Destinados a todos com uma proposta antropológica em manter em sua essência pura o culto aos Orixás...
CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ
terça-feira, 18 de março de 2014
Março o mês de Ogum ( Èsù, Òsóòsi e Ògún)
Diz-se que Ògún isolado do mundo, passava seu tempo com brigas e trilhava o seu caminho na selva em busca de alimento, mas com seu modo agressivo apenas assustava a presa.
Assim ele definhava de fome e vivia frustrado na floresta apenas com sua capacidade de usar sua forja com a qual ele poderia fazer facas e ferramentas.
Òsóòsi por por outro lado, com sua eficácia misteriosa em hipnotizar suas vítimas, capturava numerosas presas.
Mas sem as ferramentas como o ele poderia manipulá-las, ele também permanecia sozinho e morria de fome com numerosas carcaças fechadas que perdiam seu valor e entravam em decomposição.
Um dia Èsù surgiu, com fome e curioso, viu Ògún não muito longe em uma situação semelhante, ele disse para Òsóòsi:
"Por que você e Ògún não vivem juntos?
Com certeza vocês seriam formidáveis companheiros.
Você pode caçar com seu coração e suprir seu desejo onde Ògún poderia abrir as presas ".
Òsóòsi ficou pensando no assunto.
Èsù foi então para Ògún e propôs:
"Por que você e Òsóòsi não podem mover-se juntos e trabalhar um com o outros em vez de ficar discutindo ou ser tão exigentes nas suas diferenças?
Certamente, se você viver com o outro enquanto um pode caçar o outro pode fazer uso do que o outro pegou."
Em seguida, Òsóòsi e Ògún disseram:
"Mas nós não podemos garantir que sempre iramos encontrar o que estamos procurando.
Então, ambos continuaram com fome e nesta frustração.
Os melhores amigos poderião se tornar os piores dos inimigos."
Ao que Èsù respondeu:
"Não é assim, pois se você compartilhar comigo a sua caça, porque eu preciso de muito pouco como você sabe e eu vou lhe mostrar por onde você deve fazer os caminhos, onde você pode encontrar a área, onde você será bem sucedido na obtenção de boa caça e de que maneira nós três poderemos não ser apenas amigos, mas um incansável trio que ninguém poderá superar! ".
E diz-se que a partir daquele dia em diante Ògún e Òsóòsi compartilharram o mesmo caldeirão com Èsù ...
Bem, Èsù é a providência, ele vem e vai como lhe agrada, desde que a ele seja assegurado que ele será sempre agraciado, ele deixará que os caçadores saibão para onde ir para obter êxito."
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Março o mês de Ogum ( Ògún - O Espírito do Ferro)
Ifá diz que no dia em que os Imortais queriam fazer a viagem do Ikolè òrun para Ikolè ayè, foi Ògún (O Espírito do Ferro), que forjou a corrente proporcionando a viagem.
Desde aquele dia, Ògún é o Imortal que foi chamada para limpar a estrada.
No dia em que eles, os Imortais, resolveram plantar na fazenda, foi Ògún, que mostrou-lhes o Mistério das ferramentas.
Este mistério está no fogo, que é usado para temperar o ferro e torná-lo forte.
A partir dete dia foi Ògún, o Imortal, quem chamou a enxada para trabalhar.
No dia em que eles queriam ir a caça, foi Ògún que lhes mostrou como usar a faca.
O Mistério da faca está na compaixão que se traz do espírito do animal. Desde aquele dia, Ògún que é chamado de Imortal fornece a carne para a panela.
No dia em que os Imortais queriam garantir que os seres humanos falassem a verdade, foi Ògún que forneceu o Mistério de Edan.
O Mistério de Edan é o conhecimento da justiça, que está dentro do útero de Onilé, que significa "Dono da Terra".
Desde aquele dia, Ògún é o Imortal a quem se faz um juramento.
Ifá ensina que a sobrevivência depende da força interior que é alimentada por uma forte vontade.
Foi a forte vontade de Ògún que forjou a correte que ligou o reino invisível dos antepassados ao reino do vivos na Terra.
Isto sugere que a força por trás da evolução é guiada por uma determinação implacável para expressar o que está destinado a se tornar.
Esta força está presente em todas as pessoas que estão vivas em virtude da paixão e do instinto de sobrevivência.
A vontade de viver pode ser suprimida e reprimida, mas nunca pode ser apagada do potencial inerente que existe em todos os recém-nascidos.
De acordo com a sagrada história de Ifá, é esta vontade de viver que nos leva a descobrir a tecnologia de forjar o ferro.
Esse mesmo poder de determinação é a raiz de todos os avanços tecnológicos que ocorrem dentro de uma determinada cultura.
No ponto da história humana em que as famílias extensas mudaram seu foco para arrecadar alimentos de animais mortos e para ir caçar, eles incluíram a dimensão espiritual, como um elemento de caça.
Esse processo espiritual foi de agradecer o espírito do animal caçado para fornecer a nutrição que eles precisavam para sobreviver.
Ifá acredita que todas as formas de vida são cientes do seu papel e que toda consciência escolhe o seu destino, fornecendo nutrição, ela é vista como uma oferenda ao espírito do animal da família do caçador.
Em resposta a esta oferta, o caçador eleva o espírito do animal para que ele retorne à Terra do reino invisível dos Antigos e mais uma vez volte a fornecer alimentos.
Na cultura ocidental, esta cerimônia é muitas vezes considerada bárbara. Ignorar o espírito do animal ocorre apenas em culturas em que os seres humanos são colocados à parte do resto da criação.
Dentro de cada comunidade na sociedade iorubá tradicional, há um conselho de anciãos chamado Ogboni, que significa "Da Terra".
A Sociedade Ogboni supervisiona a conduta dos chefes religiosos de uma determinada região geográfica.
Se alguém tem esquemas ou está ofendendo a comunidade, agindo fora da ética, Edan é colocado no chão na frente de sua porta.
O Edan é uma estátua de um homem e uma mulher que estão unidos no topo de suas cabeças por uma corrente.
Esta cadeia é uma representação da ferramenta esotérica original forjado pelo Espírito do ferro para fazer um caminho do reino invisível dos antepassados para a Terra.
A figura masculina é chamado Edan, a partir da raiz da palavra Eda, que significa "criação".
A figura feminina é chamada Onilé, que significa "Senhora da Terra".
Ambas as figuras representam os poderes gêmeos do Espírito do Ferro.
Dentro de Ogboni há um sistema de adivinhação que é usado apenas para resolver disputas.
Por Áwo Fatunmbi.
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Março o mês de Ogum ( OGGÚN )
OGUN É O ORISHA QUE REPRESENTA A FORTALEZA, O TRABALHO E A FORÇA ÁSPERA E INICIAL.
É A FORÇA QUE ENCERRA A CAIXA DO CORPO HUMANO, O TÓRAX, ONDE ESTÃO TODOS OS ÓRGÃOS VITAIS.
NA NATUREZA ESTÁ SIMBOLIZADO PELO FERRO, TODOS OS METAIS E A VIRILIDADE DESCOMUNAL NO SER HUMANO.
É DONO DAS FERRAMENTAS E DAS CORRENTES. OGUN É UM OSHA DO GRUPO ORISA ODDÉ, USUALMENTE DENOMINADOS OS GUERREIROS.
ESTE GRUPO É FORMADO POR: ELEGUÁ, OGUN, OSOOSI E OSUN.
É UM DOS PRIMEIROS ORISHAS E OSHAS QUE RECEBE QUALQUER INDIVÍDUO. OGÚN É O OSHA DECISIVO NO CERIMONIAL DA CONFIRMAÇÃO DOS OLOSHAS (PINALDO) E NA CERIMÔNIA DE CONFIRMAÇÃO DOS AWÓ NI ORUNMILA (KUANALDO).
OGUN É O QUE TEM O DIREITO PREFERENCIAL DE SACRIFICAR, JÁ QUE LHE PERTENCE A FACA, QUE É O OBJETO COM O QUAL GERALMENTE SE SACRIFICA.
É ASSENTADO EM YOKO OSHA E É DONO DO MONTE JUNTO COM OSHOSI E DOS CAMINHOS JUNTO COM ELEGUA.
À OGUN PERTENCEM OS METAIS, É O REGENTE DOS FERREIROS, DAS GUERRAS, VIGIA DOS SERES HUMANOS.
SEU NOME PROVÉM DO YORUBA ÒGGÚN (GUERRA).
