Entre as populações indígenas o corante extraído de seus frutos e da madeira há muitos séculos é utilizado em diversas cerimônias, junto com urucum e a tabatinga.
O habito de pintar o corpo é uma das principais características culturais de cerca de 200 sociedades indígenas existentes no país.
Entre os índios Wajãpi (Amapá) essas pinturas recebem a denominação de kusiwa, representado criaturas míticas ou animais.
Segundo os Wajãpi, a tinta do jenipapo teria o poder de chamar a atenção dos espíritos da floresta e dos mortos, enquanto o cheiro e a coloração avermelhada do urucum os protegeria dessas entidades.
É interessante observar que em crianças recém-nascidas e pessoas muito doentes o padrão kusiwa seria evitado, afim de não exporem os mesmos a essas forças sobrenaturais, o que poderia representar um risco para os mesmos.
Isso me faz lembrar alguns casos do Candomblé, onde também evitamos que determinadas pessoas passem por certos tipos de rituais.
É o caso dos abikú, que ao se iniciarem não podem passar pelos mesmos rituais de pessoas “normais” exatamente para evitar que os espíritos que os acompanham possam colocar em risco a vida dessas pessoas. Nesse caso, as pinturas no corpo também desempenham um papel importantíssimo..
Na região do Xingu e Tocantins habitam os Assurinis, que utilizam as mãos ou talos de madeira para aplicarem a tintura de jenipapo e urucum em seus corpos. Alguns motivos mais elaborados podem ser feitos a partir de “carimbos”, feitos com o caroço da fruta inajá (Maximiliana maripa) partida ao meio e mergulhados na tintura.
Já entre os Xicrim (subgrupo Caiapó) o jenipapo mastigado e misturado com água e carvão, é aplicado entre as mulheres e nos seus filhos. Os Bakairi (Mato Grosso) também se pintam com o extrato do jenipapo durante diversas cerimônias.
Era costume entre as mulheres Yorubá enfeitar os corpos e o rosto com pinturas e cortes, um dos principais corantes utilizados era a tinta de uma árvore conhecida como bùje.
As pinturas feitas com esse corante demoravam pra sair da pele, embelezando por vários dias essas mulheres, que eram muito vaidosas. O nome dessas pinturas era ínábùje.
Nas casas de Candomblé o jenipapeiro é conhecido como Bùjé, sendo uma das principais folhas do orò de Obaluaye e
Jardim Botânico do Rio de Janeiro
Omolú.
É considerada por muitos, indispensável, tanto nos rituais de iniciação como em obrigações dos filhos deste orixá, sendo uma das principais folhas utilizadas no àgbo dos mesmos.
Sua relação estreita com esse vodun/orixá nos permite classificá-la como uma folha da terra (ewé ile), o que justifica a sua utilização em trabalhos para curar ataques epiléticos, doença geralmente associada ao referido orixá.
Alguns desses trabalhos são feitos em baixo do pé de jenipapo, onde são dados golpes de faca na árvore, e pede-se que a doença seja levada embora.
Esse mesmo trabalho também costuma ser destinado ao inkicie Kitembo (Tempo) e também ao vodun Loko.
No ritual Angola são feitos determinados trabalhos onde animais são pendurados (e mumificados), preferencialmente nos galhos do jenipapeiro, iroko ou da cajazeira, que devem estar próximas ao assentamento desse inkicie.
Isso demonstra ainda mais a importância dessa folha, uma vez que pode substituir duas árvores consideradas de grande poder dentro do Candomblé: a cajazeira e iroko. Suas folhas também servem para forrar a vasilha em que é servido o doburú do “velho”.
Obaluaye-
Arte de Patrick de Ayrá
(Ogba Silé)
O jenipapo possui grande prestígio no Candomblé, pois segundo um itan narrado em Ejionile (Ejiogbé), foi utilizado para salvar um homem de Ikú (a morte). Esse homem passou a tinta do Bujé no corpo e não foi reconhecido por Ikú.
Nunca devemos esquecer que esse Odú Agbá carrega consigo o segredo da vida e da morte, por detrás do pano branco se esconde também um pano negro.. É por isso que essa folha costuma ser muito empregada nos rituais de retirada de mão de zelador falecido (Mão de Vumbe) e em banhos de limpeza. Salve a fruta da minha infância, viva a folha Bujé!!! Atoto!!!
Bujè- Jenipapo
Genipa brasilienses
O jenipapeiro (Genipa americana) é uma árvore nativa, tendo origem na América Central e América do Sul, estando presente na região Amazônica e na Mata Atlântica.
Costuma ter um porte elevado, chegando a 20 metros de altura e com copa vistosa. Pertence a família das rubiáceas, mesma do café. Sua madeira é macia e elástica, rachando com facilidade. É utilizada em marcenaria de luxo, construção civil e naval, em tanoaria e xilogravura.
Seu fruto é conhecido como jenipapo, nome de origem tupi-guarani que significa “fruta que mancha”, ou ainda, “fruta que serve para pintar”. Isso porque era hábito muito comum em diversos grupos indígenas utilizar o fruto do jenipapo para cobrirem seus corpos, um dos motivos era que protegia a pele contra insetos, durando por vários dias.
É interessante observar que as pinturas eram feitas com o fruto ainda verde, que tinha suas sementes retiradas e produzia um suco, inicialmente incolor, e que em contato com o ar sofria oxidação e se tornava azul escuro, quase preto.
Essa coloração se deve a presença de uma substância corante denominada genipina, que perde sua ação corante com o amadurecimento do fruto. Por isso quanto mais verde for o fruto, mais escura será a coloração do suco, que adquire a consistência do nanquim. Esse corante também pode ser utilizado para tingir tecidos, peças de cerâmica e tatuagens (que desaparecem após algumas semanas).
Ainda com relação ao seu nome, segundo Nei Lopes (Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana) o termo jenipapo se refere também a uma mancha escura que alguns recém-nascidos mestiços teriam na sua região glútea ou quadris, indicando assim sua origem africana.
O jenipapo é um fruto rústico de aroma forte e extremamente ácido, quando consumido ao natural. Para ser aproveitado deve ser colhido no momento certo, apresentando um sabor extremamente acentuado, e que costuma agradar a poucos. É muito apreciado no Nordeste, onde costuma servir como matéria-prima na confecção de doces, xaropes, licores e vinhos. Minha mãe, que era do Amazonas, adorava licor de jenipapo, me recordo que tinha um aroma maravilhoso.. Depois que ela foi iniciada no Candomblé foi proibida de comer a fruta.
Além da genipina, o jenipapo é rico em ferro, cálcio, vitaminas B1, B2, B5, C e carboidratos, o que justifica a sua utilização em casos de anemia e como fortificante. Também é muito empregado como estimulante do apetite e no tratamento de doenças do baço e fígado.
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