O sacerdócio e organização dos ritos para o culto dos orixás são complexos, com todo um aprendizado que administra os padrões culturais de transe, pelo qual os deuses se manifestam no corpo de seus iniciados durante as cerimónias para serem admirados, louvados, cultuados.
Os iniciados, filhos e filhas-de-santo (iaô, em linguagem ritual), também são popularmente denominados “cavalos dos deuses” uma vez que o transe consiste basicamente em mecanismo pelo qual cada filho ou filha se deixa cavalgar pela divindade, que se apropria do corpo e da mente do iniciado, num modelo de transe inconsciente bem diferente daquele do kardecismo, em que o médium, mesmo em transe, deve sempre permanecer atento à presença do espírito.
O processo de se transformar num “cavalo” é uma estrada longa, difícil e cara, cujos estágios na “nação” queto podem ser assim sumariados:
Para começar, a mãe-de-santo deve determinar, através do jogo de búzios, qual é o orixá dono da cabeça daquele indivíduo (Braga, 1988).
Ele ou ela recebe então um fio de contas sacralizado, cujas cores simbolizam o seu orixá (ver Anexo), dando-se início a um longo aprendizado que acompanhará o mesmo por toda a vida.
A primeira cerimónia privada a que a noviça (abiã) é submetida consiste num sacrifício votivo à sua própria cabeça (ebori), para que a cabeça possa se fortalecer e estar preparada para algum dia receber o orixá no transe de possessão.
Para se iniciar como cavalo dos deuses, a abiã precisa juntar dinheiro suficiente para cobrir os gastos com as oferendas (animais e ampla variedade de alimentos e objectos), roupas cerimoniais, utensílios e adornos rituais e demais despesas suas, da família-de-santo, e eventualmente de sua própria família durante o período de reclusão iniciática em que não estará, evidentemente, disponível para o trabalho no mundo profano.
Como parte da iniciação, a noviça permanece em reclusão no terreiro por um número em torno de 21 dias.
Na fase final da reclusão, uma representação material do orixá do iniciado (assentamento ou ibá-orixá) é lavada com um preparado de folhas sagradas trituradas (amassi).
A cabeça da noviça é raspada e pintada, assim preparada para receber o orixá no curso do sacrifício então oferecido (orô).
Dependendo do orixá, alguns dos animais seguintes podem ser oferecidos: cabritos, ovelhas, pombas, galinhas, galos, caramujos.
O sangue é derramado sobre a cabeça da noviça, no assentamento do orixá e no chão do terreiro, criando este sacrifício um laço sagrado entre a noviça, o seu orixá e a comunidade de culto, da qual a mãe-de-santo é a cabeça.
Durante a etapa das cerimónias iniciáticas em que a noviça é apresentada pela primeira vez à comunidade, seu orixá grita seu nome, fazendo-se assim reconhecer por todos, completando-se a iniciação como iaô (iniciada jovem que “recebe” orixá).
O orixá está pronto para ser festejado e para isso é vestido e paramentado, e levado para junto dos atabaques, para dançar, dançar e dançar.
No candomblé sempre estão presentes o ritmo dos tambores, os cantos, a dança e a comida (Motta, 1991).
Uma festa de louvor aos orixás (toque) sempre se encerra com um grande banquete comunitário (ajeum, que significa “vamos comer”), preparado com carne dos animais sacrificados.
O novo filho ou filha-de-santo deverá oferecer sacrifícios e cerimónias festivas ao final do primeiro, terceiro e sétimo ano de sua iniciação.
No sétimo aniversário, recebe o grau de senioridade (ebômi, que significa “meu irmão mais velho”), estando ritualmente autorizado a abrir sua própria casa de culto.
Cerimônias sacrificiais são também oferecidas em outras etapas da vida, como no vigésimo primeiro aniversário de iniciação.
Quando o ebômi morre, rituais fúnebres (axexê) são realizados pela comunidade para que o orixá fixado na cabeça durante a primeira fase da iniciação possa desligar-se do corpo e retornar ao mundo paralelo dos deuses (orum) e para que o espírito da pessoa morta (egum) liberte-se daquele corpo, para renascer um dia e poder de novo gozar dos prazeres deste mundo.
In: Herdeiras do Axé por Reginaldo Prandi
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