PROVÉM DO ILESHÁ E FOI REI DE IRÉ. SUAS CORES SÃO O ARROXEADO (MORADO) OU VERDE E PRETO.
SEUS ELEKES (COLARES) SÃO CONFECCIONADOS ALTERNANDO CONTAS VERDES E PRETAS.
O NÚMERO DE OGÚN É O 3 E SEUS MÚLTIPLOS.
SEU DIA DA SEMANA É NA TERÇA-FEIRA E NOS DIAS 4 DE CADA MÊS.
A OGGUN NO SINCRETISMO SE RELACIONA COM SÃO PEDRO (29 DE JUNHO).
E SUA SAUDAÇÃO É:
“OKE OGGUN! OGGUN KOBÚ KOBÚ, AGUANILÉ!”
(FONTE: CUBA YORUBA)
Março o mês de Ogum ( Ogum enganado pelo feiticeiro e mata as pessoas de sua aldeia)
Conta–se que Ogum estava no alto da montanha, pois ia sair para caçar. Poucos sabem, mas Ogum também era um caçador, mas não tinha como aptidão a caça, por isso se uniu a seu irmão Oxossi, mas isso fica para outra lenda.
Ele é também um Orixá Odé ( Òrìsà Ode) (Caçador). Para melhor entendimento o termo ioruba utilizado é : (ojo nti Ogum xoroke bó....)
(“Ojó ntí Ògún sórókè bo...”)
(No dia que Ogum desceu do alto da montanha....).
Ogum é um Orixá pataki (Òrìsà Pàtàkì ) “importante”, uma das quizilas de Ogum é que o iguinorem ou não lhe dê a atenção devida.
Ogum tinha um inimigo podero, um feiticeiro (oxô “Oso”) chamado de Aparó Debeara (Àparò Degbeaha).
Aparó sabia dessa fraqueza e quizila de Ogum.
Aparó preparou cerimônia na cidade, disse que as pessoas deveriam cumprir um preceito, ficar sem comer, ficar sem beber e ficar sem falar um dia completo, pois Aparó coincidiu este dia no dia em que Ogum chegaria na cidade, isto só para irritar Ogum.
Quando Ogum chegou na cidade, todas as pessoas não falavam com ele, ninguém o cumprimentou como Orixá Pataki (importante), isso deixou Ogum .
Ogum foi até uma cantina para que lhe dessem comida (adimu) e também emu (vinho de palma), mas ninguém lhe cumprimentou, nem lhe dirigiu a palavra.
Ogum pediu comida e bebida, mas como aquele dia todos estavam cumprindo um preceito criado por Aparó, ninguém o serviu.
Ogum muito irritado com com o fato de ser ignorado, começou a quebrar tudo naquela cantina, as pessoas vieram para impedir que Ogum destruísse o estabelecimento, Ogum já enfurecido com tudo que tinha acontecido partiu as pessoas ao meio.
Ogum perde a totalmente sua cabeça (juízo) quando está nervoso, ele matou homens, mulheres, crianças e retornou para sua casa.
No dia seguintes as pessoas foram até o ilê (casa) de Ogum, para lhe pedir que não ficasse bravo e voltasse a matar as pessoas da cidade, e lhe contaram tudo o por que daquele silêncio (o preceito), criado por Aparó.
Depois que Ogum compreendeu o que tinha acontecido ficou bravo por saber que tinha sido enganado por Aparó e tinha matado tantos inocentes, Ogum ficou muito triste e arrependido.
Março, o Mês de Ogum !!!
Oríkì Ògún
Ògún onílé (I)kú,
Ògún ma ṣe àwa lù Ikú,
Ma ṣe àwa lù ènìyàn,
Ma ṣe ènìyàn lù àwa,
Ògún Lákáayé, Ọṣìn[1] Ìmọlẹ̀
Ògún aládàá méjì
Ò fí ọ̀kan ṣánko
Ò fí ọ̀kan iyenà
Ọjọ́ Ògún n ti orí òkè bọ̀
Aṣọ iná ló mú bora
Ẹ̀wù ẹ̀jẹ̀ ló wọ̀
Ògún onílé owó, ọlọ́nà ọlà
Ògún onílé kángunkàngun Ọ̀run
Ó pọn omi sílẹ̀ fẹ̀jẹ̀ wẹ̀
Ọ̀rọ̀ Ògún l’ẹ̀wọ̀
Ọ̀rọ̀ Ògún ṣòrò
Ògún lò asíwájú ọnà mi
Àti wá l’ẹ̀hìn mi n fún ààbò ẹ̀nyin
Ògun, má jẹ́kí orí mi rí ìjà Ayé
Má jẹ́kí orí mi rí ìjà rẹ
Ògún pàtàki orí Òrìṣà
Bàbá àti onílé mi.
Ògún Yè, mo yè!
Àṣẹ o! Àṣẹ o! Àṣẹ o!
Tradução
Ògún, Senhor da morada da Morte
Ògún não permita que a morte nos atinja
Não nos desentenda com ninguém
Ninguém se desentenda conosco
Ògún, famoso em toda a Terra, líder dos Ìmọlẹ̀
Ògún, possuidor de dois facões
Com um ele corta
Com outro ele limpa os caminhos
No dia em que Ògún desceu do alto da montanha
Estava vestido de fogo
E usava roupas de sangue
Ògún, o dono da riqueza, o artesão da fortuna
Ògún, o dono de inumeráveis casas no Céu [mundo espiritual]
Aquele que tem água em casa, mas prefere banhar-se em sangue
A palavra de Ògún é tabu
A palavra de Ògún é sagrada
Ògún, seja o guia do meu caminho
E venha atrás de mim, dando-me vossa proteção
Ògún, não permita que minha cabeça veja as lutas do mundo
Não permita que minha cabeça veja sua luta
Ògún, o importante, Òrìṣà superior
Pai e Senhor de minha Casa.
Vivas a Ògún, vivas a mim!
Àṣẹ o! Àṣẹ o! Àṣẹ o!
Educação, bondade e gentileza de caráter na religião tradicional africana
Ìwà Pẹ̀lẹ́
Introdução
Os conceitos na língua Yorùbá são muito difíceis de serem traduzidos, pois é uma língua antiga, portanto de difícil compreensão para aqueles que não a dominam totalmente. Na Nigéria há vários centros de estudos da língua Yorùbá, que tentam resgatar toda sua beleza.
Para que os leitores possam compreender melhor este texto há dois conceitos que devem ser analisadas de antemão. Um é o Ìwà Pẹ̀lẹ́ e o outro é o Ìwà Rere:
- Ìwà Rere quer dizer, literalmente, caráter bom;
- Ìwà Pẹ̀lẹ́ não tem uma tradução literal para nossa língua. Pẹ̀lẹ́ indica um comportamento gentil, sensível, educado, polido, portanto abarca vários significados em sua etimologia, num amplo aspecto. Para nossa facilidade vamos traduzir Pẹ̀lẹ́ como bom, mas esclarecendo, uma vez mais, que Pẹ̀lẹ́ é um conceito que vai muito além da bondade.
Contextualizando
Ìwà Pẹ̀lẹ́ é considerado pelos Yorùbás como a representação do bom caráter e está relacionado com a capacidade prática de provocar mudanças evidentes de energia. Na religião tradicional Yorùbá isso é de suma importância, já que o caráter do homem demonstra seu coração e Olòdúmarè (Deus), o qual é chamado de “O buscador de corações”, vai em busca de nossos corações analisando-o sempre. Nas religiões tradicionais o coração desempenha papel importante.
Ìwà significa caráter, a energia da vida. Ìwà é o que caracteriza uma pessoa sob o ponto de vista ético. Para ser feliz uma pessoa deve ter Ìwà Pẹ̀lẹ́, pois quem tem bom caráter não entra em choque com os seres humanos, nem com os poderes sobrenaturais. Esse é o mais importante dos valores morais Yorùbá, e a essência da fé consiste em cultivá-lo.
Quando dizemos que uma pessoa tem bom Ìwà é porque em suas relações pessoais demonstra as qualidades corretas de um bom indivíduo. Isso é um dos conceitos básicos da religião tradicional Yorùbá, já que o bem-estar, seu desenvolvimento na vida, inclusive a extensão de seu caráter, será regido por Ìwà.
