HISTÓRIAS E LENDAS DE SANTOS - ESTRADAS
Caminhos na Serra, descritos por G. Wendell
Texto incluído na obra Antologia Cubatense, selecionada e organizada pela professora Wilma Therezinha Fernandes de Andrade e publicada em 1975 pela Prefeitura Municipal de Cubatão, nas páginas 83 a 101:
Da Trilha de Piaçagüera à Estrada do Mar
WENDELL, Engº. Guilherme. "Caminhos Antigos na Serra de Santos". In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santos. Trabalho póstumo, atualizado por Lucas R. Junot, Vol. II, Santos, 1966, págs. 217 e seguintes.
INTRODUÇÃO
"Washington Luís, então Presidente do Estado de São Paulo, mandou construir uma série de monumentos ao longo do Caminho do Mar. Todos conhecem o Pouso de Paranapiacaba e os soberbos azulejos nas paredes da casa construída na Curva da Morte, como também os monumentos erigidos nos lugares onde a velha calçada do Lorena atravessa a estrada atual. Menos conhecido é o do Alto da Serra, onde a Estrada do Lorena começa a descida, por ficar um pouco afastado do trânsito. Ainda há outros dois: a ponte monumental na raiz da Serra e a Cruz Quinhentista, mais junto de Cubatão e na junção das duas estradas, a do Lorena e a atual.
Empenhado como estava em verificar no terreno a exata situação das antigas estradas na Serra e, quiçá, procurar vestígios de outras, o Presidente mandou explorar o trecho da serra em questão, e a mim, como engenheiro da Comissão Geográfica, coube a tarefa de executar esse trabalho.
Em fins de novembro de 1921 dei princípio aos levantamentos.
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Para atingir a Estrada do Lorena, na Serra, segui por um caminho, recentemente aberto, que se desvia da estrada geral cerca de um quilômetro além do Pouso de Paranapiacaba.
Essa antiga Estrada do Lorena, depois de atravessar as cabeceiras do Rio das Pedras, galga o alto, onde existe o mencionado monumento e onde começa a descida rápida, em zigue-zague, em voltas curtíssimas e voltas muito fechadas. Depois de atravessar a estrada atual em três pontos, desce pelo lombo de um contraforte da Serra e emborca na outra estrada, justamente no lugar da Cruz Quinhentista.
Esse trecho da Serra, onde ainda se vê o calçamento feito pelo Governador Lorena, viera substituir a antiga estrada do Padre José, e foi considerado, naquele tempo, como uma verdadeira maravilha, embora dando passagem somente a pedestres, cavaleiros e tropas de animais; talvez pelas cadeirinhas de então, deu grande incremento ao comércio, que lutava com dificuldades quase insuperáveis com o transporte de mercadorias no péssimo caminho antigo.
Descendo pela Estrada do Lorena evoquei, quase involuntariamente, imagens da época, tais como ainda até há poucos anos apreciei no interior, quando, num caminho apertado, se encontrava com uma tropa carregada.
Tropecei de repente numa ferradura velha e logo adiante colhi uma argola de ferro, perdida por algum tropeiro.
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Tive ali notícias de um caminho velho que subia a Serra pelo vale do Rio Perequê - e que se chama "Caminho do Monge", evidentemente idêntico ao do "Padre José".
Levantei-o até sair na estrada geral em cima da Serra. Não é bem um caminho - antes uma vereda, que em diversos pontos, especialmente na travessia das grotinhas, revela antigüidade. Foi esse trilho, indubitavelmente, que subiam os viajantes quando, vindos de Santos, por aqui desembarcavam no Porto das Armadias, que segundo dizem anais fica no Rio Perequê.
Para determinar a posição exata desse ponto, fui Rio Cubatão e Rio Perequê acima, até esbarrar, cerca de 1.250 metros acima da barra deste, com um obstáculo: uma laje, que atravessava o rio formando uma pequena cachoeira e impedindo a navegação.
Devia eu estar no Porto das Armadias.
De fato, encontrei na margem esquerda, pouco abaixo da laje, vestígios de antigas construções, alicerces, provavelmente, de armazéns e hospedarias. Na cachoeira há um canal artificial, cavado na laje, talvez para facilitar o escoamento das enchentes.
Foi esse o ponto inicial do Caminho do Padre José, mas eu não procurei vestígios do primeiro trecho desse caminho nas roças e lenheiras que se estendem até ao pé da Serra, onde começa o Caminho do Monge.
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Não posso deixar passar a oportunidade de mencionar duas ruínas que podem ter interesse arqueológico e que se encontram nas proximidades da estrada.
Uma é o engenho velho de Manoel Antonio, que mais tarde pertenceu a Henrique Brusque. Acha-se situado entre a velha Estrada do Lorena e a atual estrada de automóvel, uns 800 metros distante da Cruz Quinhentista. Além das paredes do edifício, encontram-se, ainda, um aqueduto de alvenaria de aproximadamente 200 metros de comprimento e também um tanque.
A outra ruína fica nas proximidades da Fábrica de Papel, pouco além do Rio das Pedras. Pelo fato de ter crescido no meio das grossas paredes uma figueira, talvez centenária, pode-se dar a essa construção uma idade respeitável. Não posso dizer ao certo, mas parece que essas paredes são o último vestígio da Fazenda Cubatão (o grifo é nosso), que durante mais de um século foi propriedade da Companhia de Jesus, até que passou para a Coroa Portuguesa, depois da expulsão dos jesuítas.
Receio que essas testemunhas veneráveis da antiga opulência da Baixada Santista não existam mais, vitimadas, talvez, pelas novas construções de edifícios e estradas que dia a dia, em passos cada vez mais acelerados, surgem nesses sítios.
Seguramente, deve haver na zona de Cubatão outras preciosidades arqueológicas, como as há em toda parte do nosso litoral.
