CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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domingo, 28 de abril de 2013

OS IRUNMALÉS parte 2 by tomeje


OS IRUNMALÉS parte 2
by tomeje



Sociedade Educacional Sul-Rio-Grandense FACULDADE PORTO-ALEGRENSE DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIAS E LETRAS – FAPA DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

Hendrix Alessandro Anzorena Silveira Turma 1221 Monografia apresentada a FAPA como requisito parcial à aprovação na disciplina de História Antiga II.
Orientadora: Profª Marise Hoff Failace
A Cultura Religiosa Dos Iorubás Do Surgimento à Diáspora
Porto Alegre 2004
 Parte 2 

OS IRUNMALÉS  

1.2.2.3. Divindades dos rios

É interessante notarmos como os povos antigos sempre cultuaram, como divindades ligadas à fecundidade, deusas de rios. Enquanto que o touro era cultuado como símbolo fecundador, por isso o seu sacrifício sobre a terra a ser semeada, o peixe é o símbolo da procriação, da multiplicidade e da filiação.

A mulher, como ser que é fecundada e cujo fruto dessa fecundação é uma nova vida, está sempre ligada à fertilidade e a geração de vidas. Ora, isso não passou despercebido pelos africanos, daí os iorubás possuírem várias deusas de rios ligadas à fertilidade tanto dos animais quanto dos seres humanos.

Entre elas temos Oiá, a senhora da tarde, dona dos espíritos, carregadeira de ebó (alimento), senhora dos raios e tempestades. Ela é a deusa do rio Níger e tem o apelido de Iansã (iyá = mãe / mesan = nove) em alusão aos nove braços do delta desse rio. Diz-se que ela teve nove filhos, outra explicação para o apelido.

Oiá foi uma princesa real na cidade de Irá, na Nigéria. Sobrinha-neta do rei Elempe, e neta de Torôssi (mãe de Xangô), conquistou com valentia, coragem e dedicação seu caminho para o trono de Oió. Conhecedora de todos os meandros da magia encantada, Oiá nunca se deixou abater por guerras, problemas ou disputas. Nobre guerreira, jamais tripudiou sobre inimigos e rivais vencidos.

Foi mulher de seu primo Xangô, e ajudou-o a conquistar os reinos que foram anexados ao império iorubá. Porém, quando ele tentou invadir Nupe e Tapa, onde Oiá havia nascido, ela o abandonou e postou-se na entrada daquelas cidades disposta a enfrentá-lo. Como nem mesmo Xangô ousou desafiá-la, ninguém passou.
Oiá é a menina dos olhos de Orixanlá, seu protetor, e é a única divindade que entra no Balé de Egum (casa dos mortos), por seu poder e onisciência.

Outra deusa de rios, Obá é a senhora das ilhas e penínsulas e foi a terceira mulher de Xangô, e sua lenda fala de uma terrível rivalidade entre ela e Oxum, a segunda esposa. Sabendo do apetite de seu marido, procurava sempre surpreendê-lo com pratos de que gostasse. Um dia, Oxum resolveu pregar uma peça em Obá, e apareceu usando um lenço
enrolado em volta da cabeça, escondendo as orelhas. Disse que havia preparado suas orelhas numa receita muito especial, e servido a Xangô. Querendo agradar seu esposo, Obá resolveu imitar a rival. Cortou uma de suas orelhas e preparou a receita a Xangô. Ele ficou furioso, e Obá, percebendo que havia sido enganada, entrou numa violenta luta corporal com Oxum.
Mais irritado ainda, Xangô fez explodir todo o seu furor. As duas mulheres, apavoradas, fugiram e se transformaram nos rios que levam seus nomes. No ponto onde os dois rios se encontram, existem corredeiras e as ondas se agitam, numa lembrança da antiga disputa entre as divindades.

Obá é a mais velha dos eborás femininos. Ele teria sido a primeira esposa de Ogum, que, posteriormente, o teria abandonado por Xangô.

Deusa do rio de mesmo nome, Oxum carrega consigo predicados de beleza, riqueza e a capacidade de proteção social. É uma ninfa da cultura iorubá, cuja cidade, Oxogbô, na Nigéria, está localizada às margens desse rio. Ela é a dona do ovo, a maior célula viva.
Diz a lenda que ela era a segunda mulher de Xangô, tendo vivido antes com Ogum, Orunmilá e Odé. Seu pai teria sido Orixanlá. Mulheres que desejam ter filhos costumam fazer seus pedidos a Oxum.

Conta-se que quando os irunmalés chegaram a terra, costumaram reunir-se sem a presença das mulheres. Aborrecida por não poder participar das deliberações, Oxum preparou sua vingança, trazendo a esterilidade às mulheres, e impedindo que os objetivos dos deuses fossem alcançados. Os irunmalés buscaram então a ajuda de Olodumare, que lhes explicou que sem a presença de Oxum nada poderia dar certo. Dengosa, ela demorou a aceitar o convite para que participasse das reuniões, mas finalmente concordou, e a fecundidade voltou.