As ações diárias ou o viver cotidiano são produzidos pelo subconsciente, isso não é mais que o reflexo dos feitos, pensamentos e atitudes da vida. Uma pessoa em harmonia com a vida, está de acordo com o princípio universal e recebe de uma maneira acelerada as coisas boas da vida. O bom caráter é um escudo de proteção suficientemente sólido contra qualquer acontecimento, por duro, difícil ou extremo que pareça. Quem o possui a nada teme. Há um provérbio africano que diz que um bom caráter é armadura suficiente contra qualquer acontecimento desfavorável na vida, qualquer um que tenha um bom caráter não precisa temer nada. Há um Odù de Ifá que diz: “O bom caráter é a salvaguarda do ser humano, os covardes e temerosos carecem de proteção devido à sua moral e caráter”.
Não se deve confundir Ìwà com reputação. Nosso Ìwà é conhecido por nossa consciência e é imortal, vem de Olòdúmarè (Deus). A reputação, ainda que pareça com Ìwà, não é nada mais que um termo dado a nós pelos humanos, portanto é mortal e não o representa, já que há pessoas com boa reputação que não tem nem boa alma, nem bom coração, portanto não é Ìwà. Ao termos Ìwà Pẹ̀lẹ́ alcançaremos uma boa reputação. Nossa boa reputação ajuda a construir boas relações sociais. Essas relações sociais ajudam a construir uma comunidade forte e íntegra para nossos filhos e netos.
No corpus de Ifá, Ọ̀rúnmilá nos expressa isso nos seguintes Odus :
1) “Venha e olhe as inumeráveis crianças de Ìwà.
Ìwà leva as crianças em seus braços,
Venha e olhe as inumeráveis crianças de Ìwà.
O caráter é tudo o que se requer,
Na há nenhum destino a ser chamado de infeliz en Ife.
O caráter é tudo o que se requer.”
2) Em Irete-odi compreendemos que o bom caráter facilita os acontecimentos da vida,
os rendimentos de sua vida permanecerão em suas mãos.
O bom caráter é o que habilita a corda da vida,
Para tornar-se indestrutível na mão de alguém.
Assim declarou o Oráculo a Ọ̀rúnmilá
Quem, por meio do bom caráter,
Irá ganhar a corda da vida dos 401 Irúnmalè.
3) Não só há que ter bom caráter,
Mas colocá-lo em prática.
A lenda de Ìwà é relatada na literatura de Ifá:
Ìwà era uma mulher de rara beleza com quem Òrúnmílà se casou. Entretanto, apesar de sua beleza, tinha maus costumes e falava demais, sendo ainda preguiçosa e irresponsável. Depois de algum tempo ele, não podendo suportar seu mau comportamento, mandou-a embora. Quando Ìwà partiu, Òrúnmílà viu que não podia viver sem ela. Perdeu o respeito dos vizinhos, sua prática divinatória perdeu o valor, seus clientes se afastaram, ficou sem dinheiro, enfim perdeu tudo.
Vestiu-se de Egúngún e saiu por aí, à procura de Ìwà. Foi à casa dos 16 chefes de Ifá à procura da esposa, cantando na porta de cada um: “Grande Sacerdote de Ifá de Ajeró, é Ìwà que estou procurando. Se você tem dinheiro, mas não tem Ìwà, o dinheiro não é seu; se alguém tem filhos, mas não tem Ìwà, os filhos são de outra pessoa; Ìwà, Ìwà é que nós procuramos… Todas as boas coisas da vida que um homem tem, se ele perder Ìwà, elas passam a pertencer à outra pessoa. Ìwà é o que estamos à procura!” Depois de grande procura achou Ìwà casada com Olójo. Este se recusou a devolvê-la, e brigaram. Ọ̀rúnmilá, que havia oferecido um sacrifício antes de sair, venceu a luta e levou Ìwà de volta para sua casa.
Ao analisarmos a lenda vemos que Ìwà é simbolizada por uma mulher, porque para os Yorùbá a mulher representa os dois extremos: o amor (o bem) e a deslealdade (o mal). Ìwà pode ser bom ou mau. A lenda mostra, ainda, que o homem deve cuidar de seu caráter tão bem como cuida de sua esposa. A sociedade não pode sobreviver sem a mulher, da mesma forma que não se pode ser feliz sem ter bom caráter. Os versos da lenda significam que o homem que tem todos os bens materiais, mas não tem caráter, provavelmente irá perder tudo para uma pessoa de caráter. Ìwà é o atributo de maior valor entre todos no sistema Yorùbá.
Outro Odu de Ifa nos fala das pessoas que, cegas pelo poder ou que crêem que devido a este a energia do universo é sua, manifestam mudanças que provêm de seus interesses pessoais, a arrogância ou a ira, e não de seu bom caráter, de Ìwà Pẹ̀lẹ́. Exemplo disso vemos em Ogbe Ìwòrì que nos diz que quem tem muito amor pela riqueza perde seu bom caráter.
Em certas ocasiões os habitantes do mundo declararam que nada era mais importante que o dinheiro e eles descartariam qualquer coisa para correr atrás dele. Ọ̀rúnmilá lhes disse que deveriam pensar mais em Ifá e não honrar tanto o dinheiro. O conhecimento disto os levaria a desfrutar uma vida estável, saudável e de muitos anos de existência. Disse-lhes: “têm muito dinheiro, mas estão loucos, coxos, cegos e enfermos! Para que lhes serviu o dinheiro?
Ìwà Pẹ̀lẹ́ um estado de ser ou a maneira de ser, que é alcançado pela prática de nossa vida diária. Nesse estado poderoso que nos sustém podemos obter mais Aşè que podemos imaginar, é o Eu interior (Orì Inu) que nos permite decidir e atuar com integridade, inclusive nos momentos em que é difícil fazê-lo.
Podemos aprender, estudar, memorizar, cantar sabermos todos as rezas, tudo referente aos Òrìşà, mas se não exercermos o Ìwà Pẹ̀lẹ́ nunca teremos êxito. As palavras, os cantos, as idéias não se estenderão além das paredes do quarto em que são feitas.
Ìwà Pẹ̀lẹ́ se refere ao caráter moderado que nos permite tomar decisões cruciais que afetem o contexto do mundo em que vivemos. Em síntese, representa o que é correto universalmente e não algo arbitrário que possa alimentar nosso próprio Ego; o único caminho que nos permitirá ocupar nosso lugar no mundo de Olòdúmarè (Deus) é cumprir com nossos destinos.
A Ìylòrìşà Maria Inez nos traz uma excelente poesia que retrata bem os costumes e a importância que o povo Yorùbá dá à educação e à honra:
TỌ́JÚ ÌWÀ RẸ
Tọ́jú ìwà rẹ, ọ̀rẹ́ mi!
Ọlá a ma sí lọ n`ilé eni,
Ewà a sì ma sì l`ára enia,
Olówó òní `ndi olòsì b`ó d´ọ̀la
Òkun l`ọlá, òkun nìgbì ọrọ̀,
Gbogbo wọn l`o `nsí lọ nílé eni;
Ṣùgbón ìwà ni `mbá`ni dé sàréè,
Owó kò jẹ́ nkan fún `ni,
Ìwà l`éwà l`ọmọ enia.
Bí o l`ówó bí o kò ní `wà `nkó,
Tani jẹ́ f´inú tán o bá s`ohun rere?
Tàbí bí o sì se obìrin rògbòdò,
Bí o bá jìnà sí ´wa tí èdá ´nfẹ́,
Taní jẹ́ fẹ́ a s`ilé bí aya?
Tàbí bí o jẹ́ oníjìbìtì enia,
Bi tilẹ̀ mo ìwé àmòdájú,
Taní jẹ́ gbé ´ṣé aje fún o ṣe?
Tọ́jú ìwà rẹ, ọ̀rẹ́ mi,
Íwà kò sí ẹ̀kọ́ d`ègbé,
Gbogbo aiye ni `nfẹ́ `ni t`ó jẹ́ rere.
CUIDE DE SUAS MANEIRAS
Cuide de suas maneiras, meu amigo!
A honra pode abandonar nossa casa,
e a beleza, às vezes, acaba.
O rico de hoje pode ser o pobre de amanhã.
A honra é como o mar,
e também a onda da riqueza;
ambas podem escapar de nossa casa.
Mas as boas maneiras acompanham-nos até ao túmulo.
O dinheiro não é nada,
boas maneiras é que são.
Se você tem dinheiro, mas não se comporta bem,
quem irá confiar em você?
Se você é uma mulher muito linda,
mas não se comporta de maneira adequada,
quem desejará tê-la como esposa?
Cuide de suas maneiras, meu amigo!
