Eu escuto vasta gama de balelas a respeito da minha religião. Colocações absurdas e fanáticas de pessoas de mente pequena e tacanha, para as quais a intolerância a diversidade religiosa é ato de fé.
Uma delas é “O candomblé não é uma religião. É um culto.”. A definição de religião é: palavra do latim: religare, significando religação com o divino, é um conjunto de crenças sobre as causas, natureza e finalidade da vida e do universo, especialmente quando considerada como a criação de um agente sobrenatural, ou a relação dos seres humanos ao que eles consideram como santo, sagrado, espiritual ou divino.” – Fonte - Wikipédia.
Eu sou raspada, pintada e catulada a mais de 24 anos. Consagrada à Oya, Mãe e Deusa, a orientar, guiar e educar. Então, se me reconectei ao Supremo e pauto procedimento sobre as leis do Axé, Candomblé preenche os requistos dentro da definição e significado da palavra religião.
“Agora, me digam, qual a moral fixa do Candomblé? Quais seus dogmas? Como posso cobrá-los sem que digam que as abominações que lá ocorrem são uma manifestação cultural, e, portanto, suas aberrações e assassinatos podem ser praticados tranqüilamente sem interferência? Eles tem mandamentos, encíclicas ou documentos oficiais IMUTÁVEIS que ditem suas leis, para que me caiba uma queixa?
Vários adeptos dessa seita vieram a público dizer que essa prática nada tem a ver com os rituais do Candomblé. Evidentemente eles jamais assumiriam o próprio crime em público. E ademais, isso só contabiliza como opinião pessoal, não como regra fixa e impossível de ser modificada por eles.”
Fonte – Audi Filia! por Michele Madalena
A estes ditos a “paladinos,empunhando a bandeira da verdade de Deus”, respondo que não há termos de comparação entre sua fé e a minha. Primeiro, porque no Candomblé, onde todo Orixá é uma energia anterior a criação (e que após a mesma se manifesta uma das facetas do Todo Poderoso, individualizada, divina e imaterial, capaz de ser visível e compreendida pelo ser humano através das forças da natureza), tudo se transforma pois para evoluir, crescer e prosperar na matéria ou no espírito. Nada na natureza é estático,eternamente igual e imutável.
Sabiamente, Júlio Braga tem uma das melhores definições do Candomblé: “A tradição no Candomblé é tão dinâmica quanto a noção de mudança. É como se pudéssemos pensar que alguma coisa fosse capaz de mudar, permanecendo.”
Fato para meu entender, muito mais plausível do que escrever um livro em 200 DC. através de diversos escribas (mais de 40 pessoas diferentes), num período aproximado de 1.500 anos e crer que ele pode pautar a vida das pessoas com exatidão no século XXI.
Deixe-se claro que o que se altera é o modo operante da coisa em si e nunca jamais, a essência,a raiz da proposta e as regras de conduta. Hoje, por exemplo, com o advento da Aids, nenhum Pai ou Mãe de Santo raspa ou catula um filho com a mesma navalha, para evitar contágio ou dele espera dele que fique três meses sem trabalhar, enquanto estiver de preceito. Não cabe hoje as atitudes de ontem, pois agora difere do antes.
Mais coerente do que condenar camisinha numa época de DSTs e tanta criança abandonada ou sem teto.
E segundo, quanto a moral, saiba-se que apesar desta fé ter “a mente aberta” para uma série de fatores em outras considerados tabus, não significa ausência de moral. Apensas somos despretensiosos de manter sobres os adeptos,por exemplo,controle e coerção sobre pensamentos e atos em maior parte, baseadas em escolhas pessoais e concernentes a privacidade de cada indivíduo.
Entendemos o livre arbítrio a nós dados por Deus como inviolável, não cabendo a ninguém, se debruçar sobre a vida alheia,julgando mal “x” ou “y”, unicamente por ser diferente da sua forma de pensar e agir. Não objetiva a fé, fixar mente rígida,emprestando rótulos de “certo” ou “errado” as escolhas íntimas das pessoas, desde que estas não venham ferir a Casa de Axé, a sociedade e a lei.
Um bom tópico para explicar exatamente do que falo é como o Candomblé lida com as diversas formas ser e estar de um ser humano. Tomemos por modelo para a reflexão a opção sexual entre humanos.