Filha de Olocum, a senhora dos oceanos, Iemanjá é a deusa do rio Ogun (não o eborá). Diz a lenda, foi casada com Oduduá, homem poderoso com quem teve dez filhos. Um dia, cansada de sua permanência em Ifé, foge na direção oeste, levando consigo uma garrafa que havia ganho certa vez de sua mãe, contendo um misterioso preparado, a qual ela deveria quebrar jogando ao chão quando estivesse em perigo.


Iemanjá instalou-se em Abeocutá. O marido lança seu exército em sua busca com o objetivo de trazê-la de volta a Ifé. Quando se vê cercada, ela não se entrega, mas segue os conselhos de Olocum e quebra a garrafa. Imediatamente forma-se um rio, que a leva para ocum, o mar, morada de Olocum.

A lenda acima é, com certeza, a representação mitológica de um fato histórico.
A nação egbá vivia na região de Ifé, próximo ao rio Iemanjá, e foram expulsos de lá por Oduduá. Eles, então, migraram de Ifé a Abeocutá, levando os assentamentos da deusa, se estabelecendo às margens do rio Ogun, no bairro de Ibará.

Deusa dos pântanos, Nanã Burucu representa a memória ancestral da humanidade préhistórica. A mais antiga das divindades vindas do oeste.

Verger (1997: 236) dá uma série de pistas sobre a provável origem dessa deusa que chegou a ocupar a posição de ser supremo entre os achanti, no atual Gana. Esta posição, ostentada e perdida mais tarde para Orixanlá, é, provavelmente, um resquício cultural da época em que os africanos respeitavam a linhagem matriarcal de família. Daí ela representar a memória transcendental do ser humano e o acervo das reações pré-históricas de nossos antepassados.

Na liturgia dos sacrifícios a essa divindade, não se pode utilizar objetos feitos de metal (facas, por exemplo), pois isso é uma restrição. Mais um pressuposto para a crença de que essa divindade é anterior a idade dos metais desenvolvida nessa região.
Como todas as divindades femininas, Nanã Burucu está ligada à água. As águas paradas e pântanos lhe pertencem, numa referência às águas primordiais de onde Obatalá criou os seres humanos.

1.2.2.4. Divindades originárias do oeste

Devido às diversas guerras eclodidas entre os iorubás e os jejes10, do Daomé (hoje Benin, Togo e parte do Gana), houve aculturações e sincretismos religiosos entre essas etnias africanas. Os daomeanos importaram os deuses iorubás modificando apenas seus nomes (tal qual os romanos sobre os gregos), mas a cultura iorubá também adotou alguns deuses daomeanos por não possuírem semelhante em sua cultura. Também mudaram os nomes desses deuses, conservando suas características.

Já conhecemos dois deles, Xapanã e Nanã Burucu, que, por terem características mais semelhantes a outros deuses, os classifiquei de forma diferente.

 Entre os deuses do Daomé, temos a grande serpente do arco-íris, símbolo da aliança entre os homens e a eterna paz dos deuses, Oxumaré é, segundo Verger (1997: 206), o orixá da riqueza. Mitologicamente seria um hermafrodita, macho e fêmea em um só corpo, um servidor de Xangô, que teria a função de recolher a água caída sobre a Terra e levá-la de volta às nuvens.

Originário do Daomé é o deus conhecido pelos fons como Dan ou Bessen. Simboliza o movimento, a atividade, a continuidade e a permanência. Às vezes é representado por uma serpente enroscada que morde a própria cauda. Outras, como uma serpente que envolve toda a Terra, como se, com sua força, impedisse a desagregação do planeta.

Assim como Iemanjá e Oxum, Euá também é uma divindade feminina das águas e, às vezes, associada à fecundidade. É reverenciada como a dona do mundo e dona dos horizontes.É a deusa do rio Eua. Apesar disso não a incluí na categoria anterior porque sua ligação com os rios é secundária e quase despercebida.

Em algumas lendas aparece como a esposa de Oxumaré, como sua metade mulher, pertencendo a ela a faixa branca do arco-íris. Em outras ele é esposa de Xapanã.
Eborá que protege as virgens e tudo o que é inexplorável, Euá tem o poder da vidência. Senhora do céu estrelado rainha do cosmos, ela está no lugar onde o homem não alcança. É representada pelo raio do sol, pela neve, pela saliva. Seu símbolo é o arco e flecha dourado, assim como o arpão, uma espingarda ou uma serpente de metal. Uma deusa de muitos mistérios, pouco se sabe a seu respeito.

10 O termo jeje (pronuncia-se gêge) é originário da língua iorubá, e quer dizer estrangeiro. Os iorubás consideravam como jejes os fons, euês, achantis, adelês, gens, huedas, mahis, etc.
De tudo o que estudamos até aqui, nota-se um relacionamento vigoroso entre os iorubá e os elementos que constituem o mundo natural.