Verifiquei, assim, na margem esquerda do Rio Cubatão (o grifo é nosso), pouco abaixo da ponte atual de cimento armado e pouco acima da ponte provisória de madeira, um paredão de pedra que deve ser o antigo cais de desembarque de viajantes para S. Paulo, que de Santos chegavam de canoa, antes do aterramento da estrada entre Cubatão e Santos.
Além dos caminhos mencionados, achei vestígios de outros, velhos: um, partindo da Curva da Morte, na estrada atual ia sair, por baixo desta, no paredão da grota do Rio das Pedras; outro, entre a Estrada do Lorena e a atual, no Alto da Serra. Esses dois caminhos provavelmente são de data recente.
Chego agora ao verdadeiro assunto desta palestra: caminhos antigos na Serra de Santos.
Em ordem cronológica são os seguintes:
1) O Caminho de Piaçagüera de cima, que desse lugar subia a serra pelo secular trilho dos Goianases, no vale de Ururaí, onde hoje correm os trilhos da Inglesa.
2) O Caminho do Padre José, pelo vale do Perequê.
3) A estrada da Calçada do Lorena, que, partindo do Cubatão, subia por um contraforte da Serra de Paranapiacaba, em zigue-zague e calçado de lajes.
4) A Estrada da Maioridade, que, partindo do Alto da Serra, desce, contornando pontas de espigões e grotas. Essa estrada foi melhorada várias vezes e, em nossos tempos, adaptada para o trânsito de automóveis, com pavimentação de concreto e com outros melhoramentos.
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O CAMINHO DE PIAÇAGÜERA
Desde os tempos imemoriais os índios moradores do Planalto, em certas épocas do ano, desciam a Serra para pescar nos rios do Litoral ou no mar, e voltavam às suas aldeias carregados de peixes secados ao sol.
Transitavam por trilhos estreitos, sulcados nos íngremes da Serra, em lugares onde os colonos portugueses, mais tarde, abriram os seus primeiros caminhos.
Ainda hoje existem algumas dessas veredas, quase no estado primitivo. Assim, tive ocasião de apreciar o trilho do Una, por onde, mesmo em nosso tempo, descem os moradores dos municípios de Salesópolis e Paraibuna para se prover da muito apreciada tainha seca.
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É o antigo trilho dos Goianases, que, partindo dos Campos de Piratininga, descia a Serra pelo vale do Ururaí.
É sabido que João Ramalho em 1532, acompanhado dos índios de Tibiriçá, socorreu Martim Afonso, ameaçado de outras tribos indígenas. E foi por esse mesmo caminho que subiu Martim Afonso, partindo do Porto de Piaçagüera, aonde chegava, de S. Vicente, pelo largo de Caneú e pelas águas do Rio Cubatão. O único ponto conhecido desse caminho é o Porto de Piaçagüera de cima; a sua situação exata não é bem certa, isto devido às grandes modificações produzidas pelo crescimento dos mangues e pela terra, resultado da erosão da Serra, pela ação das enxurradas. É a conquista da terra feita à custa da água dos canais que levam a esse porto.
Em todo o caso, é certo que o porto ficava nas proximidades da estação férrea daquele mesmo nome. Mas não se sabe bem por qual das margens do Ururaí o trilho subia a Serra. É de crer que fosse pela margem direita, oposto à linha da Inglesa, pois consta que ali foram encontrados vestígios de caminhos velhos pelos engenheiros que no fim do século passado (N.E.: século XIX) fizeram suas explorações para o novo traçado da linha férrea.
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A viagem de S. Vicente a Piaçagüera de cima, naqueles tempos, era feita em canoas. A esse respeito escreve Benedito Calixto: "O nome Piaçagüera, porto velho, porto antigo, indica que por ali deve ter passado Martim Afonso (...) pelo ribeiro de Ururaí, um pouco acima da Ilha Caramacoara, por onde entravam as canoas, até a ponte do espigão, onde apontavam para tomar o caminho que margeava a cachoeira, até o alto".
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O CAMINHO DO PADRE JOSÉ
Nos primeiros vinte anos da colonização do litoral vicentino, promovida por Martim Afonso, a única via de comunicação com o Planalto era o trilho dos Goianases, que pelo vale de Ururaí descia até o Porto de Piaçagüera velho. Talvez tivesse sido melhorado para a comodidade dos colonos que não possuíam a agilidade e resistência dos indígenas.
Mas como esse caminho - que passava pelo território dos Tamoios, tribo inimiga dos Goianases e hostil aos brancos -, com o tempo, se tinha tornado passagem perigosa, devido aos freqüentes assaltos por parte dos Tamoios, resolveu-se abandoná-lo e abrir outro, mais seguro, ao Este, pelo vale do Perequê, afluente do Rio Cubatão, cuja esteira era navegável até um quilômetro acima da barra, até o Porto de Santa Cruz, ou Armadias.
Sobre a origem desse caminho há diversas versões.
Frei Gaspar diz que o Governador-Geral Mem de Sá, vindo à Capitania de S. Vicente, ordenou que ninguém freqüentasse o caminho de Piaçagüera, por ser infestado de índios contrários, substituindo em seu lugar a estrada do Cubatão Geral, que nas sesmarias antigas era chamada o "Caminho do Padre José", por o ter aberto e consertado o venerável Padre José de Anchieta.
Afonso d'Escragnolle Taunay exprime-se assim: "Em 1553 rasgava-se nova estrada, feita pelos índios sob a direção de Anchieta. Mandado preferir à primeira por ordem de Mem de Sá, diz Azevedo Marques, teve durante muito tempo o nome de Caminho do Padre José. Em 1565 - relata o Padre Antonio Franco na Vida de Manoel Nóbrega -, este célebre evangelizador mandou abrir novo caminho de Piratininga para S.Vicente, através de ásperas montanhas, porque, no outro, eram os transeuntes assaltados pelos Tamoios, inimigos cruéis do nome português. Por agência de dois irmãos leigos engenhosos, abriu-se com grande trabalho este caminho de que todos receberam grande segurança e proveito".
