CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

domingo, 31 de julho de 2011

ESPECIAL DE AGOSTO: O sentido do Olubajé é de prolongar a vida e trazer saúde a todos os filhos e participantes do axé.


O Olugbajé é a festa anual em homenagem a Obaluayê, onde as comidas são servidas na folha de mamona.



Rememorando um itan (mito) onde todos os Orixás para se acertarem com Obaluaiyê, por motivos de ter sido chacoteado numa festividade feita por Xangô por sua maneira de dançar.

Nessa festividade, todos os Orixás participam, com exceção de Xangô.

Iroko, Osanyin, Oxumarê, Nanã, Yewá e Yassessú sua mãe de criação ou melhor toda sua família vem ao grande banquete do Rei da Terra ! 

Oyá tem papel importante por ser ela que ajuda no ritual de limpeza e trazer para o barracão de festas a esteira, sobre a qual serão colocadas as comidas.


Olubajé é ritual especifico para o orixá Obaluayê, indispensável nos terreiros de candomblé, no sentido de prolongar a vida e trazer saúde a todos os filhos e participantes do axé.

No encerramento deste rito é oferecido no mínimo nove iguarias da culinária afro-brasileira chamada de comida ritual pertinente a vários Orixás, simbolizando a Vida, sobre uma folha chamada "Ewe Ilará" conhecida popularmente como mamona assassina, "altamente venenosa" simbolizando a Morte (iku).



ESPECIAL DE AGOSTO: Omolu/Obaluaiê



Obaluaiê, Obaluaê, Abaluaiê (de Ọbalúayé, "rei dono da terra", em iorubá), Omolu (Ọmọlu, "filho do senhor", idem) e Xapanã (Ṣànpònná) são os nomes dados ao orixá da varíola e das doenças contagiosas, tanto para enviá-las quanto para curá-las.

Ora são considerados nomes diferentes do mesmo orixá, ora se reconhece pelo menos dois: Obaluaiê, mais velho, sincretizado na Bahia com São Roque e Omolu, jovem, sincretizado com São Lázaro.


Seu culto, assim como o de Nanã Burucu, parece fazer parte de sistemas religiosos anteriores a Odudua. Não constam da lista dos companheiros de Odudua ao chegar em Ifé, mas algumas lendas de Ifá dizem que Obaluaiê já estava instalado em Òkè Itaṣe antes da chegada de Orunmilá, que pertence ao grupo.

A antiguidade desses cultos é também sugerida por um detalhe dos sacrifícios que lhe são feitos, realizados sem o emprego de instrumentos de ferro, o que sugere que ambos fazem parte de uma cultura anterior à Idade do Ferro e à chegada de Ogum.

Diz-se que é filho de Nanã Burucu e originário, como ela e Oxumaré, do país Mahi. No Brasil, os pejis (altares, assentamentos) dessas três divindades são reunidos numa mesma cabana, separada das dos outros orixás.


Segundo Frobenius, haveria dois Xapanãs: um de origem tapá, que ele chama de Ṣànpònná-Airo e o outro,que teria ido a Oyó, vindo do Daomé, que chama de Ṣànpònná-Boku, aproximando-o de Nanã Burucu. Existe muita confusão a respeito de Ṣànpònná, Ọbalúayé, Ọmọlu e Mọlu, que se misturam em alguns lugares e em outros são orixás distintos, e também com Nanã Burucu, igualmente confundida com eles. Segundo Pierre Verger, é possível tanto que se trate de:


■- ou um sincretismo entre duas divindades, uma do leste, Ṣànpònná-Ọbalúayé (Nàná-Buruku), e outra do oeste, Ọmọlu-Mọlu (Nàná-Brukung), que se juntaram e tomaram um caráter único em Kêto;


■- ou então, tratar-se-ia de uma divindade única, trazida por migrações leste-oeste, como as dos Ga, que foram de Benim para a região de Acra, durante o reino de Udagbede, no fim do século XII e levada depois para seu lugar de origem, com um novo nome que, no início, era apenas um epíteto.


Seus iaôs dançam inteiramente revestidos de palha da costa.

A cabeça é coberta por um capuz da mesma palha, cujas franjas recobrem o rosto.

Em conjunto, parecem pequenos montes de palha, em cuja parte inferior aparecem pernas cobertas por calças de renda e, na altura da cintura, mãos brandindo um xaxará, espécie de vassoura feita de nervuras de folhas de palmeira, decorada com búzios, contas e pequenas cabaças que se supõe conter remédios.

Dançam curvados para a frente, como que atormentados por dores, e imitam o sofrimento, as coceiras e os tremores de febre.

A orquestra toca para Obaluaiê um ritmo pesado, lento triste e quebrado por pausas, chamado opanijé, o que significa em iorubá "ele mata qualquer um e o come".


No Brasil como em Cuba (onde é chamado Babalú Ayé), considera-se perigoso pronunciar o nome de Xapanã, chamado Obaluaiê ou Omolu por prudência.

É sincretizado com São Lázaro e São Roque na Bahia e em Cuba, e com São Sebastião no Recife e Rio de Janeiro. As pessoas que lhe são consagradas usam dois tipos de colares: o lagidiba, feito de pequenos discos negros enfiados, ou o colar de contas marrons com listas pretas.

Quando o orixá se manifesta sobre um de seus iniciados, é acolhido pelo grito "Atotô!" ("respeito e submissão!").

A festa anual de oferendas chama-se "Olubajé" e em seu decorrer lhe são apresentados pratos de aberém (milho cozido enrolado em folhas de bananeira), carne de bode, galos e pipocas.

As segundas-feiras lhe são consagradas. Nesse dia, o chão do adro da Igreja de São Lázaro, na Bahia, é coberto de pipocas que as pessoas passam no corpo para se preservar de doenças contagiosas.

As proibições alimentres das pessoas dedicadas a Obaluaiê são, como na África, carne de carneiro, peixe de água doce de pele lisa, caranguejos, banana-prata, jacas, melões, abóboras e frutos de plantas trepadeiras.


O arquétipo de Obaluaiê, segundo Verger, é o das pessoas com tendências masoquistas, que gostam de exibir seus sofrimentos e as tristezas, das quais tiram uma satisfação íntima.

Pessoas que são incapazes de se sentirem satisfeitas quando a vida lhes corre tranqüila.

Podem atingir situações materiais invejáveis e rejeitar, um belo dia, todas essas vantagens por causa de certos escrúpulos imaginários.

Pessoas que em certos casos sentem-se capazes de se consagrar ao bem-estar dos outros, fazendo completa abstração de seus próprios interesses e necessidades vitais.




Mitos de Obaluaiê/Omolu

■Por causa do feitiço usado por Nanã para engravidar, Omolu nasceu todo deformado.

Desgostosa com o aspecto do filho, Nanã abandonou-o na beira da praia, para que o mar o levasse. Um grande caranguejo encontrou o bebê e atacou-o com as pinças, tirando pedaços da sua carne.

Quando Omolu estava todo ferido e quase morrendo, Iemanjá saiu do mar e o encontrou.

Penalizada, acomodou-o numa gruta e passou a cuidar dele, fazendo curativos com folhas de bananeira e alimentando-o com pipoca sem sal nem gordura até o bebê se recuperar.

Então Iemanjá criou-o como se fosse seu filho.


■Omolu tinha o rosto muito deformado e a pele cheia de cicatrizes.

Por isso, vivia sempre isolado, se escondendo de todos. Certo dia, houve uma festa de que todos os Orixás participavam, mas Ogum percebeu que o irmão não tinha vindo dançar.

Quando lhe disseram que ele tinha vergonha de seu aspecto, Ogum foi ao mato, colheu palha e fez uma capa com que Omulú se cobriu da cabeça aos pés, tendo então coragem de se aproximar dos outros. Mas ainda não dançava, pois todos tinham nojo de tocá-lo.

Apenas Iansã teve coragem; quando dançaram, a ventania levantou a palha e todos viram um rapaz bonito e sadio; e Oxum ficou morrendo de inveja da irmã, que Omolu recompensou dividindo com ela o poder de controlar eguns (espíritos dos mortos).


■Quando Obaluaiê ficou rapaz, resolveu correr mundo para ganhar a vida. Partiu vestido com simplicidade e começou a procurar trabalho, mas nada conseguiu. Logo começou a passar fome, mas nem uma esmola lhe deram. Saindo da cidade, embrenhou-se na mata, onde se alimentava de ervas e caça, tendo por companhia um cão e as serpentes da terra.

