A aprovação do código florestal brasileiro na Câmara dos Deputados, no início do ano, propagou uma sensação de repulsa entre os ambientalistas.
“Grotesco” foi a palavra utilizada pelo subprocurador-geral da República, Mário Gisi, representante do Ministério Público Federal junto à Comissão do Meio Ambiente (Conama) em entrevista a Carta Capital
Depois de rodar por quatro comissões no Senado durante alguns meses, o texto aprovado no dia 6 de dezembro, não chegou nem perto de agradar os ativistas mas, segundo Gisi, tornou-se um pouco mais coerente.
“O texto chegou da Câmara mal elaborado, com problemas conceituais”, diz ele. Na interpretação de Marcio Astrini, do Greenpeace, o Senado retirou alguns “absurdos” do novo código.
Gisi alerta, no entanto, que o texto ainda tem problemas jurídicos.
O Código voltará para a Câmara, antes de ser sancionado pela presidenta Dilma Rousseff.
Se Dilma não vetar alguns trechos mais polêmicos, o subprocurador acredita que a setores da sociedade civil entrarão na Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin), que se arrastará no Supremo Tribunal Federal.
“Estamos esperando que a presidenta vete alguns dispositivos e só depois de superado isso vamos analisar como a situação ficou”, avisa.
Entre eles, a permissão para que proprietários que desmataram e tem atividades nessas áreas tenham permissão para reduzir a área mínima de Reserva Legal.
As chamadas áreas rurais consolidadas compõem, na interpretação de Gisi, uma anistia travestida.
“A questão precisa ser debatida juridicamente.
É inconstitucional e afronta todos os princípios que tratam da questão da ambiental e até moral”, diz ele.
Ambientalmente, ele contradiz princípios estabelecidos no próprio texto, que atestam a importância das Áreas de Preservação Permanente (APPs), mas depois vai no sentido inverso ao permitir várias exceções em sua conservação.
O texto é inconstitucional moralmente, pois, segundo Gisi, essa flexibilixação endossa o descumprimento da lei. “É uma total inversão dos valores que a constituição se dispõe a proteger”, afirma.
“O texto é uma peneira, cheia de furos”, diz Gisi. Na Amazônia Legal, por exemplo, a área mínima de reserva legal – trecho da propriedade que não deve ser desmatado – é de 80%.
Ao mesmo tempo, o Código permite que os proprietários que já tiverem desmatado mais do que o permitido em suas propriedades, possam comprar partes preservadas dos vizinhos.
“Existe a possibilidade de usar 30% da área que preservou para negociar com outros proprietários – o que na prática reduz para 50% a necessidade de preservação”, explica o subprocurador.
“É uma pegadinha – está dizendo uma coisa e está fazendo outra”.
Outro ponto polêmico aprovado na Câmara e que permaneceu no substitutivo do Senado é a isenção de áreas de reserva legal em propriedades menores, de até 4 módulos rurais.
Além do medo de que proprietários fracionem suas terras para que se enquadrem nos quatro módulos, há o perigo de que alguns estados tenham quase sua totalidade desmatada.
Cristina de Godói, do Ministério Público de São Paulo, afirma que no Espírito Santo, 90% das terras estão ocupadas por pequenas propriedades, deixando o estado sem reservas.
“Ao invés de respeitar a possibilidade do estado de desenvolver seu potencial, ele estimula que todos desenvolvam o modelo econômico da terra arrasada e da agricultura mecanizada”, diz Gisi.
Estados na Amazônia Legal que tiverem 65% da área sob reservas indígenas – áreas públicas protegidas – poderão reduzir suas áreas de reserva legal para apenas 50%.
Para os senadores, apenas o Amapá se enquadraria no requisito.
“Eu tenho sérias dúvidas de que a presidenta irá vetar o texto”, diz Gisi.
“Não estou vendo essa vontade no governo e até de alguns funcionários do meio ambiente”.
Enquanto na Câmara a aprovação do Código significou uma grande derrota para a presidenta Dilma Rousseff, que perdeu apoio de sua base durante a votação, no Senado o processo foi feito de uma maneira mais consensual.
A senadora Kátia Abreu (PSD), por exemplo, uma das principais representantes do agronegócio na Casa, acredita que ruralistas da Câmara aprovarão o texto do Senado sem restrições – o que deixaria apenas para a presidenta Dilma a atribuição de atender aos ambientalistas. Caso contrário, como tudo leva a crer, o embate seguirá para a Justiça.
Sem data, portanto, para acabar.
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