Benedito Calixto, descrevendo a parte fluvial deste caminho, diz... "Quando se abriu o Caminho do Padre José, pelo Cubatão, os habitantes de S. Vicente, para não fazer a volta pelo Caneú, seguiam pelo Largo Sant'Ana de Acaraú, até o Porto Piaçagüera de baixo (situado à margem esquerda do Rio Cubatão, onde hoje atravesssa a majestosa ponte de concreto armado). Deste lugar o caminho seguia por terra até o Porto das Armadias no Rio Perequê. Os santistas, ao contrário, partindo do Porto do Bispo (no Valongo), atravessavam o largo do Caneú e enveredavam por uma das esteiras do Rio Cubatão, até o Rio Perequê e o Porto das Armadias. Deste ponto subia o caminho pelo vale do Rio Perequê até ao alto e, atravessando as cabeceiras do atual Rio das Pedras, dirigia-se a Piratininga, mais ou menos por onde corre a atual estrada. Havia também navegação fluvial pelo Rio Pequeno e Rio Grande, até Santo Amaro ou Pinheiros".
Este trecho hoje pode ser feito em lanchas, pelas represas. Em seu trabalho História de Santos, Francisco Martins dos Santos, em relação ao caminho do Padre José, assim se exprime: ..."verificando-se até que ponto ia a verdade do que afirmavam alguns cronistas e autorizava a tradição sobre esse novo caminho, encontramos um documento que parece contrariar e desfazer a quase lenda do Padre José".
É o seguinte, que se encontra no Arquivo da Torre do Tombo: (...) "Vindo o ouvidor-geral de Sam Vicente me disse que na dita Capitania avia hum caminho de cinquo légoas, ho qual era laa mao e aspero por causa das lameiras e grandes ladeiras que se nom podia caminhar por elle, o que era grande perda da dita Capitania pela necessidade que ha do campo e das fazendas dos moradores que nele tem para onde he o dito caminho polos muitos mantimentos que ha no campo de que se sustenta a dita capitania, o qual caminho se nam podia fazer sem muito dinheiro, o que hum Joam Perez o Gago d'alcunha, moradores da dita Capitania, sendo acusados pela justiça, perante o dito ouvidor-geral por se dizer que mataram hum seu escravo do gentio desta terra com açoutes - cometeu o dito ouvidor que queria fazer o dito caminho à sua custa, e por logar por onde se bem pudesse caminhar e a contentamento dos moradores contanto que se nam procedesse contra ele polo dito caso - pareceu bem ao dito ouvidor por razam da obra ser tam necessária e tam custosa - dise-me que escrevesse a Vossa alteza o que a Vossa alteza deve haver por bem polo grande proveito que a terra disso vem e pelo muito que custa".
Por este trecho da carta de D. Duarte da Costa, vê-se que o ouvidor-geral de S. Vicente aceitou o oferecimento de João Pires... e é de supor que foi ele sujeito rico, que fez o caminho, utilizando-se dos seus índios, em troca da impunidade pela morte do escravo - sabendo que um degredo à Bertioga valia naquele tempo por uma condenação à morte, infestado como estava aquele lugar pelas hordas tamoias. O nome "Caminho do Padre José" pode ser devido a qualquer outro motivo, por exemplo: do autor do caminho ao Apóstolo de Piratininga.
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Em 1572, a Câmara de S. Paulo já viu a necessidade de estabelecer uma contribuição de todas as vilas da Capitania Vicentina, para o conserto e manutenção do caminho para o Cubatão de Santos, que ninguém se atrevia a transitar, pelos trilhos da íngreme serra. Parece, entretanto, que nada se conseguiu, e somente um século mais tarde fala-se em imposto de trânsito. O sistema de "mão comum" estava em voga.
Mas, pouco a pouco, foram estabelecidos os dízimos reais. Destes, os de Santos foram arrematados por Pedro Taques de Almeida. Havia também outros impostos, como, por exemplo, sobre azeite, que já mencionei, e sobre sal que merece uma menção especial, mais tarde.
Das somas consideráveis produzidas por esses impostos, e especialmente pelo do ouro, somente pequeníssima parte vinha beneficiar o caminho, por onde escoavam ou entravam todos aqueles produtos, taxados tão pesadamente e que, forçosamente, tinham de passar pelo esburacado trilho na serra do Cubatão.
Washington Luís, no seu livro já mencionado, escreve: "Também os quatro mil cruzados (concedidos pelo Governo para serem aplicados na estrada do Cubatão) não foram pagos com regularidade, pela impossibilidade em que se achava a Fazenda Real do Rio de Janeiro de ocorrer a essa despesa".
Os jesuítas na sua fazenda no Cubatão, possuindo canoas para sua serventia, como as tinham, aliás, também vários moradores em Santos e na vizinhança, alugavam-nas por preço combinado, aos viajantes. Isto também fizeram os outros proprietários de embarcações, o que não era conveniente para os padres. Isto até que em 1713 estes "homens empreendedores" conseguiram arrendar a "Passagem do Cubatão".
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VIAGEM FLUVIAL DE ANCHIETA, DE S. PAULO AO ALTO DA SERRA DE PARANAPIACABA
Estando em S. Paulo e pretendendo voltar a São Vicente, o Padre Anchieta, em 15 de novembro de 1579, escreveu uma carta ao Capitão Jerônimo Leitão, Governador da Capitania de S. Vicente.
