e de energia para aguardar a primavera.
É simples assim... e é por ser simples que é belo.
Bom Solstício de Inverno, e que a Roda jamais pare de girar.
Slán agus Solas,
Claudio Crow Quintino - autor de "O Livro da Mitologia Celta" e "A Religião da Grande Deusa"
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