Se você é muito educado, mas engana as pessoas,
quem confiará em você para negócios?
Sem caráter a educação está perdida.
Todos apreciam aqueles que têm bons modos.
Para ter uma vida próspera a pessoa deve desenvolver seu Ìwà Pẹ̀lẹ́. Ìwà Pẹ̀lẹ́ representa o crescimento da beleza interior e a profundidade de caráter. Por nossas ações e interações nós demonstramos que estamos em harmonia ou equilibrados com os conceitos universais e tradicionais da vida, o que mostra nosso respeito a tudo aquilo que faz parte da Criação. Ìwà Pẹ̀lẹ́ abarca a importância da responsabilidade e as conseqüências que vêm de positivo ou negativo em nossas ações.
Ao nos esforçarmos para termos Ìwà Pẹ̀lẹ́ adquirimos alguns atributos fundamentais:
- Integridade: administra sua vida e comportamento de acordo com os princípios religiosos e sociais, seguindo seu código de ética;
- Probidade: desenvolva a honestidade e confie para se tornar o guardião de não só segredos mundanos, mas também de mistérios sagrados. Com isso as pessoas sentirão confiança em você, permitindo uma melhor comunicação;
- Objetivo: não julga ninguém, nem tem preconceitos;
- Resignação: Aceita que as coisas acontecem ao seu tempo e sabe que ao terminarem elas estão findas. Tudo está sendo feito de acordo com a vontade divina. Porém essa resignação não é uma entrega ao destino, pois somos seres dotados de livre arbítrio e podemos lutar pelo nosso sucesso;
- Paz interna: torna-se una consigo mesma. Escuta sua voz interna e pensa antes de falar.
Por Mário Filho (Ifágbóògùn)
fonte: http://cefeco.wordpress.com/category/etica/
Algumas considerações sobre a cosmogonia Yorùbá e a reencarnação
É necessário esclarecermos alguns pontos de destaque na religião tradicional africana, que influenciaram diretamente o Candomblé e Umbanda:
- primeiramente os Yorùbá não criam no “céu” e “inferno”, pois para eles o maior castigo que existia era o de não poder se tornar um Àgbà Eégun (Grande Ancestral), merecedor de ser cultuado no Ilé Igbàále (Casa dos Antepassados) e assim ter a oportunidade de vir a ser, novamente, um Ayórunbò (retornado do além), por isso os Yorùbá crêem em reencarnação (àtúnwá), mas não é a mesma que existe no hinduísmo ou no espiritismo, pois, para os Yorùbá, voltar ao Àíyé (mundo físico) era uma certeza cíclica, sem fim, dentro de uma mesma linhagem humana, pela qual se perpetuava a conjunção dos Ancestrais com os seus descendentes vivos e aqueles que ainda iriam nascer.
Não há uma escala evolutiva entre os Yorùbá, mas é possível, através de seus atos, comportamentos, de seu Ìwà Pẹ̀lẹ́, em vida, trasnformar-se num Àgbà Eégun ou, ainda, tranformar-se em um Òrìşà.
Os Yorùbá crêem que existem nove céus (Mẹ́sàn Ọ̀run).
No mais alto deles (Àjàlórun) está OlỌ̀run (Deus): Ser Supremo, Incriador e Criador.
Olòdúmarè (outro nome de Deus) criou da lama (erùpè) Èşù Àgbà (Exu Primordial), dando-lhe vida através de seu hálito, com a incumbência de dinamizar, transformar e restituir tudo, quer no Ọ̀run, quer no Àíyé.
Logo depois Olòdúmarè criou Òrìşànla (Grande Orixá), um dos nomes de Ọbàtálá.
Em seguida foram criados os demais Irúnmọlẹ̀: os da direita (Ojùkòtún) e os da esquerda (Ojùkòsì) – que não tem nada que ver com bem e mal.
Os da direita são expressos pela cor Funfun (branca), e eram os realmente chamados Òrìşà.
Os da esquerda são expressos pela cor Dúdú (preta), denominados Ẹbọra.
Das relações entre essas duas classes de Irúnmọlẹ̀surgiram os demais seres do panteão Yorùbá, que tem a ver com o poder da realização (Àṣẹ), expressos pela cor pupa (vermelha).
Destes gerados existem:
- Os Ọmọdé Ọkùnrin, ou seja, os descedentes masculinos; e
- Os Ọmọdé Obìnrin, descendentes femininos, também chamadas de Ìyá-Mi (minha mãe, ou minha senhora)
Os Ọmọdé Ọkùnrin e Obìrin também eram colocados à esquerda e à direita, respectivamente.
Toda essa classificação era muito importante na ocasião das iniciações e na feitura dos assentamentos de um Irúnmọlẹ̀.
Infelizmente, no Brasil, isso se perdeu causado pela escravidão e a conseqüente reunião de todos os Irúnmọlẹ̀ num so espaço físico, tornando o apelativo Orixá comum a todos os Irúnmọlẹ̀, sejam eles da direita ou da esquerda, fossem geradores, ou gerados.
No credo Yorubá cada Ará Ọ̀run (corpo do além) deveria se “ajoelhar” aos pés de Ọlọ́run para pedir a Ele seu novo destino, antes de volta ao reencarnar, sendo, pois, assim, Olòrùn o seu verdadeiro ẹ̀lẹ̀dà (Criador), sendo que ao nascer como Ará Àíyé este estaria ligado a algum Irúnmọlẹ̀ (da direita) ou Igbàmọlẹ̀(da esquerda), que lhe emprestaria algumas de sua qualidades, que seriam “detectadas” pelo processo oracular de Ifá
Vê-se que o Ará Àiyé antes de reencarnar precisa da autorização e da destinação de Olórùn, por isso é necessário que ele esteja em condições de ficar em sua presença, e é preciso que ele esteja em alguns dos céus (além) e não perdido, como, p.ex., as almas dos suicidas.
Olòdúmarè após criar o mundo pediu a Ọbàtálá que moldasse o corpo do ser humano de argila, para que fosse animado por Olòdúmarè; portanto ele deu a forma onde habitaria nossa alma, ou espírito.
Olòdúmarè recebe o epíteto de Ọlọ́run (Senhor do Céu) e de Ọlọ́fin (possuidor da lei divina), sendo que em algumas tradições Ọbàtálá (rei que se veste de branco) é chamado de Ọlọ́fin.
Em todas as tradições africanas de origem nagô Ọbàtálá recebe o epíteto de Òrìşànla (Grande Orixá), que acabou virando Oxalá, pois é comum entre os Yorubás fazerem a simplificação fonética (metaplasmo) de várias de suas palavras, podemos concluir, então, que Oxalá é um epíteto de Ọbàtálá, o criador do corpo (ará) do homem.
Na criação do corpo (ará) do ser humano Ọbàtálá foi ajudado por seu auxiliar Àjàlá (ou Ijàlá), por isso ele é considerado como o “Senhor de todas as cabeças (ori)”, daí deduziu-se que ele é o responsável por todas as coisas que estão acima, ou as que dirigem as coisas.
(fonte Wande Abimbola, in Ijinlé Ohún Enu Ifa-Apá Keji , Ibadan, 1976 e J.A. Ademakinwa, in Ife Cradle of the Yoruba , Lagos, 1958)
Por Mário Ifágbóògùn Filho
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Fora da Tradição não há Iniciação
Por Mário Filho (Fágbóògùn)
Ando com o meu pavio cada vez mais curto. Quanto mais besteiras, idiotices, sandices, loucuras, absurdos, invencionices, charlatanismos, etc e quanto mais eu leio e ouço, mais esse pavio se encurta.
Daí eu me pergunto: o que está acontecendo para existir tantas besteiras, idiotices, sandices, loucuras, absurdos, invencionices, charlatanismos, etc? Confesso que não tenho uma resposta para dar, mas acredito que isso esteja acontecendo pela banalização do sagrado e pelo abandono da Tradição. Diariamente a Tradição é aviltada e esquecida, jogada no lixo como algo de “velhos” e “ultrapassados”. Sempre falo e escrevo as seguintes frases: “Sem a Tradição não há Iniciação”, “Fora da Tradição não há Iniciação” e “Sem a Tradição não há Salvação”, mas, porém, todavia, no entanto, contudo, entretanto, apesar disso, ainda assim, é meu dever, como Sacerdote, tentar esclarecer e evitar que isso se perpetue.