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Reconstruir em seus pormenores o itinerário do Padre Anchieta nesta viagem não é possível, baseando-se nos dizeres desta carta. Entretanto, podemos concluir que Anchieta, viajando na canoa de Salvador Correia, subiu pelos Rios Grande e Pequeno até um certo ponto, de onde continuou sua viagem por terra, atravessando as cabeceiras do Rio das Pedras, até o Alto da Serra e descendo esta, ou pelo vale do Perequê, ou por alguma vereda mais ou menos no lugar onde dois séculos depois foi construída a primeira estrada calçada, isto é, por um contraforte da Serra de Paranapiacaba que vinha dar na planicie perto do Porto do Cubatão atual.
Foi neste local que deviam esperar as canoas solicitadas ao Governador da Capitania, para nelas continuar a viagem por água, em companhia de João Fernandes e seus vinte mancebos indígenas que vinham pela Estrada Velha da Borda do Campo (também chamada "Caminho do Padre José"), que descia a Serra pelo vale do Rio Perequê e que, no Porto das Armadias, se ligava por terra com o Porto do Cubatão.
A ESTRADA DO LORENA
Em uma carta ao vice-rei, Martinho de Melo e Castro, escreve o Governador de S. Paulo, Martim Lopes Lobo de Saldanha, em 12 de novembro de 1781, sobre os consertos que fizeram na estrada para Santos, o seguinte: "Não contente com ter facilitado a comunicação desta Capitania com a do Rio de Janeiro, abrindo o caminho por terra, como fez presente a V. Excia. nos meus ofícios de 5 de dezembro de 1776 e de 1º de abril de 1778. Mas também me obrigou meu zelo a fazer o caminho que vai desta cidade ao Cubatão de Santos, o qual era quase invariável e se não transitava sem que fosse aos ombros dos índios e sempre um evidente perigo de vida, por se passar por uns apertados tão fundos e nascidos da primeira picada que os primeiros habitantes tinham feito, e tão estreito que não cabia mais do que uma pessoa ou animal, ficando por muitas vezes muito abafados debaixo da terra que, com as chuvas, desabavam, e outros mortos nas profundas covas que com os pés faziam, o que aqui chamam calderões - me resolvi a escrever à Câmara desta cidade, à de Santos, Itu, Atibaia, Sorocaba, Paranaiba, Jundiaí, Mogi Mirim e Mogi Guassu, uma carta que vai inserta, de que resultou darem o donativo gratuito de 2:688$9095 reis, com que dei princípio ao soberbo caminho, no mês de maio do corrente ano, e tenho quase, porque espero até o fim deste mês completar o melhor de toda a América e ainda da Europa, tendo-se-lhe formado infinitas pontes das mais duráveis madeiras, confessando todo este povo que em um século, nem estes, nem o caminho poderão ser arruinados...".
O exagero e a jactância desse governador eram enormes, pois em menos de nove anos estava a estrada em um estado tão miserável que o Governador Lorena teve de reconstruí-la quase por completo no trecho da Serra.
O aterro, entre a Serra e Cubatão, neste ínterim, foi obra do Marechal Chichorro.
É o que Melo Castro e Meneses diz na sua Memória e acrescenta: "O meu antecessor, o sr. Bernardo José de Lorena, empreendeu e concluiu o Caminho da Serra, que ainda que em zig-zag, e que não pode servir por ora para carros, contudo é muito cômodo para os efeitos conduções em bestas, e por este modo se transportam todos os efeitos da "serra acima" para a borda do Rio Cubatão, sendo o principal gênero, o açúcar".
Fiz esta transcrição para demonstra que já antes do governo do Lorena o caminho subia pelo contraforte da Serra de Paranapiacaba em ziguezague, e que o trabalho do Lorena consistiu em fazer o calçamento e construir parapeitos nos lugares mais perigosos.
Não se sabe quando foi abandonado o velho caminho do Padre José e substituído pelo do contraforte. Talvez já fossem os padres jesuítas do Cubatão, em cujo meio certamente havia homens práticos e engenhosos. De fato, nas Memórias de Melo Castro há dois tópicos que parecem confirmar nossa asseveração. Em primeiro lugar são classificados como consertos as obras do Lorena na estrada calçada; em segundo lugar porque o aterro do Chichorro, do pé da Serra até o Rio Cubatão, não pode ser senão o atual, que em parte é o mesmo que servia a Estrada do Lorena e que foi feito anteriormente a esse governador, pois na zona não existem vestígios de outros aterros.
O sucessor de Martim Lopes Lobo Saldanha foi o Conde de Sarzedas, Bernardo José de Lorena. Fidalgo da mais alta estirpe, homem enérgico e cheio de entusiasmo, deu nova vida ao ambiente estagnado de S. Paulo. Com utilíssimas construções e obras públicas, foi ele um precursor dos futuros urbanistas da cidade. Era estimado pela sizuda burguesia, que perdoava suas aventuras amorosas, um tanto turbulentas.
A sua principal obra e a que perpetuou seu nome, entretanto, foi a sua Estrada na Serra do Cubatão. Verificando a insuficiência das obras ali executadas no tempo de Saldanha, poucos anos antes, e considerando que o sempre crescente movimento comercial no Porto de Santos exigia um caminho melhor, resolveu construir uma estrada que pudesse resistir à ação demolidora do tempo e por muitos anos corresponder às exigências do tráfego.
Incumbiu, então, ao engenheiro João da Costa Ferreira a execução das obras na Serra. Esse profissional, depois de estudos preliminares, projetou uma estrada para tropas que satisfazia a todas as exigências da época. Não se sabe bem se foi por onde passava a antiga estrada, ou se ele introduziu algumas modificações no traçado. O fato é que descia pelo contraforte da Serra em zigue-zague, com 180 ângulos, sendo calçada com lajes, trazidas de longe. Isso foi em 1790.