Ficou muito doente. Por fim, quando achava que ia morrer, Olorum curou as feridas que cobriam seu corpo. Agradecido, ele se dedicou à tarefa de viajar pelas aldeias para curar os enfermos e vencer as epidemias que castigaram todos que lhe negaram auxílio e abrigo.


■Euá era uma exímia e bela caçadora. Sua beleza não só ofuscava os admiradores, como também cegava, devido ao veneno que ela lançava em quem ousasse lhe encarar ou lhe dar uma simples piscadela de olhos. Um dia ela encontrou Omolu e por ele se apaixonou perdidamente. Casaram-se, porém Omulu era extremamente ciumento e um dia, julgou estar sendo traído e prendeu Euá em um formigueiro, deixando-a entregue à própria sorte.

As formigas fizeram um banquete com a carne da rainha da caça e da beleza, e quando Euá ameaçou dar o último suspiro, Omolu apareceu e a levou para casa. Euá ficou deformada pelas picadas das formigas e seu rosto ficou feio e disforme, tomado pelas cicatrizes. Omulu a cobriu de palha-da-costa, de coloração vermelha, para que ninguém visse sua feiúra nem o repreendesse pelo castigo dado à esposa por uma simples suspeita.


Obaluaiê/Omolu na Umbanda Editar
Exu Omulu, de Lady Ventania


Tradicionalmente, como ainda se dá em muitos centros, Omolu/Obaluaiê foi considerado pelos umbandistas como "Exu Omolu Rei", "Exu Omulu", "Anjo da Morte" e senhor Supremo dos Cemitérios, incumbido de zelar pelos mortos ali enterrados. Apresenta-se nos terreiros coberto por um lençol ou toalha branca e comanda a Linha das Almas na Quimbanda como um senhor de grande poder, comparável apenas ao Maioral, "Seu Lúcifer".

Quando solicitado, trabalha para minimizar o sofrimento dos filhos e recebe obrigações, presentes e solicitações no cruzeiro do cemitério. É ajudado por Exu Caveira e Exu da Meia-Noite. Todavia, se observa uma deturpação nessa concepção, pois tratam-se de orixás diferentes, embora relacionados à zona de vibração similar (cemitérios ou calunga pequena). Na verdade, o Exu na Umbanda não é visto como um demônio, mas como um guardião, responsável pela execução da lei de causa e efeito,auxiliando na proteção de médiuns e terreiros contra as investidas de espíritos atrasados (quiumbas).

Mais recentemente, há uma tendência crescente a dar-lhe uma função mais elevada e identificá-lo com Yorimá (São Cipriano), orixá de caráter abstrato, desconhecido fora da umbanda, que é considerado líder da sétima linha de espíritos da Umbanda, correspondentes às "Almas", pretos-velhos e africanos.

Referências Editar■Pierre Fatumbi Verger, Orixás: deuses iorubás na África e no Novo Mundo, São Paulo: Corrupio, 1981


■Pierre Fatumbi Verger, Lendas Africanas dos Orixás, São Paulo: Corrupio, 1997.


■Thiago Luiz Ferreira Miranda, "O Canto do Sabiá e o Pio da Coral" em Estudando a Umbanda [1]


■Linhas dos Exus - Parte 2 [2]
 

ESPECIAL DE AGOSTO: Olubajé é um ritual anual para Obaluaiê !


Olubajé

é um ritual anual para Obaluaiê e só é feito em casas de Candomblé, sendo obrigatório em casas onde haja feito um Yawo de Obaluaiyê há menos de sete anos ou o próprio Zelador ou Zeladora seja deste Orixá.


Olubajé é uma palavra de origem Iorubana e significa Olú : Aquele Que; Ba : Aceita; Je : Comer.


Olubajé:

Diz uma lenda que Xangô, um Rei muito vaidoso, deu uma grande festa em seu palácio e convidou todos os Orixás, menos Obaluaiyê, pois as suas características de pobre e de doente assustavam o rei do trovão.

No meio do grande cerimonial todos os outros Orixás começaram a notar a falta do Orixá Rei da Terra e começaram a indagar o porquê da sua ausência, até que um deles descobriu de que ele não havia sido convidado.


Todos se revoltaram e abandonaram a festa indo a casa de Obaluaiyê pedir desculpas, Obaluaiyê recusava-se a perdoar aquela ofensa até que chegou a um acordo; daria uma vez por ano uma festa em que todos os Orixás seriam reverenciados e este ofereceria comida a todos desde que Xangô comesse aos seus pés e ele aos pés de Xangô.


Nascia assim a cerimónia do Olubajé.

Porém, existem diversas outras lendas que narram outros motivos sobre o porquê de Xangô e Ogum não se manifestarem no Olubajé.


Aqui vou contar um resumidamente o que acontece nessa cerimónia:


Nesse dia todo o terreiro se encontra ornamentado na cor deste Orixá, Obaluaiyê – devo ressaltar que essa é a única cerimónia dentro do Candomblé que dispensa o Ipadé de Exú.


Chega a hora e o Babalorixá ou a Yalorixá faz soar o adjá, forma-se uma fila indiana, trazendo panelas de barro ornamentadas com faixas, todas elas contendo as comidas de todos os Orixás com excepção da comida do Orixá Xangô; à frente estará a Yalorixá ou o Babalorixá seguida por uma filha de Iansã, carregando uma esteira, uma outra com um pote na cabeça contendo a bebida sagrada das cerimónia chamada de Aluá, mais uma com um vasilhame de barro cheia de Ewe Lara (folha de mamona) a qual servirá de prato para as comidas; logo em seguida mais 21 pessoas ou 7 – estes são os números das comidas oferecidas – transportarão vasilhames de barro à cabeça, trazendo-os para o centro da sala, onde serão colocados sobre a esteira, formando assim a mesa do banquete.


É importante ressaltar que todos, como numa cerimónia de um Bori, inclusive os assistentes, deverão estar descalços.



Em seguida, três dos iniciados mais antigos servem as comidas, colocando um pouco de cada uma das comidas existentes no banquete sobre uma folha de mamona que serve de prato.

Todos os presentes na cerimónia devem comer um pouco de cada uma das comidas, utilizando apenas as mãos para comer, e é também obrigatório que todos dancem ao som das músicas e cantigas que vão sendo entoadas em louvor do Orixá.


Todos batem palmas pausadamente – paó – saudando Obaluayê.

Com voz forte e cheia de entusiasmo, esta frase melodiosa ecoa:




Omulú Kíí bèrú já__Kòlòbó se a je nbo


Kòlòbó se a je nbo__Kòlòbó se a je nbo__Aráayé.


Omulú não teme a briga.


Em sua pequena cabaça traz axé e feitiço.

RAÍZES AFRICANAS




As origens (suas raízes) da cultura material e não-material afro-brasileiro está associada à época do tráfico de escravos africanos para o Brasil do século XVI até a segunda metade do Século XIX.


Os povos africanos trazidos para o Brasil são originários de diversas regiões da África:

África Ocidental - Yorubás (Nagô, Ketu, Egbá), Jejes (Ewê, Fon), Fanti-Ashanti (conhecidos como Mina), povos islamizados (Peuhls, Mandingas e Haussás);


África Central - Bantos: Bakongo, Mbundo, Ovimbundo, Bawoyo, Wili (conhecidos como Angolas, Congos, Benguelas, Cabindas e Loangos);


Sudeste da África Oriental - Tongas e Changanas entre outros (conhecidos como Moçambiques).


Estes povos trouxeram consigo para o continente americano seus costumes, crenças, línguas (hoje de uso litúrgico como o yorubá, o bakongo e o kimbundo), léxicos incorporados no nosso falar (línguas bantos), danças, ritmos, instrumentos musicais, culinária bem como seus deuses e seus ritos de culto.




Mesmo dispersos no território brasileiro e, por vezes misturados para não se rebelarem (fazendo jus ao ditado "dividir para reinar"), retiveram uma parte de sua cultura original para conservar sua identidade de grupo dominado.

Por vezes, esta identidade constituiu mesmo um fator importante para resistir à escravidão.

É o exemplo dos quilombos que existiram no Brasil-colônia dos quais o mais célebre foi o Palmares comandado por Zumbi.