Além disso, há que pensarmos que enquanto há os pulhas que enganam, há os bobocas que são enganados. Como se diz por aí: “todos os dias nasce um trouxa e um esperto e eles vão se encontrar”. Ora, trouxa, neste mundo, todo mundo já foi, pelo menos uma vez; o duro é permanecer trouxa pelo resto da vida!
Contudo, onde quero chegar? O que quero dizer com essa introdução? É simples: quero evitar que as pessoas continuem sendo trouxas. Não se quer ou se deseja um monte de espertos, mas pessoas esclarecidas, de verdade!
Sabe-se que com a modernidade, o pensamento cartesiano de René Descartes (considerado o “pai” da filosofia moderna), o positivismo de Augusto Comte e o niilismo de Nietzsche, influenciaram e influenciam o modo como as ciências e a vida são vistas, influenciaram e influenciam, do mesmo modo e na mesma proporção, a visão das religiões e das religiosidades.
Vamos, então, fazer algumas análises sobre as três correntes de pensamento filosófico que citei:
- Cartesianismo: para Descartes (um teísta) um objeto só será analisado adequadamente pelo uso da razão, devendo-se decompor este objeto em partes isoladas e distintas, fragmentando-o e dividindo-o a fim de o compreender, estudar e criticar e, ao final, classificar as partes do objeto, “encaixotando-as” em categorias, colocando-as em ordem de importância hierárquica. Esta forma de pensamento nós vemos principalmente na Umbanda, que classifica, divide e estabelece as hierarquias do mundo espiritual, influência clara do espiritismo kardecista, sobejamente influenciado pelo pensamento cartesiano. Vemos, ainda, as classificações dos Exus, Caboclos, Orixás etc, na qual tudo deverá estar organizado hierarquicamente e nada pode estar fora disso. Tudo deverá ter seu lugar, arrumadinho, como se fosse numa bela estante de livros.
- Positivismo: para Comte o objeto em análise só poderia ser observado verdadeiramente pelo uso da experimentação, e de sua classificação a fim de obter os verdadeiros dados, tendo a ciência ou experimento científico como único recurso para investigação do objeto. O pensamento positivista é marcado pela ideia de que a humanidade avança de uma época bárbara e mística para outra civilizada e esclarecida, em melhoramentos contínuos. Esta teoria influenciou enormemente o espiritismo kardecista e a Teosofia de H. P. Blavatsky.
- Niilismo: para Nietzsche, expoente desta corrente filosófica, os valores e a moral são inúteis, afirmando que nada é real e que tudo o que existe é porque os seres humanos dizem que é. Nietzsche é inimigo de qualquer forma de religião, em especial do Cristianismo e do Budismo, chamando-os de religiões da decadência. Para Araldi (2008, p. 5) “o niilismo tem suas raízes na Antiguidade (em Sócrates, Platão e no cristianismo), devido a uma doença da vontade, fisiologicamente condicionada, a uma tendência negadora da vida que inventa o supra-sensível como um refúgio para sua incapacidade de viver”. Nietzsche desenvolve um pensamento no qual afirma que a democracia e a igualdade entre os seres humanos é uma falácia, sendo que o homem precisa evoluir para algo além do próprio homem. A teoria niilista influencia enormemente os círculos ocultistas do Séc. XIX e XX, especialmente Aleister Crowley, cuja obra é permeada de conceitos oriundos daquela teoria, além do pensamento satanista contemporâneo, este também extremamente influenciado pelo niilismo.
Assim, o evolucionismo mascarado nestas três correntes de pensamento filosófico vai apoiar a idéia de que “nada é verdadeiro, tudo é relativo”. Desta forma não haveria nenhum valor absoluto ou verdade, moral, beleza, religião, dogma; nada seria estável, apenas a evolução, esta sendo a única ideia absoluta. Ora isto é uma falácia: se nada é absoluto, a evolução também não o é! Assim, o evolucionismo não pode prosperar!
Mas, o que tudo isso tem a ver com o que estou discutindo? Bem, não podemos negar, em nenhuma hipótese, a influência que o espiritismo kardecista exerceu e exerce nas manifestações religiosas afro-brasileiras. O espiritismo kardecista é, por excelência, evolucionista, sendo que a premissa básica e fundamental do espiritismo está ancorada na crença “da imortalidade da alma e na evolução espiritual” (AURELIANO, 2011, p. 31) e, de acordo com Alan Kardec, “todos os espíritos foram criados por Deus imperfeitos e a todos foi dado o livre-arbítrio para fazerem as escolhas necessárias a sua evolução espiritual” (id., ibid.).
Alan Kardec abusa da boa vontade de seus leitores! Como é possível a ele acusar Deus de fazer imperfeita a Sua criação por Seu bel-prazer? Então, segundo Kardec, podemos pensar que Deus, em um dia em que não tinha o que fazer, pensou assim: “Vou criar seres imperfeitos, para que eles evoluam à perfeição!” Deus, então, criou deliberadamente espíritos imperfeitos? Para quê? Ora, poupem-me!
Esta noção de evolucionismo presente na obra de Kardec, especialmente a evolução espiritual, está relacionada, além das teorias presentes em algumas religiões orientais, tais como o hinduísmo e o budismo (apesar de haver diferenças doutrinais e teológicas gritantes e até antagônicas entre elas e o espiritismo), às “teorias evolucionistas que marcaram as ciências naturais e humanas na segunda metade do século XIX” (id., p. 32), especialmente as doutrinas positivista e cartesiana. “Assim, a negação do sobrenatural e da magia como formas de explicação para as manifestações dos espíritos, a exclusão do sagrado e dos ritos na conformação da prática da doutrina e o uso de experimentos para comprovar a comunicação com o mundo dos mortos seriam meios de fazer do espiritismo uma forma de conhecimento, destinada ao estudo das relações entre o mundo físico visível e o invisível, pautada no raciocínio lógico” (id., p. 33). Nada mais racional e positivista, não é mesmo? Assim, pela influência que as religiões afro-brasileiras sofrem do espiritismo, os seguidores dessas religiões acabam por criar teorias que se enquadram no pensamento positivista e cartesiano no qual o espiritismo kardecista se estriba.
Outra questão que não podemos nos esquecer é a influência que o ocultismo (abrangendo todo o movimento ocultista dos Séc. XVIII ao XX) e a teosofia de H. P. Blavatsky exerceram em religiões afro-brasileiras. Vemos, por exemplo, teorias do Marquês Saint-Yves d’Alveydre e de seu mestre Fabre d’Olivet, do abade Eliphas Levi e do médico Papus, entre outros, sendo adaptadas por alguns segmentos umbandistas, passando a fazer parte da doutrina destes segmentos. Outra influência que certos cultos afro-brasileiros sofreu foi da teurgia e da goetia, esta especialmente desenvolvida pelo poeta Aleister Crowley.
Assim, tudo ficou um balaio de gatos, sem levar em conta aquilo que a Tradição original, que deu início aos cultos afro-brasileiros, pregava, tornando-se esta Tradição algo ultrapassado e que teria que evoluir com o enxerto de inúmeras e estranhas teorias, totalmente diversas ao sentido original que aqueles cultos possuíam. Podemos observar, hoje, a Gnose de Samael Aun Weor e a teoria dos Mestres Ascensionados de H. P. Blavatsky (como a famosa chama violeta atribuída ao Conde de Saint Germain) se transformar em material doutrinário umbandista, por exemplo, havendo um rompimento total com aquilo que era proposto pelos primeiros praticantes dos cultos e religiões afro-brasileiras.
Sempre ouço: “Ah, as coisas evoluem” e isso me arrepia, irrita e apavora! Como assim!? As coisas evoluem!? O que isto quer dizer!? Respondo: nada, pois a Tradição é Tradição e não nos compete mudá-la ou contradizê-la, mas seguí-la. Se não concordamos com algo desta Tradição a qual seguimos, devemos abandoná-la, devemos deixá-la de lado e sermos honestos conosco mesmos e com os outros e, principalmente, com a própria Tradição.
Exemplifico: se você é do Candomblé e não admite o sacrifício, palavra que vem da junção de duas palavras latinas sacrum (divino, sagrado) e officium (dever, serviço, cortesia, ocupação), ou seja, um “dever sagrado” com o qual não concorda, você deve abandonar o Candomblé.
A mesma situação se deve à Kimbanda, se você não concorda com o sacrifício de animais não continue nela. Em ambos os casos você pode, muito bem, ir para a Umbanda que não sacrifica animais (em que pese haver algumas linhas de Umbanda que sacrificam animais, como a Omoloko). Assim, você estará sendo verdadeiro e não abandonando a Tradição.