A Câmara de S. Paulo, em sinal de gratidão, mandou então levantar no Alto da Serra um monumento comemorativo com a seguinte inscrição em latim:
Illustrissimus ac Excellentissimus
Dux Generalis
Bernardus Josephus de Lorena
Anc asperrimam
Et impraticabilem auto viam
Munivet;
Quam obrem
Instanti Nominis Memoriam
Senatus Paulopolitanus
Signum
Erexit
Anno 1790 Domine
O Governador Lorena, embora desvanecido por tão pomposa homenagem, via bem o perigo que podia advir da parte da desequilibrada Rainha de Portugal e, como hábil diplomata que era, quis neutralizar um possível desagrado, levantando outro monumento com os seguintes dizeres:
Omnia vincit amor subditorum
Maria Regina
neste anno de 1790
Bernardo José de Lorena, General desta Capitania.
Estes monumentos não tiveram longa vida. O último desapareceu provavelmente derrubado em 1822 pelo povo, na sua fúria de destruição de tudo que lembrava os tempos coloniais.
Em 1839 foram encontradas, enterradas no chão, as quatro pedras de sabão "Omnia vincit..." e descritas por Kidder, um viajante americano que naquele ano subia para S. Paulo.
Duas dessas pedras, somente a primeira e a última, depois de minuciosas pesquisas foram achadas em 1920 por uma turma de trabalhadores dirigida pelos senhores Washington Luís, Antonio Prado Junior e Major Canabarra, e incrustadas no Padrão Lorena, monumento erigido no meio da Serra, à beira da estrada atual, em 1922. No mesmo tempo foi restaurado o monumento levantado em 1790 pela Câmara Municipal Paulistana, em homenagem ao Governador Lorena.
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O seu sucessor no governo de S. Paulo, Antonio Manuel de Melo Castro Mendonça, era um homem prático. Construiu em lugares apropriados, ao longo da estrada, ranchos para abrigo dos tropeiros e, especialmente, para guardar o açúcar que, mal acondicionado, desmerecia muito quando exposto à umidade da Serra.
Implicou ele com as esteiras de madeiras, nos lugares íngremes da estrada, que com as chuvas prolongadas se tornavam escorregadiças. E como não havia verba ideou um processo engenhoso para fazer o empedramento e substituiu as tais esteiras. Diz ele: "as quais se devem fazer por ser fácil ajuntar-se a pedra. Bastaria que cada besta que vem de Cubatão sem carga, ou com ela, trouxesse alguma pedra pouca e a largasse em lugar destinado; assim sem incômodo e com pouca despesa se calçariam todas as ladeiras".
A necessidade de uma ótima estrada de São Paulo a Santos tornou-se cada vez maior, e para aumentar a sua já grande importância o governador Franca e Horta não hesitou em cometer uma verdadeira arbitrariedade, quando ele, em 1802, proibiu a navegação costeira e quando determinou que todos os produtos agrícolas de São Paulo fossem exportados exclusivamente pelo porto de Santos.
Em conseqüência disto, a estrada até Cubatão era sempre conservada regularmente. Mas foi somente em 1827, no governo de Luís Antonio Monteiro de Barros, que a estrada teve seu último aperfeiçoamento, quando foi inaugurado o aterro de Cubatão até Santos, evitando-se assim a travessia forçada por água. A construção deste aterro foi feita com terra, transportada em cestas na cabeça de escravos.
Mas o progresso, cada vez mais acelerado, e o conseqüente aumento do trânsito, em breve demonstraram a insuficiência da estrada, ainda mais porque surgiu a exigência de ela ser carroçável. Quando o Brigadeiro Tobias, em 1844, pessoalmente a examinou, compreendeu que uma adaptação era impossível, e neste mesmo ano foi destinada uma verba de 50 contos para uma nova estrada, com traçado completamente diferente. Era a futura "Estrada da Maioridade", ou aquela que com os contínuos melhoramentos nos serve ainda hoje e que depois de um século de vida, nestes dois ou três anos, vai ser substituída pela nova "Via Anchieta", que então ficará transitada somente por turistas que desejam apreciar os monumentos históricos, e, especialmente, o belo panorama do Cubatão e toda a Baixada, até o mar, que se estende aos pés do espectador.
Resta agora mencionar os depoimentos de alguns viajantes estrangeiros e suas apreciações sobre a Estrada do Lorena.
Em 1813 o norueguês Gustavo Beyer, passando pela estrada, admira a grandeza da obra, que, no seu ver, é comparável com muitas obras de natureza semelhante na Europa. E, olhando na direção do caminho, ele exclama: "Quatro ou cinco caminhos em ziguezague pareciam correr acima de nossas cabeças". Conta ele que chegando a Cubatão teve de pagar imposto de barreira pelas pessoas de sua comitiva, pelos animais da tropa e pela bagagem. A concessionária de arrecadação desse imposto era uma firma inglesa: May, Coppendal & Co.
O jovem francês Hércules Florence, futuro genro de Francisco Álvares Machado, deputado pela Província de S. Paulo e, mais tarde, Governador do Rio Grande do Sul, fora convidado pelo malogrado Barão Von Langdorff para substituir o desenhista Rugendas na expedição científica que ia empreender, desde S. Paulo até Amazonas, e que levou dois anos para concluir.
Florence, o membro mais jovem da expedição, foi mandado adiante, a fim de preparar pouso no Cubatão e contratar o transporte de toda a bagagem para S. Paulo; depois de ter vindo do Rio por mar, navegou de Santos ao Cubatão em piroga.
Nos eu esboço de viagem, Hércules Florence descreve o Cubatão e a estrada serra acima: "Cheguei ao Cubatão às 10 horas da noite e fui acolhido pelo Sr. Eduardo Schmidt, dinamarquês de nascimento, e para quem levava cartas de recomendação. No dia seguinte, presenciando a atividade que reinava em Cubatão, conheci quanto é ponto freqüentado, bem que não seja mais que um núcleo de 20 a 30 casas, mal construídas. É entreposto entre S. Paulo e Santos. Durante os oito dias que lá fiquei, vi diariamente chegar três ou quatro tropas de animais e outras tantas partirem. Cada tropa compõe-se em geral de 40 a 80 bestas de carga, guiadas por um tropeiro e divididas em lotes de oito animais que caminham sob a direção de um camarada.