O Quilombo era uma instituição política dos guerreiros jagas ou yagas da Angola, termo que designava tanto a casa sagrada onde se realizavam as cerimônias de iniciação, como o campo de guerra e mais tarde o acampamento de escravos fugidos.


Algumas formas de organização permaneceram ou pelo menos conservaram uma certa identidade com as suas raízes culturais africanas.

É o caso das religiões denominadas afro-brasileiras como o candomblé nagô, angola-congo, mina-jeje, ritos diversos do que se convencionou chamar de "nações" conforme suas origens étnicas na África.

Por vezes, sincretizaram com outras religiões como a umbanda.

Mesmo quando grupos de escravos se converteram ao catolicismo e adotaram rituais de devoção a santos padroeiros e protetores de negros como São Benedito, Santa Efigênia e Nossa Senhora do Rosário, como nas congadas, moçambiques ou cabindas, mantiveram danças, ritmos, tambores e outros símbolos e mesmo uma certa dimensão do culto aos ancestrais.


É realmente inegável a herança cultural africana em nossa gente e essa influência não pode ser entendida se não voltarmos às origens, isto é, à história africana, desde os seus primórdios.

Hoje é perceptível um ar de reparação a uma injustiça: desta forma se estará "resgatando" nossa herança e identidade africana, tão longamente escamoteada por uma historiografia etnocêntrica que resumia a figura do africano a um escravo submisso amarrado no tronco.


A África possui um verdadeiro significado simbóloico para as multidões de afro-descendentes residentes nas antigas colônias.

Essa indivíduos, via de regra, nunca puseram os pés em solo africano, mas vêem o Brasil como a matriz de um vasto patrimônio cultural brasileiro herdado das várias etnias africanas que para cá foram trazidas.

Tal patrimônio engloba a língua, a música, os instrumentos, a dança, os utensílios, o artesanato o misticismo, a idumentária, os rituais, a culinária, o folclore, as festas, os folguedos, a linguagem corporal, a oralidade e a maneira de viver - herança chamada de "africanidade", que deu ao Brasil um colorido todo especial, com raízes africanas.

Este imaginário comum nas suas origens são aspectos de uma história cultural a ser preservada, valorizada e conhecida pelo presente.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

OS BANHOS DE DESCARGAS OU QUEBRA



Em qualquer “Ritual” na “Religião de origem Africana”, não é realizado nada sem primeiro fazer o banho de descarrego ou de quebra, seja qual for a necessidade, é o primeiro passo para conseguirmos nossos objetivos, quer seja em trabalhos ou na feitura de uma pessoa na Religião Africana.

Antigamente, era normal se realizar em primeiro lugar os banhos de descarrego ou de quebra à uma pessoa; hoje, nem todos fazem esse “Rito”, dizem que é perca de tempo, passam uns pacotes e deu !

A princípio, irei dar um exemplo da importância dos banhos de descarrego ou de quebra: Você é convidado para ir uma festa, primeiro você toma um banho normal de rotina, para depois vestir a roupa nova, certo!

Você não coloca a roupa nova em corpo sujo, correto!

Está aí !

Porque, na Religião Africana, em primeiro lugar se realiza os banhos de descarrego, primeiro se limpa, para depois se realizar qualquer trabalho ou feitura.


O banho de descarga mais usado é feito com ervas positivas, variando de acordo com os fluídos negativos que a pessoa está carregando e de acordo com o Òrìsà que a pessoa traz no seu “Ori”( cabeça), ou seja, o seu “Olóri.

O banho de descarga com ervas deve ser tomado após o banho de rotina e antes de dormir e, de preferência utilizar sabão da Costa antes, para a limpeza do corpo, após isso, então toma-se o banho de ervas, isto na vida normal e para qualquer realização ritualística.

O banho não deve ser jogado brutalmente no corpo, devemos utilizar uma esponja nova e ir massageando de cima dos ombros para baixo.

De modo geral, o banho é feito do pescoço para baixo até os pés, sem tocar na cabeça.

A finalidade dos banhos descarrego é: “O banho de ervas é a renovação do “corpo” e da “alma”, pois quando o corpo se sente bem e se acha refeito do cansaço,etc…, a alma fica também mais apta a vibrar harmoniosamente”.

Exemplo: Moisés, o grande legislador hebreu, impôs o uso do banho de ervas aos seus seguidores.

Na Índia, há o banho sagrado no “Ganges”.

Em Roma Augusta o banho de ervas era um exercício alegre e dedicado aos deuses, principalmente à “Dionisus e Baco”.

Na África, a água é tida de grande poder, força e de magia.

Vemos até hoje as águas de Òòsààlà, no ritual.

As águas das quartinhas e tigelas nos Pejís, além de outras magias com água.

Apesar, de ser rito um de alto custo, mas com grande utilidade ritualística, às quais iremos citar algumas no decorrer deste.

O resultado obtido na aplicação do “Àgbo”, são excelentes, até substituindo muitas vezes uma troca, etc…










Abô, Águas sagradas


Água sagrada, Agbo ou simplesmente Abô, são os nomes usados pelo povo do santo para denominar a mistura de folhas sagradas, usada na feitura de santo até a ultima obrigação chamada de axexe.

Sua utilização é larga e irrestrita, significando principalmente a ligação entre o Orum e Aiye (mundo dos Orixás e o dos Homens).

Proporcionando o fortalecimento físico e espiritual, prevenindo e até mesmo curando certos tipos de doenças, segundo alguns estudos. (Barros 1993:81).


Também usado na sacralização de objetos como fio de contas, igba orixá e espaços sagrados.


Sua preparação é complexa, com ritos que pode durar até sete dias.

A presença de um Babalorixá e de um Babalosaim é indispensável para sua confecção, pois neste ato litúrgico são exaltados os cânticos de sasanha.


Além de respeitar horários para a colheita das 16 folhas sagradas, sendo oito tipos de folha chamada "fixas" (Ewe Oro) e 8 tipos de folhas "variáveis" (Ewe Orixás), de acordo com o Orixá que se esteja trabalhando, são utilizados, obi, orobo , azeite, mel e até mesmo (Ejé) sangue de animais sacrificados, entrarão nesta misteriosa mistura, tão importante para esta cultura também denominada como Jêje-Nagô.


Ewe oro e Ewe Orixás são folhas sagradas pertinentes a cada terreiro, podendo variar de acordo com sua regência, todavia são escolhidas ou herdadas de forma ordenada, geralmente seguindo um equilíbrio: folha gún (excitante “quente”) , seu significado em nagô é “chama transe”, associada com uma folha èrò (calma “fria”), que é catalisadora da propriedades de outras plantas, formando assim uma parceria perfeita, para uma sintonia harmônica .

As folhas gún ou èrò podem ser macho (agboro) ou fêmea (Yagbá).

Na realidade o que distingue sua associação são as formas, se pontiagudas são consideradas masculinos se arredondadas femininos, todas elas tem o domínio do Orixá Osanyin.








SIGNIFICADO DE CADA BANHO E COMO UTILIZAR: ÀGBO



Este preparo consiste numa alquimia (mistura mágica) de “amáãsi” e com a finalidade do “omíeró”.


O “àgbo”, inicialmente, é feito da mesma forma que o “amáãsi”; não esquecendo, que o “amáãsi” é um banho preparado exclusivamente para a lavagem da cabeça , feitura do iniciante; já “omíeró” tem outras finalidades, seria um àgbo sem sangue de animais. Muito usado no ritual de limpezas de objetos, okutás para transformação em otás ou etás, considerados sagrados e mágicos.


O banho de descarrego; descarga ou de quebra, tem como finalidade livrar o individuo ( clientes antes de qualquer trabalho, pré-iniciantes de qualquer feitura na “Religião”, bem como, quando uma pessoa sai de uma casa e vai para outra casa de religião, tirar mão de Egungun, etc…) de fluídos negativos.

Já o outro banho de “Àgbo” para levantar e atrair as boas vibrações magnéticas almejadas, é composto com outros tipos de ervas sagradas e normalmente é realizado com um casal de pombos brancos ou um casal de “atum  angolista”.


O banho de àgbo é composto de “ervas sagradas” com grande poder mágico, são de várias qualidades tanto para se realizar a quebra como levantar uma pessoa de doenças, situações financeiras problemáticas, situações amorosas, etc…


Devemos adicionar ao suco (Ariorò) pembas raladas de todas as cores menos a preta, depois realizar o sacrifício do animal ou ave (s) indicada pelos os Òrìsàs; após o corte, a ave irá para cozinha para ser preparada e seus esés ( inhálas ou inhélas) também..