Sexo para nós é a celebração do existir, despido do conceito de “pecado original”, sujo e pejorante, cheio de proibições de origem religiosa, social ou cultural. Nenhuma forma de atividade consensual entre adultos tem cunho de devassidão. O sexo não deprava os bons costumes, mesmo se é prática diferente da heterossexual.
Na natureza temos vários casos de homossexualidade no reino animal. Então, o que alegar do cachorro relacionando-se com um de indêntica espécie e sexo? _Ah, é um desvio sexual fomentado pelo trauma de ter pai que é o “cão chupando manga” e a mãe uma “verdadeira cadela.”
Ora, se existe espécies distintas como o pato real, macacos, cães, golfinhos, baleias, peixes, cisnes negros, bisões, pinguins, moscas da fruta, albatrozes, leões e etc.. buscando parceria sexual entre iguais, cai por terra a alegação de” contra-natura” feita por outras crenças de cunho castrador e pernóstico, gritando nos púlpitos aos seus membros, ser esta escolha sexual uma aberração aos olhos de Deus.
Os Orixás, facetas da suprema personalidade de Deus, Olodumaré, fez a criação do mundo e da natureza perfeita como Ele mesmo e seria muita presunção do ser humano, querer saber mais do que o Criador, o que melhor é para suas criaturas. Seria afirmar que o comportamento homossexual entre animais (e isso inclui os humanos, que não deixam de ser primatas) é um “erro” de da Divindade?
“….A fim de relatar o comportamento homossexual nos outros animais, o Museu de História Natural de Oslo, na Noruega, apresentou em 2006 a primeira exposição dedicada a “animais gays”, que foi chamada de “Against Nature”, exibindo cerca de 500 espécies onde existem relatos de comportamento homossexual.Um universo de 1.500 relatos, desde mamíferos e insetos até crustáceos…os pares são formados por indivíduos do mesmo sexo.
….Um estudo publicado pelo periódico “Trends in Ecology and Evolution” concluiu a importância do comportamento homossexual para a evolução de muitas espécies animais, como entre as fêmeas do albatroz-de-laysan (Phoebastria immutabilis), do Havaí, que se unem a outras fêmeas para criar os filhotes, especialmente na escassez de machos, tendo mais sucesso que as fêmeas solteiras. O estudo conclui que a homossexualidade ajudou as espécies de diferentes maneiras ao longo da evolução.” – Fonte – Wikipédia
Mais uma vez, o Candomblé já sabia o que a ciência onde nos revela: a diversidade existe na obra de Deus e deve ser respeitada. Talvez seja esta a razão de tantas pessoas com estilo alternativo de vida engrossem as nossas fileiras.
Defina-se moral como procedência justa, correta, decente, honesta e íntegra do indivíduo para consigo e para com os outros. Um conjunto de regras e princípios regendo determinado grupo. O Candomblé não é imoral (contrário à moral) ou amoral (sem senso moral )e isso muito candomblecista tem. O ser nefasto e de má indole, existe em toda e qualquer fé, pois onde há humanidade, encontra-se falhas e crimes
Jamais esqueça-se da origem tribal do Candomblé, pautado na ancestralidade, família e comunidade. Sem lei, códigos de conduta e bons costumes no interagir,sociedade alguma existe. E no barracão, do abian ao Doté (do não iniciado ao Zelador de Santo), tem de ter postura reta e conduta adequada. Todos ali trabalham em sincronia em nome de um bem maior: a geração e manutenção do axé na casa, para torná-la forte e, podendo abrigar a espiritualidade de todos em taba segura e familiar, rumo a evolução. Ser iniciado no preceito significa dar a direção da sua existência enquanto alma aos Orixás, portanto quem decide e guia são eles.
Digo e repito para quem tiver ouvidos bons: Candomblé não é religião para qualquer um. Ela exige do devoto,dentro e fora da roça de Santo. Nela não existe a “bondade burra” da plena indulgência onde há a remissão de todos os pecados (faltas aos olhos dos Deuses) concedida por instituições. Para nós, cada pessoa tem o que merece, alcança vitórias ou benefícios de acordo com sua evolução e se mal agir, deve pagar e arcar com as consequências de seus atos para assim pensar em se redimir das falhas e serem perdoados.
Continua….
*Rachel da Silva Ferreira – Ya Rachel de Igbalé – é professora, poeta e Zeladora de Axé na Nação Gege Mahim, cuja a raiz é o Ilê Axé Otorrun Mafarunci.
FONTE: http://www.debatesculturais.com.br/o-candomble-leis-divinas-e-a-moral/
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