Outro problema, oriundo do abandono da Tradição é a proliferação de “Sacerdotes” e “Sacerdotisas” auto-declarados, que não passaram pela experiência e formação de um lugar de culto afro-brasileiro, que não possuem a preparação adequada e que resolvem abrir sua Casa, mesmo não tendo nenhuma condição para isso. Como não têm experiência, nem mesmo base para exercerem o sacerdócio, começam a enxertar coisas (principalmente de livros de outros enxertadores, nos quais se baseiam). Como inserem assuntos que agradam ao público ignorante e malemolente, este passa a seguí-lo, tendo-o como pessoa “iluminada” e capaz de conduzi-los por um caminho espiritual. Ledo engano! São cegos conduzidos por outro cego (sem nem uma bengalinha para ajudar!J)!
Muito pior são aqueles que se acreditam “avatares” e “mestres”, que se arvoram de um conhecimento iniciático que não possuem, pois não passaram por nenhum rito iniciatório e se propõem a introduzir pessoas naquilo em que não foram iniciados. Acreditam, piamente, que possuem uma “autorização do astral” para fazerem o que bem entendem. Isto é um acinte, que afronta totalmente a Tradição. Neste sentido, vamos ver o que diz alguns mandamentos de Ifá (um dos sistemas filosófico-religiosos mais completos do mundo) dizem sobre o assunto (extraídos do Odú Ìká-Òfún):
1º. Não digam o que não sabem!
Interpretação: Um sacerdote não deve enganar ao seu semelhante acenando com conhecimentos que não possui. E jamais dizer o que não sabe, ou seja, passar ensinamentos incorretos ou que não tenham sido transmitidos pelos seus mestres e mais velhos ou adquiridos de formas legítimas. É necessário o conhecimento verdadeiro para a prática da verdadeira religião. Quem abusa da confiança do próximo, enganando-o e manipulando-o através da ignorância religiosa, sofrerá graves conseqüências pelos seus atos. A natureza se incumbirá de cobrar os erros cometidos e isto se refletirá em sua descendência consangüínea e espiritual.
2º. Não façam ritos que não saibam fazer!
Interpretação: Não se podem realizar rituais sem que se tenha investidura e conhecimento básico para realizá-los. Não se pode fazer aquilo que não sabe ou que não aprendeu.
(…)
12º. Não desrespeitem os mais velhos, a sabedoria está com eles.
Interpretação: Deve-se respeitar e tratar muito bem aos mais velhos, principalmente os mais antigos nos cultos e religiões afro-brasileiras. O respeito aos mais velhos é um dos principais fundamentos de uma religião onde, reconhecidamente, antiguidade é posto. Faltar-lhes com o devido respeito e atenção é como lhes retirar o bastão em que se apóiam. Aquele que sabe respeitar, acatar e amar aos seus mais velhos, sem dúvida receberá o mesmo tratamento quando também caminhar apoiado no seu próprio bastão.
Os mais velhos, pelas experiências vividas, representam verdadeiros mananciais de sabedoria onde cada um deve procurar beber um pouco, saciando a sede de saber. São livros sagrados, cujas páginas devem ser lidas com paciência e carinho. Religiões que, durante séculos incontáveis, tiveram seus fundamentos transmitidos oralmente, valorizam sobremaneira, aqueles que são depositários destes conhecimentos. Um velho, por mais obtuso que possa parecer à primeira vista, sempre terá algo, obtido nos longos anos vividos, a ensinar. Devemos lembrar sempre que, se antigüidade é posto, saber é poder!
Como se pode ver, o afastamento da Tradição e do tradicional enfraquece a tudo e a todos. Se, por algum motivo, você não concorda com algo que se pratica em sua Casa espiritual ou que se faça em seus ritos e cerimônias, saia, encontre outro lugar tradicional, diga-se, para continuar seu trabalho.
O que não se pode fazer é sair e inventar o seu próprio sistema e considerá-lo melhor e mais “evoluido” que o anterior e começar uma vida sacerdotal sem nenhum preparo para tanto.
Diplomas de Sacerdote não habilitam ninguém a exercer o Sacerdócio. Somente anos de experiência e dedicação a/em uma Casa de tradição, aprendendo no dia a dia, habilitará alguém a ser, de verdade, um Sacerdote. Não seja mais um desses tantos pseudos Sacerdotes que existem por aí!
Referências bibliográficas:
ARALDI, C. L.. Para uma caracterização do niilismo na obra tardia de Nietzsche. São Paulo: FFLCH/USP, Grupos de Estudos Nietzsche, Cadernos Nietzsche nº 5, p. 75-94, 1998.
AURELIANO, Waleska de Araújo. Espiritualidade, saúde e as artes de cura no contemporâneo. Tese (doutorado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, 2011.
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Fora da Tradição não há Iniciação
Conhecimento de Ifá
Ìbà Olódùmarè, Ọba àjíkí! [Reverencio Olódùmarè (Deus), o Rei que louvamos em primeiro lugar]
Ìbà Olódùmarè atẹ́ rẹrẹ-káyé! (Reverencio Olódùmarè, Senhor do Universo que se espalha por todo o mundo, abarcando-o com sua Bondade e Misericórdia)
Ìbà Olódùmarè, Ọba A-ṣè-kan-má kù! (Reverencio Olódùmarè, Rei cujas obras são realizadas com perfeição)
Ibá Olódùmarè, mà l’ Ọba pàtàkì! (Reverencio Olódùmarè, o Rei mais importante)
Ìbà Ọba Àwọn Ọba! (Reverencio o Rei dos Reis)
Afirmações extraídas do conhecimento de Ifá:
Adaptado por Mário Filho (Ifágbóògún) de texto de Rener Ifaponle
1. Só há apenas um e único Deus (Olódùmarè);
2. Não existe Diabo;
3. Excetuando-se o dia em que uma pessoa nasceu e o dia em que ela morrerá, não há um único e sequer evento em sua vida que não possa ser previsto (por meio da consulta a Ọ̀rúnmìlà/Ifá) e, quando necessário, mudado;
4. É direito das pessoas, como seres humanos e criaturas de Deus, serem felizes, terem sucesso e realizações;
5. Durante o desenvolvimento da vida dever-se-á progredir, obtendo sabedoria durante este processo;
6. O Paraiso (Ọ̀run) é o Lar da humanidade e a Terra (Ayé) é o lugar onde se adquire bens para permanecer no Paraíso. Está-se em trânsito constante entre os dois mundos;
7. Um ser humano nunca deverá prejudicar outro;
8. Um ser humano nunca deverá prejudicar a comunidade da qual faz parte;
9. As capacidades temporais e espirituais dos seres humanos deverão trabalhar juntas para o progresso de todos;
10. Todos nascem com um caminho específico. A meta de cada ser humano é percorrê-lo adequadamente. A consulta a Ifá (divinação) fornecerá o mapa que evitará que ele se perca;
11. Todos os ancestrais deverão ser louvados;
12. Sacrifício (Ẹbọ) garante o sucesso (Àṣẹ);
13. O Orixá (Òrìṣà) vive em nós;
14. O medo existe, porém é dever do ser humano não deixar que ele o domine. A divinação oferecerá meios de controlar o medo e saber como evitá-lo;
15. O ser humano não deve ter preguiça, esforçando-se para obter sabedoria em todos os momentos de sua existência;
16. A vida de um iniciado em Ifá é cheia de privações, porém o resultado é uma vida plena de felicidade e realizações.
sexta-feira, 14 de março de 2014
‘Ensino religioso aumenta intolerância nas escolas públicas’, afirma pesquisadora
Encantada com o aprendizado e as crianças nos terreiros, a autora de ‘Educação nos terreiros – e como a escola se relaciona com as crianças do candomblé’, publicado pela Pallas em 2012, Stela Guedes Caputo, pesquisou a fundo a relação da religião afro-brasileira com a educação pública no Rio de Janeiro.
Defensora da extinção do ensino religioso obrigatório, ela evidencia em suas pesquisas como essas crianças sofrem com a discriminação nos colégios. Segundo ela, o cenário tende a piorar, com o conservadorismo se enraizando cada vez mais no conteúdo das disciplinas e a pauta do Vaticano sendo incorporada.
Na entrevista ela revela como são estabelecidos os critérios da formação dos professores, os conteúdos dos materiais didáticos, as verbas destinadas para esse objetivo e suas perspectivas, além de denunciar como o modelo idealizado pelo governo está desconectado à prática nas salas de aula. Propõe, ainda, uma PEC para retirar a obrigatoriedade do ensino religioso da Constituição.