No àgbo, deve-se ascender velas de Óbara à Òòsààlà, em volta da bacia onde está depositado o ariorò, para este ganhar forças e clareando o mesmo, as velas devem ser todas de sete dias brancas, só quando queimarem totalmente é que o banho de àgbo poderá ser usado pelo necessitado.


Este banho deve ser tomado em frente aos Òrìsàs e, em determinados casos da cabeça aos pés e, a pessoa que recebe o banho não pode se secar. Em outros casos, o banho deve ser realizado em um riacho de águas limpa, com a pessoa dentro d’água.


Como diziam os “Negros Velhos” da Zona Sul do Estado-RS.

O banho àgbo é como nem “tiro dado, jacu deitado” (ditado do Pampa Gaúcho).


É verdade, hoje, as pessoas já não sabem distinguir a diferença e a utilização dos banhos, e sua grande importância e influência que as ervas possui em nossa vida e no “Ritual Religioso”.

É como diziam os “Velhos”: O amáãsi é o primeiro batismo! Òsónyìn, com o poder de suas ervas, antecede ao Óbara no “Ritual”.

Mas, hoje, por muitos é ignorado, só interessa o lado financeiro!

SIGNIFICADO DE CADA BANHO E COMO UTILIZAR: “OMÍÀSE”

Ossanyn


“OMÍÀSE” ou que muitos dizem OMÍESÉ = Omíàse quer dizer “água da força divina dos Òrìsàs.

Muitos dizem: “Omíàse eró Bàbá Ilé”.




É um certo tipo de “omíeró”, após de feito é adicionado as águas das quartinhas dos Òrìsàs ou pode ser de um só Òrìsà, conforme for o caso; também para banhos ou lavagens e purificação de okutás e utensílios de Òrìsàs.


É tão empregado quanto o sabão da Costa, cuja sua composição é conservada secreta, tal como a do Ori epô (manteiga de Òòsààlà) os verdadeiros , até hoje, são importados da África.

Os que existem por aí!

São na sua maioria falsificados, inclusive na Bahia.


Assim o “Omíàse, também é algo de muito secreto do Feitor (a), porque varia muito na sua composição de Òrìsà para Òrìsà; mesmo após o sacrifício de animais de quatro pés, na limpeza de seus Otás ou Etás e, após dar o ossé, epô para quem é do epô, mel para quem é do mel ou dar à determinados Òrìsàs que são do epô e mel.

Porque, muitos Feitores não deixam o seu filho ver a levantação, porque, aí mora um dos segredos, mesmo, você levando-os para sua casa, você não saberá conduzí-los e tratá-los.

Você não viu na primeira Obrigação (corte e levantação) como foi realizado, com certeza, você irá dar com a cabeça nas pedras!

Por que aí está o grande eró do Feitor (a), neste momento é criado o feitiço para o próprio filho, caso ele não tenha percebido, por isso eu digo: A curiosidade é uma virtude e não um defeito!?

O Feitor (a) dá se quer o segredo (eró) de sua feitura, por isso, muita gente come pela mãos dos Feitores e patina na vida religiosa.


Esse direito, o Feitor (a) tem, de fazer diferente à cada filho de Òrìsà, e assim é, em cada fase da Obrigação, porque, nem uma é igual a outra. Há! Você não viu, não observou, paciência, então solicite ao seu Feitor (a) o seu segredo!




































SIGNIFICADO DE CADA BANHO E COMO UTILIZAR: “OMÍERÓ”




“OMÍERÓ”= (Omí = água; eró = segredo; água do segredo).

Tem muitos chamam de “Mieró”= (Mi= neste sentido é mexer de leve; eró= segredo; mexer de leve o segredo).

Deixo que vocês escolham e vejam qual é o mais correto!

Existem várias maneiras de se realizar o “omíeró” e sua utilização.



Sendo o seu ritual inicial igual ao do amáãsi.

No preparo, existe as diferenças de um para o outro.


“Omíeró”é o cozimento de folhas, após ter fervido a água é colocado as folhas e abafado na panela até esfriar, serve para banhos ou lavar a cabeça em casos especiais, bem como, lavar as residências ou estabelecimentos comerciais.

A lavagem da cabeça com “omíeró”, não importa em compromissos de iniciação e pode e é, muitas vezes, aplicadas aos profanos por motivos de doenças ou outras causas.

Omíeró, não é feito sempre de igual modo, dependendo do fim e da divindade invocada aquém se pede ou se oferece o cerimonial.


Passo à vocês, aqui um dos mais completos: Compõe-se de “manjericão, alevante, imbiri, parreira, malva cheirosa, folhas de inhame e folhas de fortuna ou saião”.

Depois de realizado a operação deve ser despachado em lugar determinado pelo Feitor (a).

Uma prática muito utilizada é na lavagem de cabeça como limpeza da mesma, para tirar a mão de um Feitor (a) ou de mão de egungun, etc… Por isso, que chamamos d’água do segredo, já nestes casos as folhas à ser utilizadas são outras !


Esse tipo de ritual assemelha-se muito com o “amáãsi”, devido sua grande versatilidade de utilização mas, tem muita gente que confundem um com outro, cuidado!

























SIGNIFICADO DE CADA BANHO E COMO UTILIZAR : AMÁÃSI


AMÁÃSI = (“amáã”= hábito, costume; “si”= pôr para dentro) = Líquido (ariorò) preparado com folhas sagradas, maceradas no pilão ou com as mão, depois adicionando a água da quartinha do qual, Òrìsà estamos preparando o amáãsi, deixando repousar e clareando com velas brancas junto com o “mace”= (bagaço) durante sete dias o “Peji”.


Após, ter passado o tempo de cura é coado e dividido em três partes:


1a) É destinado a banhar a cabeça do iniciado = amáãsi ni ori = ni= em, sobre; ori= cabeça.


2a) Para banhar o Otá e utensílios.


3a) Para banhar as patas e chifres dos animais a serem sacrificados, bem como, as patas das aves.


O grande segredo “Eró” está na composição do “amáãsi”.


As folhas são as do “ Òrìsà, Oló Ilé ”(Òrìsà, dono da casa) + as do Òrìsà da pessoa iniciada + as de Òsónyìn (o deus das folhas).


Este é o banho que chamamos de purificatório na cabeça do iniciante na “Religião Afro-Brasileira.

Quero ressaltar que antes de realizar o amáãsi, o iniciado deverá fazer todos os banhos de limpeza corporal, como o banho de descarrego ou de àgbo, bem como, a limpeza com ave ou carne.

Uma observação muito importante, “nunca devemos cozinhar as ervas do amáãsi”.


As ervas (folhas) deverão ser colhidas ao clarear do dia, pedindo sempre licença ( agò) ao Òrìsà Òsónyìn; logo após, escolhidas e lavadas uma por uma, ao qual o Òrìsà serão empregadas; não existe amáãsi coletivo.

A pessoa ou Feitor (a) que irá realizar este ritual, deverá antes fazer seu banho normal e colocar roupa branca, para depois serem maceradas as ervas no “Peji”.


As mãos de quem faz o amáãsi devem ser bem lavadas e desinfetadas, digo limpas.


Atenção : O ritual de preparar o amáãsi para outrem é pôr já a mão na cabeça de outro.


E para pôr a mão na cabeça de alguém é só o Feitor (a) e é preciso ter Àse e Fundamento, e muita licença.


Porque, em caso de erro, irá repercutir no andamento da “Obrigação” e na vida religiosa da pessoa (iniciante).


Cuidado e cautela, porque, o menor erro no amáãsi poderá produzir distúrbios mentais perigosíssimos, etc…


Não errem para que depois não venham outras pessoas, mesmo de religião, dizer que você errou, ou outros, dizer que o africanismo é uma fábrica de loucos e de pessoas frustradas.

Tem que se ter muita cautela e humildade, pois trata-se do primeiro ritual que a pessoa irá fazer na Religião, e a mesma, deposita muita fé e confiança no Feitor (a), pois o mesmo, deve respeitar o próximo, ou seja, a pessoa cura, etc…

A cerimônia do ritual do amáãsi é colocado com uma jarra ou quartinha (exclusivamente para este afim) lentamente na cabeça do iniciante, e com a mão do Feitor (a) vai aplicando o amáãsi e solicitando tudo bom para o novo filho do Ilé e também chamando pelo Olóri Òrìsà da pessoa; a baixo da cabeça do iniciante, fica uma bacia, para que o preparado não caia no chão.


