Os yorubás não concebem um ser malígno, como o diabo judaico-cristão, que objetiva unicamente destruir a obra do Criador, prejudicando as pessoas.
Contudo, os africanos identificavam uma divindade cuja atribuição seria criar obstáculos, dificuldades na realização do destino dos Seres Humanos.
Esta é Elenini, conhecida também como Ido Boo e ainda chamada de Yeyemuwo (“mãe da desgraça”).
Elenini é a guardiã da câmara interior de Olodumare, local onde o destino é escolhido por cada Ser antes de nascer. Elenini é a testemunha de nossas aspirações diante do Criador.
Quando Olodumare autorizou a vinda dos Orixás à Terra, teria enviado também Elenini para lhe informar o comportamento dos deuses.
Segundo Babalawô Awofa Ifakemi Miguel, Elenini é “…uma divindade mitológica da desgraça e do obstáculo, enviado por Olodumare para aniquilar as divindades que se mantiveram no Aye com um mau comportamento.”
Elenini testa nossa determinação e nosso caráter, oferecendo tentações e armadilhas que põem em risco os propósitos originalmente eleitos por nós diante de Olodumare.
Como a atribuição de Elenini é criar dificuldades para testar nosso caráter, conflita diretamente com Ori, cuja regência é guiar os Homens pelo seu destino. Por isso, Elenini é considerada como a “inimiga de Ori”.
Apesar de sua forte influência e iminente risco ao bem-estar dos Homens, Elenini não recebe nenhum culto direto na Nigéria ou em qualquer outro local de influência yorubá.
Elenini é afastada com o culto ao Ori e com a prática do bom caráter.
Quando um indivíduo está dominado por Elenini, este se torna cego e surdo. Seu Ori está em desequilíbrio e passa a ser uma companhia perigosa aos incautos.
Estar em companhia destes, ou em locais repletos de pessoas tomadas por Elenini, torna-se perigoso.
Segundo os yorubás, quando o trabalho de Elenini entra em fase final, é preciso um grande esforço de Ori e da ajuda dos Orixás para haver a superação.
Os dominados por Elenini têm suas vidas marcadas pela derrota, pelo fracasso, pelo desregramento.
Muitos casos de loucura e de surtos de violência, em verdade, são resultantes do domínio de Elenini, quando esta consegue desvirtuar o Homem de seus objetivos, levando-o à derrota inevitável.
Somos frequentemente atacados por Elenini, todavia, através de recomendações do Oráculo, somos alertados e recomendados a fazer determinados ebós, ou a mudar atitudes que podem levar a resultados perniciosos em nossas vidas.
Apesar do perigo que representa Elenini, esta divindade não é vista pela filosofia yorubá propriamente como algo “demoníaco”, mas como um contra-ponto, capaz de nos valorizar as boas atitudes e a testar nosso livre-arbítrio.
Elenini nos obriga a exercitar o bom-senso e a fortificar iwá (o caráter).
Todas as ações humanas que enfraquecem o Ori, tais como excessos de álcool, as drogas, a promiscuidade, locais onde Elenini impera, amizades nocivas, facilitam a influência da Yeyemuwo. Ao vencermos nossas fraquezas, derrotamos Elenini.
Segundo a tradição yorubá, antes de virmos ao mundo, devemos antes fazer uma oferenda a Elenini.
Aqueles que teimam e nada ofertam a Elenini, passam por grandes tribulações na vida e nada realizam.
O poema que relata a vinda do Odu Irosun-Meji para o mundo, menciona sua relação com esta divindade. Vejamos:
“IROSUN-MEJI VEM PARA O MUNDO:
Antes de Irosun- Meji vir ao mundo, foi consultar Ifá.
Ifá o avisou para fazer sacrifício com um galo e uma tartaruga para a divindade do infortúnio (Elenini ou Idobo) e um bode para Èşu. Também foi recomendado a dar uma galinha d´angola para seu anjo guardião.
Ele no entanto se recusou a fazer algum dos sacrifícios, e então veio ao mundo onde estava praticando a arte de Ifá.
Quando cresceu, era tão pobre que não podia ter recursos para casar sossegado e ter um filho.