Você pode falar um pouco sobre o que originou a pesquisa do seu livro?
Eu era jornalista, trabalhava no jornal ‘O Dia’, e em 1992 recebi uma pauta do editor para fazer um mapeamento dos terreiros na Baixada Fluminense. Quando cheguei ao terreiro de Mãe Palmira, o Ile Omo Oya Legi, em Mesquita, vi o Ricardo Neri, um menino ogan, tocando atabaque. O real sempre surpreende e dá uma pauta melhor, não sabia que as crianças podiam ocupar cargo na hierarquia do culto. Publicamos uma matéria bem interessante sobre como as crianças aprendem no terreiro, inclusive o yoruba, e respeitam a hierarquia e a ancestralidade.
Mas com os limites de uma página de jornal, e também porque nos jornais hoje temos uma pauta e amanhã outra. Continuei estudando como as crianças aprendem no terreiro e fui fazer mestrado e doutorado na PUC e pós doutorado na UERJ, tudo em educação. Voltei ao terreiro, onde permaneci por 20 anos, e também escolhi o terreiro da mãe Beata, em Miguel Couto, e o de Égun, que é outro tipo de culto no candomblé, em Belford Roxo.
Só que as crianças começaram a dizer que havia problemas na escola. Em 1992 eu já havia escutado do Ricardo, então com 4 anos, que uma professora o chamou de filho do diabo. Achei estranho, e quando voltei em 1996 novas crianças diziam o mesmo. Já tinha havido também uma repercussão negativa, porque o Bispo Macedo comprou as fotos que a gente fez na Agência O Dia e publicou o livro ‘Orixás, caboclos e guias – deuses ou demônios’?
Ele colocava de forma pejorativa as crianças. Então estabeleci dois caminhos na pesquisa: saber como as crianças aprendem, que é uma coisa inesgotável, e como são discriminadas na escola. Fiquei na escola e no terreiro, entrevistei professores de Ensino Religioso (ER) e de outras disciplinas para verificar qual era a relação. Resultou na minha tese de doutorado concluída em 2005, e esperei mais 7 anos para publicar o livro. Entendi melhor o candomblé e vi que essas crianças não mudaram de opinião. Elas tiveram filhos e constatei que na nova geração, infelizmente, é pior. As crianças estabeleciam táticas, diziam que eram católicas na escola para não sofrer. Elas têm orgulho da fé, religião, hierarquia, comunidade de terreiro, se sentem muito bem, mas do portão para dentro. Isso é o cruel de uma prática que eu chamo de discriminação religiosa e racial, porque a maioria é negra.
Você pode descrever melhor essa associação entre religião e raça?
Educação nos terreiros – e como a escola se relaciona com as crianças do candombléO que aqui conhecemos por candomblé chega com os negros escravizados. Segundo Ellis Cashmore, antes do fim do tráfico de escravos, em meados do século XIX, cerca de 12 a 15 milhões de africanos foram transportados para América do Norte, Central e Sul. Edgar Robert Conrad estima que mais de 5 milhões foram trazidos ao Brasil entre 1525 e 1851. A classe dominante brasileira queria “apenas” o corpo escravizado para erguer este país sob seus interesses, mas não sabia o que vinha dentro desse corpo. A África não é homogênea econômica, política ou culturalmente, tampouco na religião.
Então o que nos marca são esses grupos que vão fazer nascer no Brasil o Xangô de Pernambuco, o tambor de Mina do Maranhão, o batuque no Rio Grande do Sul, o candomblé Angola, Jeje ou Ketu, na Bahia, sudeste e outras regiões do Brasil. Dentro do corpo vieram, portanto, os inkices, voduns e Orixás. Esse sagrado, nenhuma chibata arrancou e nem a morte é capaz de arrancar.
Sabemos que a raça não é senão um conceito político que só pode desaparecer enquanto categoria de análise social quando o racismo também desaparecer. O racismo é um sistema completo, integral. Quando você odeia alguém por sua raça você o odeia inteiramente, inclusive seu modo de crer e significar o mundo. E não podemos mais dizer que o candomblé é uma religião simbolicamente só de negros, embora majoritariamente seja. Na análise dos insultos raciais estudados por Antônio Sérgio Guimarães ele localizou insultos comuns como “negro macumbeiro”. A maioria das crianças de minha pesquisa ao longo desses mais de 20 anos é negra, e todas relatam já terem sofrido esse mesmo tipo de insulto.
Qual o cenário aqui no Rio de candomblecistas, e quais as leis vigentes em relação ao ensino religioso na rede pública?
O último Censo do IBGE, em 2010, aponta que há 50.967 candomblecistas no Rio, enquanto na umbanda chega a 89.626. Os neopentecostais têm crescido muito, inclusive convertendo muitos membros de terreiro aqui e em África. Mas qualquer número sobre essas religiões nunca será preciso: historicamente perseguidos, não são religiões de conversão, e são de awô (segredo). É certo, no entanto, que o número de candomblecistas tem caído. Por outro lado muitas campanhas pelas ações afirmativas, incluindo a maior visibilidade de candomblecistas, também crescem e acho que poderemos ter um novo desenho numérico de aproximação.
Em relação às leis, na Constituição de 1988 a obrigatoriedade do ensino religioso permanece. Cria uma esquizofrenia, porque ela continua dizendo que o Estado é laico e, portanto, não temos uma religião oficial. Os estados têm autonomia, então no Rio de Janeiro, em 2000, o governador Garotinho sanciona a lei do deputado católico Carlos Dias e estabelece o ensino confessional.
Em 2004, Rosinha faz o concurso e contrata 500 professores de ER que se somam aos 364 professores na rede estadual que, desviados de suas disciplinas, já lecionavam religião. Isso se torna mais grave quando o Sindicato dos Profissionais de Educação do Rio informa que a demanda de professores é da ordem de 12 mil professores.
Ser confessional significa que cada professor confessa sua fé, e fará concurso para ela. Assim temos 68,2% católicos, 26,31% evangélicos, 5,26% de outras religiões. A Coordenação de Ensino Religioso (CER), da Secretaria Estadual de Educação, diz que em 2003 realizou pesquisa e constatou esse percentual nas religiões dos alunos.
É uma pesquisa furada porque não leva em conta que historicamente candomblecistas não revelam sua fé por conta da perseguição religiosa, pois não é de conversão e se trata de uma religião de awô (segredos), o que faz o silêncio uma de suas práticas. Mas silêncio não deve ser confundido com silenciamento. O ER é uma violência contra religiões não hegemônicas, contra os ateus e, sobretudo, contra alunos e alunas do candomblé e umbanda, os mais perseguidos.
Como isso acontece na prática?
A nossa escolarização pública é marcada pelos objetivos de catequese desde que os jesuítas chegaram em 1549. No ano seguinte constroem uma capela e um colégio, achavam que deviam estar em todos os espaços não só para fazer novos católicos, mas, principalmente, combater os não católicos. Com a reforma pombalina e a expulsão dos jesuítas em 1759 temos uma primeira tentativa de separar religião da educação, que só será realizada oficialmente com a República na Constituição de 1891. Mas de lá para cá esses setores conservadores da igreja católica impuseram derrotas aos setores laicos.
Na Constituição de 34 a religião passa a ser matéria com oferta obrigatória no currículo, na de 37 há um pequeno recuo e passa a ser uma possibilidade, no texto de 46 volta a ser obrigatória mas facultativa e, em 67, já na Ditadura, permanece obrigatória, mas sem ônus para os cofres públicos.
Hoje é ainda pior, já que só no Rio, tanto no Estado como no município, os gastos com ER são de cerca de R$ 16 milhões anuais. Não satisfeita, a Igreja católica pressiona para a assinatura da Concordata Brasil-Vaticano em novembro de 2008, quando Lula assina o acordo com Bento XVI. O artigo 11 da atual constituição é um absurdo, porque além de destruir qualquer vestígio de laicidade assegura o privilégio da igreja católica e a coloca como referência.
Se perguntar para a Coordenação de Ensino Religioso (dirigida por católicos desde sempre) ela vai dizer que esta disciplina não é proselitista, ou seja, não é para converter, é apenas para “passar valores”. Muita gente se engana com isso (ou é cínica mesmo). Tão logo a Concordata foi assinada, o jornal virtual da comunidade “Canção Nova”, ligada ao movimento dos católicos carismáticos, detalhou no seu artigo 11 que a educação religiosa por natureza é sempre confessional. Os iludidos (ou cínicos) precisam estar nas escolas públicas para ver o que acontece: alunos ungidos com óleo bento por serem de outra religião, humilhados por serem ateus, exorcizados por serem candomblecistas ou homossexuais.