"Acontece que, quando muitos deles aí se reúnem, os camaradas se congregam todos para dançar e cantar a noite inteira o "batuque". Gritam a valer e com as mãos batem cadenciadamente, nos bancos em que estão sentados. Assim se divertem. As tropas, ao descerrem de S. Paulo, vêm carregadas de açúcar bruto, toucinho e aguardentes, e voltam levando sal, vinhos portugueses, fardos de mercadorias, vidros, ferragens etc. A quantidade de açúcar que anualmente transita pelo Cubatão é avaliada em 500 a 550 mil arrobas".
Isto foi em 1825, nos últimos tempos da navegação fluvial entre Santos e Cubatão.
Em 1839 e 1840 o inglês John Mawe e o norte-americano Dr. Kidder viajavam entre Santos e S. Paulo. Tanto estes como outros viajantes são unânimes em manifestar sua admiração pelas "obras gigantescas" na estrada e extasiar-se pela deslumbrante vista sobre a planície.
Kidder descreve a subida da Serra, que tem "cerca de quatro quilômetros de sólido calçamento". Impressiona-se com o sucessivo encontro de tropas de bestas, que tornam interessante seu trajeto, e continua: "ouvia-se, primeiro, a voz áspera dos tropeiros, tocando seus animais, a ecoar tão acima de nossas cabeças que parecia sair das nuvens; depois, ouvia-se o clac-clac das patas ferradas dos animais nas pedras, e avistavam-se as mulas, num esforço de se segurarem na ladeira, parecendo esmagadas pelos pesados fardos que carregavam. Afastava-me para um lado da estrada, para deixar passar os diversos lotes de tropas, e logo o pisar das mulas ia desaparecendo, e bem assim as vozes dos tropeiros e camaradas iam-se perdendo abaixo, na floresta".
O inglês John Mawe faz as seguintes observações: "É surpreendente a habilidade dos arrieiros em arrumar a carga; tudo nessa estrada contribui para dar uma idéia da energia dos brasileiros e das grandes empresas de que são capazes. Nos rios sem pontes e nos lugares pantanosos, eram as cargas baldeadas nas próprias costas dos tropeiros, para que as bestas pudessem vencer, a salvo, os empecilhos do caminho. Muitas vezes uma besta se desgarrava do lote, ou escorregava e caía, sendo arrastada pelo peso da carga ao fundo desses precipícios, de onde nada se aproveitava... Tinham os tropeiros ranchos de pousada e de sestio em lugares certos plantados de espaço a espaço ao longo do caminho".
Acrescenta Júlio Prestes: "Aqueles restos de muros esborcinados pelo tempo, aquela tapera, onde hoje crescem, somente, as jurubebas, levantando aos céus as palmas cravejadas de espinhos, numa paisagem de abandono, foram as estalagens risonhas, onde as tropas chegavam com duas braças de sol, e de onde partiam ao miudar dos galos na faina incessante de fazer a circulação da riqueza. Os arrieiros eram tipos representativos da época de uma coragem e de uma honradez que ficaram proverbiais na história paulista. Toda a riqueza, que saía ou que entrava em S. Paulo, passava por suas mãos, sem um documento, sem um recibo, com a nota, apenas, de consignação. Bem mereciam esses ignorados, esquecidos e desconhecidos patriotas um monumento (como aquele que foi levantado na Serra) fixando a memória de sua passagem na estrada que trafegaram".
Uma das maiores, digamos, a maior, data da nossa história liga-se, embora indiretamente, à Estrada do Lorena. Foi por esta que o Príncipe D. Pedro transitou quando, em 7 de setembro de 1822, proclamou a independência, ao encontrar no regato do Ipiranga dois enviados de S. Paulo, no lugar onde se ergue a majestosa obra do escultor.
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A ESTRADA DA MAIORIDADE
A Estrada do Lorena tinha dado a Santos um impulso considerável. Tirando Ubatuba, que também tinha sua calçada na Serra, na estrada para Taubaté, pode-se dizer que era o único escoadouro da Província de S. Paulo. Basta comparar os orçamentos das Câmaras Municipais de Santos e S. Paulo, que eram, respectivamente, de 9:400$ e 6:500$, para avaliar a importância de Santos.
O primeiro passo para a construção de uma nova estrada carroçável de S. Paulo a Santos foi dado pelo Brigadeiro Rafael Tobias, que conseguiu, para esse fim, uma verba de 50 contos, no orçamento da Província, isto em 1841.
Três anos depois estava aberta provisoriamente em sua quase totalidade, a estrada, tendo ela, na Serra, uma largura que variava de 4 a 7 metros. No seu relatório, o Presidente da Província, Manuel Felizardo de Sousa e Melo, diz que do orçamento provincial, que montava a 485 contos, nada menos de 70 contos estavam destinados à construção da estrada, cujo rendimento, nas barreiras, não alcançava mais de 45 contos. Em 1846 este rendimento subiu pouco, e a soma empregada na estrada foi de 66 contos.
Neste mesmo ano foi inaugurada solenemente a estrada, pelo Imperador. Na sua passagem, ele também inaugurou uma bica de água pública, construída no lugar onde a rocha do morro, em frente à rua São Bento, avança até o alinhamento da Rua Visconde do Embaré. Hoje não existe mais essa fonte, vítima da retificação da rua.
Em seguida, D. Pedro, com seu séqüito, subiu a S. Paulo pela nova estrada, que então foi inaugurada e franqueada ao público. Esse episódio está perpetuado nos azulejos que ornam as paredes do Rancho da Maioridade, monumento levantado em 1922 no lugar denominado "Curva da Morte".