Depois enrola-se um pano branco na cabeça do iniciante ( uns chamam de “ojá”outros de “tussú” conforme a Linhagem), a partir deste momento, o iniciante, já pode ser considerado um filho de Òrìsà.


O iniciante fica recolhido ao Ilé no prazo determinado pelo Feitor (a); depois o iniciado deve evitar por três dias ter relações sexuais, raios solares, sereno e chuva na cabeça.

Após ter realizado este ritual, o primeiro passo a seguir é realizar o rito do “Oribibó”, está Obrigação, é solicitando à permissão ao Bàbá Òòsààlà e que, o mesmo, entregue a cabeça ao verdadeiro Olóri dão iniciante; este ritual tem que ter os ìgbins (chamado de boi de Òòsààlà) e pombos brancos.

E logo a seguir o ritual do “Óbori”, e assim por diante.




terça-feira, 26 de julho de 2011

Hipertrofia ritual das religiões afro-brasileiras


Hipertrofia ritual das religiões afro-brasileiras



Reginaldo Prandi
Universidade de São Paulo
Texto publicado em Novos Estudos Cebrap,
nº 56, março, pp. 77-88.


As religiões afro-brasileiras podem ser caracterizadas como religiões rituais cuja dimensão mágica supera em muito a dimensão que diz respeito aos aspectos morais, tanto que, num outro estudo, referi-me ao candomblé como uma religião aética, propriedade que, de certa forma, explica seu sucesso no mercado religioso de hoje (Prandi, 1991).

O candomblé e outras modalidades religiosas de origem africana não estão sozinhos quando atribuímos sua expansão recente ao seu caráter de agência prestadora de serviços mágicos.

O pentecostalismo e o neopentecostalismo congregam inúmeras denominações mais interessadas em resolver problemas pessoais por meio dos poderes sobrenaturais do que propriamente internalizar valores éticos (Mariano, 1999; Pierucci e Prandi, 1996).

O catolicismo, na sua bem-sucedida versão da Renovação Carismática, no percurso inverso do catolicismo das comunidades eclesiais de base, deixou de lado o interesse pelas questões sociais e preocupações de ordem solidária para centra-se no indivíduo e resolver, pela via mágica, suas eventuais terrenas aflições (Prandi, 1997).

A imensa gama de variantes esotéricas à disposição no mercado de serviços mágicos completa esse quadro em que a religião é cada vez menos ética, mais ritual e mais mágica, em que a religião é menos religião e mais magia, em que a religião é menos instituição agregadora e mais serviço, menos formação e mais consumo.

As religiões e seus templos de hoje são agências de ajuda sobrenatural e espaços de espetáculo e de lazer baseados ambos na expansão da emoção e fruição coletiva de sensações. São, sobretudo, instituições de filiação temporária que disputam entre si clientes e adeptos que, agora como clientes, devem igualmente pagar pelos favores religiosos, transformando as religiões naquilo que chamei de religião paga (Prandi, 1996).


Nesse quadro de falência ética das religiões no Brasil quero situar as religiões afro-brasileiras, mais especificamente o candomblé, buscando identificar alguns fatores que teriam contribuído para sua hipertrofia ritual e supervalorização do individualismo.

Chamo a atenção para o fato de que a maior parte das observações apresentadas para o candomblé vale hoje igualmente, em grau maior ou menor, para as diferentes modalidades que compõem as religiões afro-brasileiras, tanto em suas regiões de origem como naquelas em que se instalaram no curso do século XX.

Delas, certamente a umbanda é que apresenta ritual mais conciso e despojado, o que, entretanto, não corresponde a uma contrapartida ética mais robusta.

                                                  II
As religiões afro-brasileiras constituídas até o início deste século e aqui denominadas candomblé, xangô, tambor-de-mina e batuque reproduzem em muitos aspectos as religiões originais dos orixás, voduns e inquices africanos. Delas herdaram o panteão, aqui reorganizado, as línguas rituais, de significado esquecido, o ritos, as concepções e valores míticos.

A dimensão da religião mais ligada ao controle da moralidade, na África atendida pela celebração dos ancestrais, embora parcialmente reproduzido em cultos isolados e de certo modo independentes, perdeu no Brasil muito de sua importância original.

Os valores que orientam o comportamento dos seguidores na vida cotidiana não pressupõem o bem-estar comum do grupo, da sociedade ou da humanidade como categoria genérica.

As denominações mais recentes, como a umbanda, reelaboraram toda a parte ritual das religiões afro-brasileiras de que se originaram e incorporaram muito dos valores cristãos do kardecismo, adotando uma visão maniqueísta do mundo, não tendo desenvolvido nunca, contudo, um código de ética voltado para a orientação da moralidade dos fiéis em termos coletivos.

Tantos as religiões afro-brasileiras tradicionais como as variantes modernas parecem desinteressadas do controle ético de seus membros.


A religião dos orixás, dos voduns e dos inquices reconstituiu simbolicamente no Brasil do século passado a África que os negros africanos perderam com a escravidão, conforme já nos mostrou Bastide (1975), mas, embora fosse na origem uma religião de negros, a sociedade já era a brasileira, com instituições totalmente outras, sobretudo a família, uma sociedade que contava com o catolicismo como fonte decisiva de identidade e sociabilidade. Não era então possível ser brasileiro sem ser católico, mesmo que se fosse negro e mesmo que ser brasileiro fosse uma imposição (Prandi, 1999).

Assim, a religião africana no Brasil constitui-se como religião de negros católicos, que já haviam perdido a família africana, com seus clãs, genealogias e antepassados.

Embora os candomblés tenham reconstituído nas estruturas religiosas brasileiras e seus postos sacerdotais as hierarquias de poder e as regras de administração características da família e dos reinos africanos, uma parte decisiva da religião foi deixada para trás: a presença dos antepassados e de muitas entidades sobrenaturais que na África respondiam pelo controle moral dos homens e das mulheres.


Entre os povos sudaneses, que deram às religiões afro-brasileiras os principais elementos formadores, o rei de cada cidade era o magistrado supremo, a quem se devia a administração da justiça.

Mas eram várias a instituições que zelavam pela manutenção da moralidade, desde os conselhos familiares e dos clãs até as sociedades secretas de cunho religioso.

Entre os iorubás, pelo menos três dessas sociedades eram muito importantes, e ainda hoje lá sobrevivem, cobrindo cada uma extensos e diferentes territórios iorubanos: a sociedade Egungum, a sociedade Ogboni e a sociedade Orô, sendo as três sociedades exclusivamente masculinas.

Os egunguns são os antepassados da cidade, espíritos de antigos fundadores de troncos familiares, vilas e cidades (Babayemi, 1980).

Anualmente recebem oferendas e são celebrados num festival de mascarados que os representam e dançam pelas ruas da cidade, julgando pendências, resolvendo disputas, apontando infratores da ordem familiar e pública, condenando criminosos.

Diz Abraham que o egungum é "um inquisidor sobrenatural que vem para julgar a conduta doméstica do povo, especialmente as mulheres e os criminosos" (Abraham, 1981: 149-151).

O antepassado também julgava os acusados de feitiçaria, que podiam ser condenados à pena capital.

A sociedade Ogboni, muito enfraquecida pela administração colonial a partir do século XIX, era formada por chefes locais encarregados de resolver questões políticas e também morais.

A sociedade de Orô, temida entidade que habitava o interior de uma caverna mítica e cuja voz troava como o terrível rugido de um boi enfurecido, julgava feiticeiros, mulheres adúlteras, ladrões etc.

Os condenados eram levados durante a noite para um bosque e ali executados pelos sacerdotes de Orô.


O culto aos antepassados, egunguns, reproduziu-se na ilha de Itaparica (Braga, 1992), mas como modalidade religiosa circunscrita aos limites do terreiro, perdendo completamente suas características de instituição ética. Não dispondo de base territorial e muito menos comunitária em que pudesse exercer qualquer tipo de poder, formou-se nos moldes dos candomblés de orixás, como grupo de culto particular e independente dos demais candomblés, da população negra e da sociedade local, embora se mantivesse como culto secreto e estritamente masculino, preservando ritos e indumentária.