Como a disciplina é organizada e como os professores preparam seu conteúdo?
Nas escolas do estado a proposta é que no futuro os estudantes sejam separados por turmas e assistam a aula de seu credo. Já exclui o argumento de que o ER ajude a diminuir a intolerância e amplie os conhecimentos de todas as religiões. Na prática, todos os credos estão em uma única aula desses tais “valores”. Desde 2004 eu entrevistava os professores sobre que material usavam, e a maioria respondia que selecionava da bíblia o que fosse comum para católicos e evangélicos. Como isso é possível? A bíblia é um valor para quem?
Além disso, há muito texto do Padre Zezinho, Marcelo Rossi e materiais da Campanha da Fraternidade. Em 2007, a Cúria Diocesana do Rio lança a coleção didática de livros católicos. São 4 volumes de muito retrocesso não apenas porque ofende o candomblé, mas porque traz uma visão conservadora de família e mulher, e é racista porque mantém negros em papéis subalternos.
Trabalhamos há anos para que se avance na direção de uma educação multicultural crítica, antirracista e libertária e vem a Igreja com sua pauta obscurantista em rico papel couché, ilustrada pelo Ziraldo, na contra mão reacionária. E por que digo que ofende o candomblé? Porque na página 56 de um dos volumes, chamado “A Igreja de Cristo”, lemos: “A Umbanda não faz uso de sacrifícios de animais em seus rituais, porque respeita a vida e a natureza”.
Além de um equívoco de informação porque dependendo da linha muitas casas de umbanda fazem a oferenda de animais, trata-se de uma agressão explícita ao candomblé para quem o ritual da oferenda é estruturante. Há uns 10 anos venho discutindo, conversando, fazendo palestras sobre isso e, ao conversar com grupos de professores do município estes diziam que não era problema deles pois nas suas escolas não havia a disciplina. Eu já alertava, e em 2011 o prefeito Eduardo Paes cria por decreto a disciplina. Fez concurso e existem cerca de 400 professores de ER no município que, a exemplo do estado, também é confessional.
E como acontece a formação desses professores?
Para o concurso se exige licenciatura e credenciamento pela autoridade religiosa, o que ofende ainda mais a laicidade. Ela fiscaliza se o professor vai abandonar ou não a religião, e pode descredenciá-lo caso mude. Desde 1996 acontecem os Fóruns de Professores de Ensino Religioso do Rio, ou seja, desde antes da aprovação do confessional e do concurso. São encontros anuais que a Secretaria de Educação organiza e realiza só com esta área para fortalecer e padronizar o que chamo de missionarismo nas escolas públicas.
No material distribuído no Fórum de 2010, por exemplo, constava: “apresentar a Campanha da Fraternidade 2011, numa postura de parceria com a Igreja católica”. Outra atividade agendava a celebração do “Dia de Ação de Graças nas escolas públicas”.
Veja a definição do dicionário Houaiss para o termo laico: “Laico é aquele que não pertence ao clero nem a uma ordem religiosa. Aquele que é hostil à influência da Igreja e do clero sobre a vida intelectual e moral e sobre as instituições e os serviços públicos”. Por mais que tentem distorcer ou achar outro significado que sirva aos interesses obscurantistas, organizar a Campanha da Fraternidade, dentre outros, não cabe em absolutamente nenhuma flexibilização que se faça desse conceito.
Os alunos frequentam as aulas de Ensino Religioso?
A Constituição diz que a oferta da disciplina é obrigatória e a frequência facultativa, mas a frequência é praticamente de 100% por vários motivos. Muitas escolas sequer avisam que os alunos podem não frequentar essas aulas, e embora a Lei de Diretrizes e Bases diga que a escola deva oferecer uma atividade alternativa para os que não desejarem assistir às aulas de ER, isso nunca acontece. Muitos pais também desejam o ER na esperança de resolver problemas de indisciplina ou agressividade dos filhos e filhas, o que também é desejado por professores que já lidam cotidianamente com esse problema na escola. Eu não quero ser pessimista, mas acho que tudo ainda pode piorar.
No Fórum de 2010 entrevistei 20 dos 100 professores que compareceram, e todos afirmaram que desejam que a frequência dos alunos seja obrigatória. Desejam que sua disciplina seja plena como as demais, e isso também vale para avaliação. ER confere uma nota, mas não reprova. Todos também disseram desejar que o ER reprove. Todo mundo sabe que a avaliação é participação, presença e uma prova ou trabalho final. Como um aluno de candomblé vai participar de uma aula que fala de catolicismo? Ele não se reconhece, recebe um livro didático dizendo que ele não respeita a vida e a natureza, apesar de o candomblé ser uma religião altamente ecológica. E também tendemos a avaliar mais positivamente quanto mais o avaliado se parecer conosco.
Em qualquer área da educação há que se ter muito cuidado com isso para não se cometer injustiças nem discriminações. Como fazer uma avaliação de ER se a perspectiva desse professor é a conversão? Se não revertermos o processo que avança, um dia o ER vai conferir uma nota que reprove.
Quais as propostas dos diferentes setores que discutem a questão?
Não há unanimidade. Há quem ache que é possível um ER plural, já alguns católicos reconhecem a impossibilidade de qualquer ensino religioso que não seja confessional. Há os que defendem um ER que fale da história das religiões. Ora, quem pode fazer isso? Quantas infinitas formas de significar o mundo subjetivamente existem? Penso que a filosofia sim deveria discutir as diferentes expressões de pensamento, tanto idealistas como materialistas, e incentivar a crítica intelectual dos estudantes que devem submeter tudo ao seu próprio pensamento duvidoso e interrogador do mundo. Há quem defenda que as religiões como candomblé e umbanda devem disputar hegemonia. Imagina se isso seria possível? Candomblé se aprende em terreiro e não na escola, assim como catolicismo se aprende na Igreja e protestantismo nas diferentes assembleias.
As religiões devam ser impedidas de circular nas escolas? Não, porque não somos um Estado ateu. Somos um Estado laico e somente a garantia total da laicidade pode garantir que as diferentes expressões religiosas circulem com seus símbolos e tensões nas escolas. Lidar com essas diferenças e tensões é mais um entre os tantos desafios dos professores e professoras. Há quem acredite que o ER possa ser um espaço para se ensinar Direitos Humanos. Penso que a função principal de qualquer disciplina é essa. Pensar que a disciplina de ER é o espaço dos Direitos Humanos é esvaziar as disciplinas de sua principal função. Então não há disfarce. Defendo uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que retire da Constituição a obrigatoriedade do ER das escolas públicas.
E isso resolveria essa intolerância religiosa nas escolas?
Não resolveria. O ER contribui muito para o obscurantismo, legitima o racismo e a discriminação religiosa. É claro que existem exceções, professores que realizam uma aula plural. Mas é com a regra que humilha diariamente principalmente as crianças de candomblé que estou preocupada. É com a confusão que se faz entre a fé privada e individual, com o espaço de educação pública e coletiva, que estou preocupada. O professor de química, ou qualquer outro, se for obscurantista vai discriminar. O de biologia, por exemplo, vai ensinar o criacionismo e mandar queimar Darwin. O de literatura se recusa a usar mitos e contos africanos, o que acaba gerando ainda mais problemas para a implementação da Lei 10639.
Então eu acho que é defender a PEC, retirar o ER das escolas públicas e trabalhar muito na sociedade como um todo e na formação de professores, em particular, para a construção de uma educação pública de qualidade, multicultural crítica e laica. Ou seja, uma educação para os Direitos Humanos.
Por mais que se tenha questionado como um pastor reacionário, racista e homofóbico como o Feliciano tenha chegado à presidência da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal e permaneça nela, não se questionou o papel da educação nesse processo. Feliciano só chegou onde está e não caiu porque existe uma educação pública conservadora com a pauta homofóbica, racista e obscurantista do Vaticano nas salas de aulas, nos corredores, nos livros, nos pátios de nossas escolas. E, infelizmente, muitos Felicianos estão por vir. O maior desafio atual da educação pública é impedir isso.
FONTE: http://www.fazendomedia.com/ensino-religioso-aumenta-intolerancia-nas-escolas-publicas-afirma-pesquisadora/
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