O Presidente da Província em 1850, Pires da Mota, tece louvores, um tanto exagerados, à nova estrada. Diz ele que essa obra gigantesca, a maior da Província, oferece todas as vantagens ao trânsito, pois até carros, pesadamente carregados, subiam e desciam com a maior facilidade.
Mas assim mesmo o seu sucessor, José Tomás Nabuco de Araújo, não achou a estrada suficiente para o sempre crescente tráfego, por ser demasiadamente sinuosa, muito afastada da sua diretriz geral e sendo suas calçadas precárias no tempo da chuva.
Em seu relatório, de 1852, à Assembléia Legislativa provincial, expõe a necessidade de uma nova estrada e de ter plena liberdade quanto ao traçado geral.
As restrições na lei orçamentária, impondo um alinhamento dado e pontos de passagem forçados, embaraçavam uma exploração racional. Ao traçar a linha, deviam prevalecer as condições técnicas e o fim principal, o de ligar as duas cidades com a melhor estrada possível, e não interesses secundários locais, como, por exemplo, a exigência de passar em S. Bernardo.
Era fora de dúvida que o atual trecho da Serra nunca poderia servir, a contento, para veículos, e que seriam grandes as despesas de conservação, especialmente por causa dos constantes desmoronamentos na época chuvosa.
Resolveu por isso mandar estudar, por profissionais, as diversas soluções deste magno problema: uma via de comunicação racional e eficiente entre S. Paulo e Santos.
Quanto à Serra, havia somente quatro soluções possíveis:
a) Pelo Vale do Ururaí (Cubatão Inglesa)
b) Pelo Vale do Perequê
c) Pelo Vale do Rio das Pedras (Estrada da Maioridade)
d) Pelo Vale de Itatinga ou Pilões.
Depois de minuciosos estudos e maduras reflexões, foi escolhido um traçado pelo Perequê, justamente por onde os quinhentistas construíram um caminho depois de terem abandonado o trilho dos Goianases pelo vale de Ururaí.
E, afim de que todos pudessem verificar as grandes vantagens desse traçado, foi aberta uma picada, descendo pelo Perequê, desde o cume da Serra até à Vargem.
Esse projeto, entretanto, nunca foi executado.
E a mesma sorte tiveram outros dois projetos de estradas pelo Perequê.
Em 1935 foi estudada uma linha que, partindo da ponte sobre a represa do Rio Pequeno, enveredava pelo vale do Perequê e saía na Raiz da Serra perto do atual Posto de Fiscalização. A outra, a de 1939, acompanhava a estrada atual, até três quilômetros abaixo do Pouso Paranapiacaba, donde desviando-se para o lado esquerdo, ia pelas voltas da Serra até sair no vale do Perequê; descendo por este e atravessando a atual estrada, ia sair, por uma grande curva, na planície no mesmo ponto, perto do Posto Fiscal.
Por desempenho de consciência, Nabuco de Araújo mandou explorar os outros dois lugares em questão, o vale do Ururaí e o de Pilões. Incumbiu o tenente Inácio Antonio Lisboa de estudar o primeiro, e o engenheiro Carlos Rath, o segundo.
O tenente Lisboa, embora reconhecendo que uma estrada, partindo de S. Caetano e passando por Ururaí, talvez encurtasse a distância a Santos, e achando que a garganta da Serra nesse lugar era mais baixa do que em outra parte da zona (??), rejeitava esse traçado por dois motivos: em primeiro lugar, porque no vale havia muitos paredões de rocha, como também alguns lugares de "terra corrida", de constantes desmoronamentos. Em segundo lugar porque um novo aterrado de Piaçagüera a Santos ficava dispendiosíssimo, por causa dos mangues e das muitas pontes a serem construídas.
O engenheiro Carlos Rath, por sua vez, explorou o traçado dos rios Tutinga e Pilões, por muitos apontado como favorável. O resultado, entretanto, foi negativo, achando o engenheiro que esse traçado se afastava muito da diretriz geral - era mais próprio para uma estrada para Itanhaém. Entretanto, é por ali que está sendo construída a nossa futura "Via Anchieta". Eliminadas assim as duas probabilidades, o Presidente Nabuco de Araújo se firmou no projeto do Perequê, mas a situação financeira da Província não permitia as avultadas despesas, acarretadas por uma obra desta importância, e o resultado final foi a Estrada da Maioridade ainda permanecer por quase um século, embora com constantes consertos e melhoramentos.
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A concessão de uma estrada de ferro de Santos a Jundiaí, dada em 1856, veio trazer certo pessimismo ao espírito do Governo de S. Paulo, que, seriamente, cogitou do abandono da estrada de rodagem a Santos, uma vez aberto o tráfego ferroviário.
Mas, por iniciativa do alto comércio de Santos, que se oferecia para custear os consertos da estrada, que era de vital importância, o Presidente Pires da Mota, impressionado por este gesto, incumbiu José Vergueiro de proceder a um remodelamento geral da estrada, gastando-se cerca de 800 contos nesses trabalhos. As rampas foram consideravelmente melhoradas, e aberta uma nova saída de S. Paulo, por Vila Mariana.
Não faltaram críticas: censurava-se o gasto de uma importância, para o tempo, tão considerável; alegava-se que a futura estrada de ferro tornaria inútil uma estrada de rodagem.
Mas em 1864, quando foram ultimadas essas obras, o Imperador, reconhecendo o bom serviço prestado por Vergueiro, agraciou-o com a comenda da Ordem da Rosa. E a estrada, daí em diante, ficou com o nome de "Estrada do Vergueiro".
A chegada dos trilhos a S. Paulo, em 1867, entretanto, foi funesta para a Estrada do Vergueiro; seu trecho na Serra, pouco a pouco, caiu em completo desuso. Em vão o Presidente da Província, em 1870, protestou: "A estrada de rodagem, apesar da estrada de ferro, nunca devia ser abandonada, não só porque representa um grande capital, mas também porque serve nos casos, aliás, freqüentes, de incidentes no tráfego da via férrea".