Os raros terreiros de egungum de Itaparica tiveram uma ou outra ramificação em Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo, mas jamais alcançaram a importância dos candomblés de orixás e nem têm sobre estes qualquer poder real de controle moral.


Sobre o culto de Orô temos vagas notícias registradas no final do século passado (Rodrigues, 1935). Confundido com Gonocô, entidade possivelmente de origem tapa, Orô vivia nas matas da periferia de Salvador e seu castigo era impiedoso, mas com o passar do tempo acabou completamente esquecido.

A sociedade Ogboni, que implicava a existência do controle da administração de diferentes cidades, sobreviveu apenas na memória de poucos e em mitos de seus orixás patronos.


Uma outra importante sociedade iorubá de mascarados, esta controlada pelas mulheres, também não teve futuro no Brasil, a sociedade Gueledé.

A sociedade Gueledé de mulheres encarrega-se na África do culto às ancestrais femininas, assim como Egungum celebra os ancestrais masculinos (Lawal, 1996).

Também organiza os festivais anuais com danças de mascarados nas ruas. Mulheres de antigos candomblés da Bahia tentaram instituir entre nós a sociedade Gueledé, mas parece que disputas entre diferentes terreiros impediram a iniciativa de ir adiante. Restaram algumas máscara dessa época, que podem ser vistas em museus e coleções particulares.

Embora a sociedade Gueledé não tivesse a importância das que citei anteriormente em termos de controle da moralidade, sua não instituição completa o quadro de falência da reconstituição em solo brasileiro das instituições religiosas iorubás de organização coletiva encarregadas de agregar toda a população, zelar pelos bons costumes e punir os que se desviavam das normas, fossem eles, ladrões, assassinos, perjuros, incestuosos, adúlteros, traidores, desonestos, feiticeiros e outros indesejáveis sociais.


                                                      III


Quando aqui se constituiu a religião africana, o controle da moralidade pública dizia respeito às instituições policiais e jurídicas e ao catolicismo, que era a fonte axiológica máxima para o comportamento e tribunal supremo da intimidade e da consciência.

Como católicos e brasileiros, os negros que se reuniam nos candomblés de orixás, voduns, inquices e caboclos tinham suas ações em sociedade vigiadas e punidas pela igreja e pelo estado.

Em contrapartida, coube ao candomblé regular as relações de cada fiel com sua divindade, relações que são particulares, uma vez que cada humano está ligado por descendência mítica a uma divindade específica, numa pluralidade delas.

Ao sacerdote supremo do terreiro cabe então desvendar a filiação divina do fiel, oficiar os ritos que permitem estabelecer o pacto de interdependência entre o fiel e seu deus ou deusa, identificar os tabus do iniciado e prescrever periodicamente as oferendas que o fiel deve propiciar à sua divindade para que ela o recompense com saúde, vida longa, conforto material, sucesso profissional, reconhecimento social, felicidade familiar, amorosa e sexual. Nessas atividades vale-se do oráculo do jogo de búzios, que é prerrogativa exclusiva do chefe do terreiro.

Direitos e deveres, assim como lealdades e reciprocidades, são estabelecidos e cobrados na relação fiel-divindade, com as necessárias lealdades e pagamentos ao sacerdote-chefe e seu corpo hierárquico-institucional, isto é, a mãe-de-santo e seu terreiro, já que sem essa intermediação o acesso ao mundo sobrenatural não se realiza.


Embora atendendo a uma comunidade de culto, os candomblés formaram-se como empreendimentos individuais, dirigidos segundo a vontade de seus chefes fundadores e fazendo parte de seu patrimônio particular.

A mãe-de-santo, ou o pai, sempre foi a autoridade máxima do terreiro e todas as decisões, que, segundo a crença do candomblé expressam a vontade do orixá dono do terreiro, que é o mesmo da mãe ou pai-de-santo, são incontestáveis.

A mãe-de-santo é a mãe da família espiritual, a família-de-santo, e proprietária de fato da casa de culto e embora todo o grupo se estruture em hierarquias e cargos que dependem do tempo de iniciação, relações de parentesco e obrigações iniciáticas já cumpridas, a designação de filhos para postos de prestígio e a nomeação para funções rituais que implicam compartilhar do poder da mãe dependem única e exclusivamente da vontade da mãe-de-santo, que pode quebrar regras e expectativas e nomear pessoa de sua relação mais íntima, passando por cima de outros que suspostamente já estavam ritualmente preparados para o cargo em questão.

Tudo é muito pessoal, tudo deve atender aos interesses de quem manda e facilmente se observa a facilidade com que relações afetivas suplantam direitos formais. Desde a origem, o candomblé é uma religião personalista e individualista.


                                                  IV


O adepto do candomblé somente presta contas de suas ações à sua divindade particular, com a qual ele pode contar para ter uma vida livre de desgraças, perdas e frustrações.

Basta que ele cuide bem do orixá, fazendo suas oferendas nas épocas regulamentares, oferecendo-se a ele em transe nas cerimônias em que os orixás comparecem para dançar com sua comunidade de humanos e respeitando os tabus rituais.

São os tabus que definem o que o fiel não pode fazer e não são os mesmos para cada um, dependendo do orixá da pessoa e de seu odu, que é uma espécie de regência mítica originária, que acompanha o iniciado por toda a vida.

Os tabus são sobretudo proibições alimentares, também restringindo certos comportamentos que não incluem significativamente a relação com os outros, como, por exemplo, não tomar banho de mar, não subir em árvore, não usar roupa alheia, não raspar panela com faca.

Tudo o que não é tabu do orixá ou do odu é permitido, havendo muita flexibilidade, podendo os tabus ser substituídos por outros e mesmo pouco cobrados.


As noções de certo e errado, as pautas de direitos e deveres, as interdições, assim como as regras de lealdade e reciprocidade são moldadas na relação entre o seguidor e seu orixá, entre o filho humano e o pai divino.

Esta relação está acima de qualquer outra coisa e acredita-se que a personalidade do filho reflete a personalidade do orixá que é seu pai ou mãe no plano mítico, o que lhe atribui por herança uma gama de comportamentos e atitudes aceitos e justificados pelos mitos dos orixás e que contrastam muito com os modelos de conduta cristãos.

Não há um modelo geral válido para todos, pois depende-se sempre da origem mítica de cada um, sendo múltiplas as origens possíveis, uma vez que são muitos os orixás dos quais os homens e mulheres descendem. Na lógica politeísta do candomblé, não se pode esperar que filhos de orixás diferentes tenham os mesmo comportamentos, qualidades morais, desejos e aspirações.


Por outro lado, os mitos dos orixás "naturalizam" e aceitam comportamentos que implicam o envolvimento em atos como disputa, guerra, desavença, traição, suborno, corrupção, usurpação, falsificação, rapto, incesto, sedução, estupro, assédio sexual, roubo, destruição, assassinato, logro, fraude, fingimento etc.

Em qualquer desses atos, o ideal é sair-se como o ganhador, igualmente quando se é a vítima e algoz, o que valoriza qualidades como coragem, determinação e astúcia.

Estar sempre atento e preparado para o possível e iminente ataque que vem do outro é uma condição necessária para a vida neste mundo, naturalmente concebido como um território competitivo e conflituoso.

Mesmo no terreiro o cotidiano é encarado como espaço de disputa, no qual a afirmação das qualidades míticas herdadas é constantemente incentivada.

As contendas dentro e entre terreiros não somente são vividas, mas são apontadas como inteiramente esperadas.


Embora grande parte dos mitos tenha se perdido, muito de seu conteúdo foi preservado nos ritos que representam a saga dos orixás, sobretudo nas cerimônias públicas realizadas no barracão sob o olhar de uma platéia de devotos visitantes, curiosos e simpatizantes.

Assim, atitudes beligerantes, bem como as que indicam a sensualidade da conquista amorosa, por exemplo, são enfaticamente expressas na gestuália das dança dos orixás, quando o rito revive o mito.


                                               V


Com o passar das gerações, as línguas rituais do candomblé foram esquecidas.

Embora todos os ritos sejam cantados (são centenas de cantigas e rezas), somente palavras avulsas têm ainda conhecido seu significado e ninguém mais pode se comunicar na língua do candomblé, seja ela de origem iorubá, fon, quimbundo, quicongo etc., conquanto alguns grupos venham se esforçando no sentido de reaprender, na escola, a língua esquecida.


