CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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terça-feira, 8 de março de 2011

Religiões afro são reprimidas nas favelas



Religiões afro são reprimidas nas favelas




Will Fernandes - 17 de abril de 2008


Tia Ciata
A história do Brasil tem ligação direta com a história de denominações religiosas como, por exemplo, a igreja católica que acompanha o poder no Brasil desde a sua descoberta. Dentro dessa relação histórica umbilical, a perseguição do negro e de suas lutas tem relação direta com as religiões afro.
Candomblé e umbanda eram cultuados dentro das senzalas e dos quilombos. Estas religiões acabavam servindo de refúgio e expressão das lutas dos negros por liberdade, estabelecendo uma ligação direta com forças da natureza e santos guerreiros. Por isso, a opressão aos negros incluía a perseguição religiosa.
Comunidades dos morros
Sem terem oportunidades nas ruas, os negros “libertos” das senzalas subiram para os morros e nas favelas construíram suas casas e comunidades. Segundo a pesquisadora Claudia Matos, no fim da década de 40, e durante os anos 50 e 60 cerca de 95% da população das favelas era formada por negros, enquanto nas cidades esse número era de 27%. O que nos dá uma visão ampla de qual raça vivia o cotidiano das favelas.
As religiões predominantes nesse momento eram as religiões afro que até hoje, assim como o preconceito racial, existem. En­quanto a diferença entre raças é impulsionada pelo capitalismo, as religiões afro ganharam o títulos de religiões de negros e pobres para igualmente serem marginalizadas.
Além de sua relação com as lutas de resistência, as denominações afro no Brasil devem ser consideradas como estandarte cultural que sempre esteve interligado com o samba. Roberto Moura afirma que no princípio o samba era realizado nos quintais das “tias”: primeiro realizavam-se as festas religiosas para os santos na parte da frente da casa e assim que a cerimônia religiosa terminava a roda de samba varava a madrugada. Não há como negar a ligação entre a formação social das religiões afros, a identidade cultural e a sua marca como “braço religioso” do já conhecido samba e dos menos conhecidos jongo e lundu.
Para ilustrar, podemos apontar que as “tias” que fizeram as primeiras rodas de samba – como a famosa tia Aciata mais conhecida com tia Ciata – nas suas casas eram as mesmas que realizavam as festas de santos em suas casas e eram conhecidas também como Mães de santos. Donga, João da Baiana e Pixinguinha que compuseram o primeiro samba gravado “pelo telefone”, freqüentavam os terreiros de tia Aciata.
O grande compositor João da Baiana ao falar da origem do samba revela: “O samba saiu da cidade. Nós fugíamos da polícia e íamos para os morros fazer samba...”. Junto com o samba, os terreiros também fugiam da polícia e subiram para as favelas para encontrar moradia.
A mudança na história
Passado os anos 40, 50 e 60, a perseguição aos negros, a sua cultura e a suas religiões continua. O estado continua com sua mão repressora e nas favelas, onde os negros criaram seus redutos, ele perde o controle da segurança e a autoridade para o tráfico, que mantém pratica neoliberal e assassina na forma de gerir as favelas.
Hoje um fato novo acontece: traficantes de várias favelas do Rio ingressam algumas denominações evangélicas livres que batizam seus membros sem uma real conversão e prometendo realizar uma prática muito próxima a das religiões afro, como fechar corpo, tirar mal olhado e inclusive abençoar as armas. A polícia militar apreendeu um AR-15 na famosa favela da Vila Cruzeiro com os dizeres: “Eu creio em Deus”. Já no Morro do Alemão, em uma gravação da mídia, os traficantes levantavam armas com dizeres: “Os anjos me seguem e me acompanham”. Os moradores afirmam que o chefão da favela do Acari freqüenta cultos evangélicos com seguranças na porta.
As igrejas evangélicas que não mantém relação com o tráfico acabam sendo marginalizadas, e aquelas que têm como a única preocupação aumentar seu rebanho, a única exigência que fazem para a integração dos traficantes é que eles expulsem os terreiros de umbanda e candomblé de cima da favela. Para nós, isso ataca diretamente a liberdade religiosa. Segundo Auraceia de Melo Correia os traficantes agem de duas formas: expulsam donos de terreiros ou determinam datas e modos de funcionar dos terreiros. Ainda para a professora: “É tradição, por exemplo, soltar fogos toda vez que um orixá está na terra. Faz parte do ritual, tem um significado. A restrição do horário não funciona, porque a religião está ligada à natureza. Os ritos têm data e hora definidos”. Quando os traficantes agem, obrigam o terreiro a não realizar as suas principais funções.
Uma mãe de santo no morro de São Carlos, ao ser abordada por repórteres, se assustou e afirmou que não está mais batendo (isto é: ela não está mais tocando os atabaques para começar o ritual religioso) e que sabia o motivo de todos os outros terem saído de lá, mas que não poderia falar. Outra mãe de santo que deixou o morro do São Carlos afirmou: “Meu terreiro acabou por causa do pessoal do ‘pá-pá-pá’ (fazendo uma alusão ao tráfico com os dedos), eles até me respeitavam, mas aterrorizavam o pessoal”. Hoje no morro do São Carlos – que não é uma exceção do que está acontecendo nas favelas – só existe um terreiro funcionando e de 15 em 15 dias.
Marginilizada e atacada pelo tráfico
Esses dados servem para ilustrar a repressão sofrida atualmente pelas religiões afro nas favelas cariocas, já que no asfalto isso não vem de hoje. A defesa da umbanda e do candomblé é parte da defesa da liberdade cultural e do respeito à história de resistência de movimento negro. Além da absurda questão de afetar a liberdade religiosa, a opressão de uma religião por outra tendo o tráfico como intermediário é nefasta. As religiões afros que não têm o apoio das autoridades – porque são constituídas por negros e pobres – cada vez mais fogem para a baixada fluminense (as cidades ao redor da cidade do Rio, construídas por negros e nordestinos) ou fecham seus trabalhos.


A influência e a interferência de religiões sobre o Estado sempre foram debatidas pelos marxistas. Mas, como os marxistas revolucionários devem lidar com a religião?
O melhor exemplo a ser usado é o da revolução socialista Russa, onde durante todo o processo revolucionário foi garantida a liberdade religiosa, mas sem que as religiões tivessem influência sobre o Estado. Isto foi muito diferente do que fez Stálin que, ao assumir o poder e burocratizar o estado russo, acabou com a liberdade religiosa, obrigando todos os russos a se tornarem ateus e aqueles que não obedecessem estas condições poderiam parar no paredão de fuzilamento.
Garantir a liberdade religiosa
Tal como coloca Marx em “A questão judaica”, a religião como ideologia é uma falsa consciência e somente através da luta de classes é que o proletariado pode se emancipar. Para Marx, os socialistas devem lutar pela eman­cipação do proletariado, inclusive os religiosos. Tal emancipação deve ocorrer tendo como base a luta de classes, mas sem deixar de garantir a liberdade religiosa. Nenhum poder deve ser influenciado e nem influenciar as religiões.
A defesa da umbanda e candomblé nas cidades e favelas não é só uma questão de liberdade religiosa. A perseguição sofrida hoje evidencia, além disso, a tentativa de apagar o passado e o presente da cultura dos oprimidos no Brasil. Por isso, repudiamos todas as medidas contra as religiões afro, tanto pelo governo da Bahia que há algum tempo derrubou terreiros fazendo uma “limpeza no estado”, quanto nas favelas cariocas.



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