O movimento, porém, foi diminuindo cada vez mais, reduzido, finalmente, à passagem de gado para o matadouro de Santos e a um ou outro tropeiro. As baixadas se transformaram em atoleiros, e na Serra os desmoronamentos impediam a passagem, quase por completo.
Caiu em esquecimento aquela estrada serrana, que durante séculos tinha sido a porta por onde S. Paulo se comunicava com o Mundo e que tinha sido louvada com tanto entusiasmo por ilustres viajantes estrangeiros. Até que, um dia, Antonio Prado Júnior, pelo seu memorável reide automobilístico em 1908, de S. Paulo a Santos, chamou a atenção para a velha estrada, adormecida como a Princesa Encantada, do que resultou o seu ressurgimento a uma nova vida, febril e utilíssima.
Em 1912 o Governo do Estado, sob a presidência de Rodrigues Alves, deu início à reconstrução da Serra, e no ano seguinte foi dado o privilégio de uma estrada de S. Paulo ao Alto da Serra a um consórcio dirigido por Rudge Ramos, com o direito de "cobrar taxas razoáveis pela passagem de automóveis e caminhões".
Foi modificada radicalmente a velha estrada, e os extensos aterros sobre as represas vieram melhorar, grandemente, essa estrada, que tomou o nome de "Caminho do Mar".
Finalmente, em 1923, quando o Governo adquiriu a estrada de Rudge Ramos e quando o trecho da Serra tinha sofrido grandes modificações, encontrava o público uma rodovia para Santos razoavelmente boa.
Mas as obras de melhoramento prosseguem: a estrada desde o Alto da Serra é revestida de concreto e asfalto. Novos bueiros atravessam o leito, para melhor escoamento das águas pluviais, barrancos que ameaçavam desmoronar são revestidos de pedra, e os muros de arrimo, para a segurança da estrada, são constantemente reforçados. Uma nova ponte de grandes dimensões atravessa o Rio Cubatão...
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Carta Corographica e Hydrographica de toda a costa do mar da Capitania,
elaborada em 1789 por João da Costa Ferreira (clique na imagem para ter mais detalhes)
MAPAS ANTIGOS ONDE FIGURAM OS CAMINHOS DE SANTOS A SÃO PAULO
1) A primeira representação cartográfica desses caminhos encontra-se no "Mapa da Região Vicentina", de 1612, que se acha no Livro que da razão do estado do Brasil, cujo autor foi o cosmógrafo João Teixeira. Pertence ao Instituto Histórico e Geográfico do Brasil e foi publicado na Collectanea de Taunay. É uma linha dupla, grosseiramente traçada, e com os dizeres "Caminho para a vila de S. Paulo".
2) O segundo mapa em que está representado o caminho é do último quartel do século XVIII; pelo menos não conheço outros anteriores. É o "Plano das Villas de Santos, S. Vicente, Conceição etc.". Pertence ao Ministério da Guerra. Reproduzido na Collectanea de Taunay. O caminho, a partir de Santos, vai abeirando os morros até o fim destes, onde emboca no caminho que vem de S. Vicente. Atravessa o Casqueiro, o Largo de Santana e mais um braço, para chegar até o Cubatão Geral, com o letreiro: "Caminho de São Paulo que Lorão (?) construiu por terra". Do Cubatão Geral de Santos, o mapa está um pouco obscuro. Parece que a travessia do Rio Cubatão foi feita, subindo um pouco por água, até um ponto de onde a estrada partiu, galgando o Alto da Serra no vale do Rio das Pedras, o qual em seguida é atravessado, lendo-se aí no mapa: "Caminho de São Paulo, da Serra para cima".
Esse mapa parece indicar que o antigo Caminho do Padre José naquela época já fora abandonado, dando lugar a outro que subia a serra mais à esquerda.
Chegamos agora ao tempo em que os governadores de S. Paulo reconheceram a necessidade de recorrer a profissionais para construir novas vias de comunicação. Assim o benemérito Governador Lorena, em 1789, chamou o engenheiro João da Costa Ferreira e o astrônomo Francisco de Oliveira Barbosa. É a estes dois que devemos a excelente "Carta Geographica e Hydrographica da Capitania de S. Paulo, de 1789".
Nesse mapa está traçado o caminho que, partindo de Santos, atravessa o Casqueiro e mais uma água, antes de chegar ao Cubatão, onde transpõe diretamente e sobe a Serra por uma linha que, indubitavelmente, é idêntica à da Estrada do Lorena. Vai a S. Paulo, atravessando em seguida o Rio das Pedras, Rio Pequeno e Rio Grande. Publicado na Collectanea de Taunay.
O ajudante de João da Costa Ferreira, o engenheiro Antonio Roiz de Montesinho, elaborou em 1791 ou 92 um outro mapa, "Mappa Chorographico da Capitania de S. Paulo". Pertence à Secretaria de Estado das Relações Exteriores e foi publicado na Collectanea de Taunay. Para o nosso assunto, não oferece grande interesse, pois o caminho está traçado, somente, no Alto da Serra até S. Paulo.
3) Uma outra carta corográfica da Capitania foi feita em 1793, provavelmente por João da Costa Ferreira e Montesinho. Pertence ao Ministério da Guerra e está publicada na Collectanea de Taunay. Nesse mapa, também o caminho está indicado somente no Planalto.
4) Finalmente mencionamos o mapa corográfico da Província de S. Paulo, por Daniel P. Muller (1837). Também neste o caminho do Alto da Serra até Santos não está indicado.
Mapa da Capitania de São Paulo, por Daniel Pedro Muller (clique na imagem para mais detalhes)
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