O etnólogo e babalaô nigeriano Wande Abimbola, não sem razão, atribui ao esquecimento da língua a ênfase ritual excessiva, que ele chama de "over-ritualization", que se observa nos países da diáspora, especialmente Brasil e Cuba (Abimbola, 1997: 114).

A perda do sentido das palavras e o conseqüente esquecimento da literatura oral teriam sido compensados pela complicação e elaboração excessiva dos ritos.

Como as inovações são da iniciativa de cada terreiro, foi se formando um enorme repertório que não é compartilhado por todos, aumentando os pontos de tensão entre as diferentes casas.


A ênfase crescente nos ritos foi acompanhada sempre de muita criatividade e certos exageros. Um desses exageros pode ser observado na prescrição de sacrifícios, como também sublinha Abimbola.

Assim, nos casos em que na Nigéria se costuma oferecer uma ave a um determinado orixá, aqui o número de animais pode chegar a uma dezena ou mais, pois além de oferecer a prenda àquele orixá, o devoto vê-se obrigado também a fazer oferenda ao orixá mensageiro, ao orixá do pai-de-santo, aos orixás patronos da casa etc., devendo pois sustentar com seus recursos um rito extremamente dispendioso e quase sempre fora do alcance de seu bolso, um luxo, diz Abimbola, que um africano não pode sustentar (Abimbola, 1997: 115).

O iniciado passa grande parte do tempo preocupado com a obtenção dos recursos materiais necessários à sua obrigação, o que inclui também os gastos com roupas, utensílios sagrados do orixá, dinheiro para a festa e para pagamento das espórtulas do pai ou mãe-de-santo, já que na maioria dos casos o chefe do terreiro vive de sua atividade sacerdotal.


Quando sua obrigação se concretizar e o fruto de sua dedicação, pelo menos na etapa final que quebra o sigilo iniciático, for exposto ao público na festa do barracão, todos os olhos estarão voltados para o apuro estético e o fausto da apresentação.

Ninguém estará preocupado com virtudes e sentimentos religiosos, pois a religiosidade aqui se expressa pela sua exterioridade, a forma embotando o conteúdo.


Com a crescente importância do rito, expandiu-se uma verdadeira indústria de artefatos sacros e se constituiu um diversificado conjunto de produtores e vendedores de artigos religiosos, nacionais e importados.

Objetos antes feitos por artesãos que pertenciam às comunidades de culto foram sendo substituídos por artigos produzidos industrialmente; comerciantes especializaram-se na importação de tecidos e roupas e na produção e distribuição de rendas e bordados.

Verdadeiros supermercados de artigos religiosos passaram a estar disponíveis nos mais diferentes pontos das grandes cidades.

O Mercadão de Madureira, no subúrbio do Rio de Janeiro, reúne dezenas de lojas especializadas, onde tudo pode ser comprado, desde tecidos, roupas, objetos de assentamento, contas, búzios, favas e sementes, velas, adereços, artigos de palha, louça, cerâmica e ferro, ingredientes para os pratos da cozinha dos orixás, até folhas e animais para sacrifício. Algumas lojas fazem em ferro, na hora, ferramentas de orixá de acordo com o gosto e o desenho do freguês.


Esse mercado de artigos religiosos põe à disposição do seguidor do candomblé uma oferta que se renova a cada onda da moda e faz dele um consumidor contumaz.

Os paramentos dos orixás compostos de saias, calçolões, laços e faixas, mais as coroas, capacetes, braceletes, peitorais, tornozeleiras, além das insígnias de mão, como espadas, arcos e flechas, cetros, bastões, leques, espelhos, espanta-moscas, tudo isso é produzido de acordo com a moda da época. Notadamente no Rio de Janeiro e São Paulo, onde os profissionais que ditam a moda no candomblé são em geral os mesmos produtores estéticos das escolas de samba, não é difícil perceber como o desfile de carnaval antecipa as preferências em desenho e material que vestirão e adornarão os orixás em transe nos barracões de candomblé naquele ano.


A relação de interdependência entre religião, mercado consumidor e espetáculo limita cada vez mais a atenção, o interesse e a concepção de religião do devoto do orixá, orientando o foco de sua percepção para o rito, que aparece como sinônimo pleno de religião.

De fato, quando algo na vida do devoto não dá certo, quando incidentes inesperados lhe trazem sofrimento e dor, quando suas expectativas não se realizam, acredita ele que algum erro foi cometido na realização do rito, freqüentemente atribuindo a culpa à mãe-de-santo que, por ignorância ou má-fé, não teria sabido aplicar as fórmulas corretas. Não lhe ocorre imputar a desdita a seu merecimento, à qualidade de sua intenção, à sua fé e esperança, como se dá, em contraposição, em religiões em que a dimensão moral é preponderante.

A oferenda, a obrigação, o rito funciona ex opere operato.

Uma vez realizado corretamente, o ritual deve proporcionar os fins pretendidos, independentemente de intenções e atitudes envolvidas no rito, seja da parte do ofertante seja da parte do oficiante.

É preciso, pois, conhecer e realizar corretamente o rito.

Se não der certo, deve ser corrigido.


A hipertrofia ritual reflete-se na super-valorização da representação cênica das assim chamadas cerimônias de barracão, quando os seguidores, em transe de seus orixás e outras divindades e entidades, dançam, caracteristicamente paramentados, aos som das cantigas rituais acompanhadas pelo ritmo de atabaques, agogôs e xequerês, para uma platéia de crentes, clientes e curiosos.

Dançam ao som de cânticos, cujas palavras tiveram seu significado perdido nos caminhos da diáspora, para uma platéia de curiosos que ali estão para usufruir da celebração religiosa como espetáculo de exótica estética, e também para uma platéia de crentes pertencentes a outros terreiros e famílias-de-santo que estão ali para avaliar, criticar e muito raramente elogiar a organização cerimonial e a beleza das danças, roupas e adereços.

Que estão ali também para usufruir do candomblé como lazer.

É um lema que quem oferece festa deve oferecer a melhor festa, reunião que se conclui com um quase sempre muito generoso e concorrido banquete ritual preparado com o produto do sacrifício.


Tudo isso implica, certamente, competição, imitação e exercício da capacidade de invenção e criatividade.

Freqüentar um local como o mercado de Madureira, o que para muitos representa momentos de lazer e sociabilidade, propicia o contato com a moda com seus objetos sugestivos recém-craidos e novas matérias primas interessantes, de modo que cada um pode elaborar pessoalmente seus próprios artefatos e arranjos, num exercício infindável de reelaboração e enriquecimento material do rito.


                                                 VI


Ao reproduzir originalmente no terreiro a estrutura da família poligínica africana, o candomblé adotou padrões de incesto severos, impedindo casamento e relações sexuais entre os membros de um terreiro, que na verdade representa uma família extensa.

Também a mãe-de-santo estava impedida de iniciar, por exemplo, seus filhos carnais, o que obrigava o terreiro a estabelecer laços iniciáticos com outros terreiros, reforçando as relações de reciprocidade entre as diferentes casas de culto.

Igualmente, o cônjuge de uma iniciado deveria ser iniciado pela mãe ou pai de outra casa, já que no plano religioso, se ambos fossem iniciados pela mesma mão, passariam a ser irmãos.

A disputa ferrenha entre as casas-de-santo, a falta de confiança entre os líderes, a ambição dos chefes no sentido de ter cada vez mais e mais filhos-de-santo enfraqueceram e mudaram os tabus de parentesco, passando-se, por exemplo, a se considerar irmãos apenas aqueles cuja cabeça pertence ao mesmo orixá, mesmo assim podendo-se mudar um deles para se evitar relações entre irmãos.

As regras do tabu hoje não representam impedimento categórico, havendo muita flexibilidade para alterar as regras caso a caso, de acordo com os interesses do terreiro e de seu chefe.

Praticamente todas as relações são admitidas dentro de um mesmo grupo de culto, sendo muitos os artifício aceitos para burlar as interdições.


O candomblé costuma ser apresentado como religião libertária, sobretudo no que diz respeito à sexualidade.

Já no final dos anos trinta, os relatos de campo da antropóloga americana Ruth Landes (1967) sublinhavam as liberdades de escolha sexual de homens e mulheres dos terreiros de Salvador, não parecendo haver restrições sobre a conduta sexual, seja ela referida a preferências hetero ou homessexual.

