O aspecto religioso:
O sacrifício para o candomblé, de uma forma geral, pode ser de ordem animal, vegetal ou mineral. Vamos nos ater, no entanto, à ordem animal, tenho em vista a polêmica em torno do ritual formada pelos não integrantes desta religião, os quais julgam que o sacrifício sagrado se dá como um ato de crueldade com os animais.
No candomblé, animais são mortos de forma muito diferenciada. São sacrificados. O sacrifício não é o simples extermínio de um animal sem a preocupação com o sofrimento do ser. Pelo contrário, o animal não pode nem deve sofrer. Antes de ser sacrificado ele deve estar limpo e alimentado, além de ser saudável, adulto e bem cuidado até o momento da imolação.
Vale destacar que os animais ao serem preparados para o sacrifício são devidamente manuseados, sem que haja qualquer forma de tortura. Opostamente, ao ser imolado, o animal tem sua cabeça separada do corpo num só golpe de faca. Neste momento, seu cérebro, que recebe informações sensoriais como o medo é desativado de imediato e o sistema nervoso central da mesma forma, não permitindo que haja sensação de dor. Nesta perspectiva, o sistema nervoso autônomo, o qual envia impulsos nervosos de órgãos viscerais ao sistema nervoso central também é interrompido e, portanto, não permite que o animal sinta nenhuma aflição.
Por outro lado, os cuidados com o sangue e o corpo do animal são absolutamente observados. Essencialmente, ambos foram sacralizados e, como tal, não podem entrar em contato com o profano. Mesmo morto, o animal é respeitado, limpo, cozido e servirá de alimento para toda a comunidade religiosa. As vísceras, igualmente sagradas, serão limpas e preparadas como oferenda aos Òrìṣà.
Importante ressaltar que a pessoa que fará o sacrifício é absolutamente preparada para tal. Em geral é um sacerdote, o àṣògún ou o bàbálórìṣà. São pessoas devidamente aparelhadas para a execução do sacrifício e observarão com cuidado o animal e o seu corpo. Tudo feito com muito amor, fé e concentração.
Outro dado importante é o local do sacrifício. Para ocorrer, sem que haja contaminação com o profano, o sacrifício deve ser realizado em local específico e em horários determinados. Se a cerimônia for realizada fora do local estabelecido, a imolação não é mais do que um assassinato, o que desvincula completamente o sacrifício do ato sagrado. O lugar onde se sacrifica é parte do esquema sacrificial e é de extrema importância, pois não se pode sacrificar em qualquer lugar, ou ainda, utilizar instrumentos que não estejam devidamente purificados para a realização da cerimônia.
A importância do sangue:
A vida do animal está no sangue e, portanto, oferecer o sangue é oferecer vida, com o fim de promovê-la e preservá-la, estabelecendo um vínculo de união com a divindade. O sangue é o elemento mais importante do sacrifício e, assim, não se corta nenhum animal na cabeça de uma pessoa diretamente. Em geral, o sangue é recolhido numa vasilha apropriada e sacralizada para somente depois de “temperado” com os elementos que serão igualmente sacralizados (azeite de dendê, mel, sal, vinho e água), ser colocado sobre os símbolos das divindades.
Enfim, o sacrifício no candomblé não se trata de uma carnificina desenfreada e sem sentido. No sacrifício, os animais são muito mais respeitados do que nos abatedouros que matam em série sem que haja a preocupação, em nenhum momento, com o sofrimento dos seres. Não nos esqueçamos de que a grande maioria que condena o sacrifício de animais no candomblé não dispensa um bife de boi abatido com crueldade, nem uma coxa de frango que foi morto de cabeça para baixo num aviário.
O animal e o seu sangue são oferecidos em troca da vida da pessoa que os oferta, tendo em vista que os sacrifícios humanos foram abolidos há séculos e nenhuma religião tem autorização para efetuar sacrifícios de pessoas.
No sacrifício sagrado, estabelece-se, então, uma troca, uma dádiva:
Orí ẹran ẹ gbà e máṣe gbà orí mi:
“Receba a cabeça do animal, deixe a minha”.
fonte: http://awure.jor.br/home/?p=1930
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