O sofrimento se tornou tão severo para ele, que este decidiu jogar suas sementes de Ifá fora.
Nesse ínterim, teve um sonho no qual seu anjo guardião surgiu-lhe falando que ele era o único responsável por seus problemas porque tinha teimosamente recusado a fazer o sacrifício prescrito.
Quando acordou de manhã, decidiu consultar seu Ifá e foi então que compreendeu que foi seu guardião que surgiu para ele na noite anterior. Rapidamente providenciou fazer sacrifício para seu Ifá e deu um bode a Èşu.
Ifá avisou-o para retornar para o céu para informar a Olodumare como falhou ao não agradar Elenini.
Para seu retorno ao céu, foi avisado a levar um galo, um jabuti, um pacote de inhames, uma cabaça de água, uma de óleo, pimenta, quiabo e rapé.
Ele então juntou todas as coisas e empacotou-as em sua bolsa divinatória (AKOMINIJEKUN ou AGBAVBOKO) e partiu.
Após viajar até o limite entre o céu e a terra, ele teve que atravessar sete colinas antes de chegar ao céu. Lá chegando foi direto ao palácio divino, onde encontrou Elenini (a guardiã da câmara divina – a divindade do infortúnio ou yeyemuwo, a mãe dos obstáculos).
Ele se ajoelhou na câmara divina e proclamou que viera com toda humildade para renovar seus desejos terrestres. Yeyemuwo disse que era ainda cedo da manhã para fazer algum pedido porque não havia comida na casa.
De sua bolsa divinatória, ele retirou imediatamente a lenha, água, óleo, pimenta, sal, quiabo, rapé e por fim o galo, todos os quais a mãe dos obstáculos exigiu em troca, em sua usual tática atrasando-o, mas Irosun-meji estava completamente preparado depois disso, yeyemuwo permitiu-o fazer seus pedidos.
Como era proibido ajoelhar-se no chão descoberto, ele então se ajoelhou na tartaruga a qual trouxe da terra. Após fazer seus pedidos, Olodumare o abençoou com seu cetro divino.
Quando yeyemuwo ouviu o som do cetro, rapidamente terminou sua culinária, mas antes de ela poder sair, Èşu indicou a Irosun-meji a partir rapidamente para a terra.
Quando a mãe dos obstáculos emergiu por fim da cozinha, perguntou a Olodumare pelo homem que tinha estado fazendo seus pedidos e o pai todo poderoso replicou que ele tinha ido.
Quando ela questionou o porquê ele não pediu ao homem para fazer bons e maus pedidos, Deus replicou que não era sua tradição interferir quando seus filhos estavam fazendo seus pedidos.
A despeito de todos os presentes que ele tinha dado a yeyemuwo, ela, no entanto rapidamente partiu em rápida perseguição de Irosun-meji.
Quando estava perseguindo-o, ela cantou:
Ariro sowo giniginimoko;
Irawo be sese le eyin eron;
Oju ima ki irawo ma bi eronise;
Olo Oríre omomi duro demi buwo ooo;
Ele replicou com um refrão de uma canção dizendo que ele já tinha feito o sacrifício e seus pedidos, não faltando nada.
Enquanto estava cantando ele estava correndo em frente apavorado.
Quando yeyemuwo viu que ela não conseguiria capturá-lo, ficou quieta e esticou seu polegar e disparou através de suas costas com ele.
Aquela é a linha oca que corre por meio da espinha dorsal do ser humano, até hoje, a qual está nos recordando constantemente que a única maneira que nós podemos escapar das longas mãos do infortúnio é fazendo sacrifício.
Com aquela marca yeyemuwo proclamou a Irosun-meji e para o resto da humanidade – nunca lembrar seus pedidos celestes chegando a terra, visto que os olhos não podem ver as costas do corpo e que antes de dar conta de seus pedidos, ele teria que andar nas trevas por um longo tempo e experimentar um processo muito sofrido.
A dor do ferimento fez Irosun-meji inconsciente e ele caiu em um transe de total escuridão.
Quando levantou, se achou em sua cama na terra.
Ele havia esquecido tudo que aconteceu desde então.
Todavia ele circulou seus negócios e prosperou depois.”
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