Num segmento social caracterizado pela grande presença de famílias parciais ou incompletas, em que a mulher era a chefe e provedora, as relações conjugais estáveis não eram a norma e a preocupação com valores morais associados à manutenção da família monogâmica estável estava longe da realidade.

Numa época em que os valores sociais que regulavam a vida em família e a vida sexual eram muito estritos, valores como vida sexual exclusivamente no casamento não faziam sentido para a população que se ligava ao candomblé.

O alargamento de possibilidade de escolha de parceiros sexuais, inclusive homossexuais, deve ter minado completamente os tabus do incesto que, originalmente, proibiam relações entre os filhos-de-santo de uma mesma casa (já que eram irmãos entre si), entre pais e seus iniciados etc. Logo os tabus religiosos estavam reduzidos à ingestão de alimentos e pequenas ações.


Embora se faça muita crítica ao comportamento moral do outro, sempre na forma de fofoca e maledicência, o candomblé não dispõe de nenhum mecanismo formal de censura, aceitando em seus corpo de iniciados qualquer pessoa, mesmo quando se trata de indivíduos cuja conduta moral, sexual ou não, os torna indesejáveisl para outras religiões, que só os aceitam quando são capazes de mudá-los.

Exemplo emblemático está estampado numa reportagem da Revista da Folha de 29 de setembro de 1999, em que sete pais-de-santo, fotografados em grupo com suas roupas litúrgicas afro-brasileiras, vêm a público para expor sua homossexualidade e falar da liberdade sexual no candomblé, liberdade que se justifica por meio de comparações, nem sempre fiéis, com ações e atitudes das próprias divindades narradas pelos mitos dos orixás às vezes de fonte duvidosa.

De fato, o candomblé é capaz de justificar as opções e condutas não somente de ordem sexual, mas qualquer outra.

Não se cultiva, de todo modo, um modelo de conduta geral recomendado para todos; a diferença é aceita plenamente e cada um responde por aquilo que é.

A pauta de ações a ser cumprida obriga o filho-de-santo a cuidar do seu orixá, a quem deve alimentar, vestir e apresentar em festa. Se tais ações estritamente rituais forem cumpridas nos períodos das obrigações devidas ao orixá, cada um é livre para ser e fazer o que quiser.


                                                   VII


Em meados do século XX, quando deixou de ser uma religião exclusiva de negros e se abriu para todos, o candomblé já se mostrava como religião ritual e mágica, em parte dependente, em termos financeiros e de prestígio social, de um mercado de serviços mágicos para uma clientela sem laços religiosos com a comunidade de culto.

A abertura para os segmentos não negros da população e sua expansão para o Sudeste e posterior propagação por todo o País só fez acentuar esta faceta do candomblé.

O pai-de-santo passou definitivamente a se apresentar como o feiticeiro competente, capaz de fazer e desfazer qualquer magia em benefício do cliente pagante.

A carreira sacerdotal transformou-se numa perspectiva profissional aberta a muitos jovens pobres e sem escolaridade em busca de mobilidade social, uma vez que, com sete anos de iniciação (às vezes menos e muito menos) qualquer pessoa pode legitimamente se estabelecer como mãe ou pai-de-santo, iniciar filhos e angariar clientela.

A aceitação plena do homossexualismo fez do candomblé talvez a única opção religiosa possível para muitos jovens discriminados pelas outras religiões e demais instituições socais, sobretudo no caso do probre sem perspectiva de mobilidade.

A história de muitos pais-de-santo revela terem alcançado um sucesso ocupacional com um grau de ascensão social que dificilmente teriam logrado se não fossem as oportunidades oferecidas pela religião dos orixás, constituindo-se para os jovens seguidores como modelos de sacerdotes bem-sucedidos, independentemente de serem ou não modelos de virtude.

O valor da ostentação, que parece tão caro a muitas culturas africanas, ganha relevo especial, devendo o pai-de-santo apresentar-se em público com roupas vistosas e caras, preferencialmente importadas de países africanos, com a cabeça envolta em torços de tecidos espalhafatosos, trazendo na mão emblemas da realeza tradicional, num conjunto de estética própria, que o identifica imediatamente com o candomblé a partir de estereótipos fartamente explorados pela televisão.


Podendo contar com uma sólida oferta de produtos rituais que ampliam a riqueza e a diversidade do rito como espetáculo que busca o reconhecimento alheio, o pai-de-santo dispõe ainda, no mercado interno dos serviços religiosos, de músicos aptos à realização dos toques e cantos indispensáveis às celebrações públicas, os quais trabalham por remuneração.

O pai-de-santo não está sozinho à frente de sua comunidade, mas conta com a ajuda importante dessas ofertas, que podem ser mais ou menos demandadas, dependendo da própria capacidade do pai de prover seus próprios ritos sem a presença de auxiliares contratados.


Além do fato de o tempo iniciático mínimo mostrar-se curto para um aprendizado mais detido dos fundamentos e práticas religiosas, mesmo porque em geral um iniciado divide seu tempo de iniciação com seu tempo de trabalho na vida profana, a maioria das atividades do aprendizado sacerdotal concentra-se na produção e na realização da festa, e em muitos casos o período de treinamento regulamentar de sete anos é reduzido em favor dos interesses de iniciados ansiosos em se estabelecer por conta própria como chefes de terreiro.

As casas-de-santo raramente desenvolvem atividades de desenvolvimento intelectual e moral de seus quadros, mantendo-se sempre um falso clima de mistério, segredo e reserva sobre questões de doutrina, doutrina pouco ensinada e discutida e fartamente ignorada por pais e mães que não tiveram tempo, interesse ou oportuniade de aprender, desconhecendo-se, por exemplo, as concepções de nascimento, morte e reencarnação que são fundamentais na religião dos orixás.


Aos fatores que favorecem a hipertrofia ritual junta-se pois a concepção corrente que se tem da profissão de pai-de-santo como sendo um feiticeiro agora socialmente legitimado pelo consumo esotérico e midiático, que trabalha por dinheiro para resolver os problemas de quem dele precisar, como qualquer outro profissional do bem-estar do indivíduo.

Para se situar bem no mercado de muitos competidores, terá este profissional que se fazer visível, bem visível.

Nada melhor, para alcançar a publicidade, que esmerar-se no rito, sobretudo quando não se tem o treino necessário para se impor pela presença intelectual nem o carisma para se afirmar como líder espiritual.

Como sói acontecer, em graus variados, também com os novos sacerdotes do catolicismo carismático, do neopentecostalismo e de tantos e tantos credos disponíveis no mercado mágico contemporâneo.




Referências bibliográficas


ABIMBOLA, Wande. Ifá Will Mend our Broken World: Thougts on Yoruba Religion and Culture in Africa and the Diaspora. Roxbury, Aim Books, 1977.


ABRAHAM, R. C. Dictionary of Modern Yoruba. Londres, Hodder and Stoughton, 1981.


BABAYEMI, S. O. Egungun among the Oyo Yoruba. Ibadan, Board Publications, 1980.


BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil. São Paulo, Pioneira, 1975.


BRAGA, Júlio. Ancestralidade afro-brasileira: o culto de babá egum. Salvador, Ianamá e CEAO/UFBA, 1992.


LANDES, Ruth. A cidade das mulheres. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1967.


LAWAL, Babatunde. The Gèlèdé Spectacle: Art, Gender and Social Harmony in an African Culture. Seatle, University of Washington Press, 1996.


MARIANO, Ricardo. Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil.


PIERUCCI, Antônio Flávio de Reginaldo PRANDI. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1996.


PRANDI, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo, Hucitec e Edusp, 1991.


____. Religião paga, conversão e serviço. In: PIERUCCI, Antônio Flávio de Reginaldo PRANDI. A realidade social das religiões no Brasil. São Paulo, Hucitec, 1996.


____. Um sopro do Espírito: a renovação conservadora do catolicismo carismático. São Paulo, Edusp, 1997.


____. Referências sociais das religiões afro-brasileiras: sincretismo, branqueamento, africanização. In: CAROSO, Carlos e Jaferson BACELAR (orgs). Faces da tradição afro-brasileira. Rio de Janeiro, Pallas e CEAO, 1999.


REVISTA DA FOLHA. "A bênção, painho: pais-de-santo falam sobre homosse-xualidade". São Paulo, nº 382, pp. 36-37, 29 de agosto de 1999.


RODRIGUES, Nina. O animismo fetichista dos negros baianos. 2ª edição. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1935.