Como vimos anteriormente, o transcendente e o imanente estão ligados. O símbolo dessa ligação é a árvore, pois suas raízes bem fincadas na terra, adentram o mundo dos mortos, enquanto que sua copa vagueia pelo espaço inatingível.
É evidente, então, que existam seres imateriais que habitam essas árvores, ou mesmo que sejam elas.

Iroco é partícipe do culto ancestral feito às árvores sagradas (Iroko, Apaoka, Akoko, etc). É o eborá da floresta, das árvores, do espaço aberto; por extensão governa o tempo em seus múltiplos aspectos. É cultuado pelos mahis com o nome de Locô.

É referido como “eborá do grande pano branco que envolve o mundo”, numa alusão clara às nuvens do Céu. As árvores nas quais Iroco é cultuado normalmente são de grande porte; são enfeitadascom grandes laços de pano branco e ao pé dessas árvores são colocadas suas oferendas.

Jamais uma dessas árvores pode ser derrubada sem trazer sérias conseqüências para a comunidade. No culto aos vodum, Locô ocupa lugar destacado, comparado somente a Lissá (vodum equivalente a Orixanlá) e Dan (Oxumaré). Iroco é invocado em questões difíceis, tais como desaparecimento de pessoas ou problemas de saúde, inclusive a mental.

1.2.2.5. Outras divindades

Alguns eborás, por serem ligados a uma cidade ou ao coletivo, recebem tratamento especial, tendo sacerdotes e rituais específicos. Desses explicitarei apenas aqueles cuja cultura se transpôs ao Brasil na época da escravatura.

Entre esses eborás temos Exu, que pertence tanto aos irunmalés da direita quanto aos da esquerda, pois serve de veiculação da força imaterial divina, o axé, entre os orixás e os eborás, “intercomunicando todo o sistema”. (SANTOS, 1986:75) Por isso ele é sempre o primeiro a ser cultuado nos rituais. Os sacrifícios e oferendas devem ser sempre feitas primeiro a ele. A não observância desse dogma pode gerar diversos distúrbios provocados pelo próprio.

Exu é um dos únicos (se não o único) eborá que aparece nos rituais de todos os povos da África antiga e mesmo em outras culturas que nada tem a ver com as culturas africanas. Também é chamado de Elegbará, o senhor da vida.

É a divindade da procriação, portanto da vida, e rege a fertilidade e a libido. 

É Exu quem permite que se possa extrair todo o prazer do amor. É, para as religiões africanas, o executor da ordem divina: “crescei e multiplicai-vos”. É o mensageiro dos irunmalés, é ele quem leva as súplicas dos seres humanos ao orum e traz as ordens e bênçãos dos deuses. Tal qual o deus Hermes da mitologia grega, ou Mercúrio da Romana.
Exu é a liberdade, a procriação, o orixá do culto à beleza. Autêntico, verdadeiro, objetivo e flexível, através dos tempos e das culturas este orixá se manifesta de diferentes formas, em muitas lendas.

Uma delas conta que uma mulher se encontra no mercado vendendo seus produtos. Exu põe fogo na sua casa, ela corre para lá, abandonando seu negócio. A mulher chega tarde, a casa está queimada e, durante esse tempo, um ladrão levou as suas mercadorias. Isso não teria acontecido se ela tivesse feito a Exu as oferendas e sacrifícios usuais.

Legba é Exu entre os fons, assim como Bombogiro entre os bantus de Angola.
Segundo as lendas antigas, Oduduá, após dominar Ifé, mandou seus filhos conquistarem as regiões vizinhas a fim de formar vários reinos ligados ao seu próprio. Assim Ogum fez, e lutou em vários lugares trazendo o espólio das batalhas como presente para seu pai.
Numa dessas ocasiões, trouxe uma donzela tão linda que ele mesmo não resistiu e a possuiu. Com medo, não falou nada a seu pai, Oduduá. Este, quando viu a beleza da moça, ficou perturbado e a possuiu naquela noite. O fruto desse triângulo amoroso é Oraniam, que possuía uma característica muito pitoresca. Ele era metade branco e metade preto. Ora, Ogum era um homem negro, enquanto que Oduduá tinha a pele branca (provavelmente albino).

Oraniam se tornou um grande guerreiro e conquistou Oió, tornando-se o primeiro Alafin-Oió, o rei de Oió. Teve dois filhos: Dadá Ajacá e Xangô, de quem estudaremos agora. Orixá da justiça e do fogo, Xangô é o terceiro Alafin-Oió, e viveu em 1450 a.C., destacando-se pela sua valentia e liderança. Foi marido de Oxum, Obá e Iansã. Castiga mentirosos, infratores e ladrões. Por isso a morte pelo raio é considerada infamante, assim como uma casa atingida por uma descarga elétrica é tida como marcada pela ira de Xangô.
O xerê é um chocalho feito de porongo alongado, que quando agitado lembra o barulho da chuva, é um dos símbolos de Xangô. Outro símbolo bem conhecido é o oxé, um machado de duas lâminas que deixava Xangô muito poderoso.

Garboso, ele é conhecido também como o “dono das mulheres”. Ele é filho de Oraniam e tem Tobôssi como mãe. Tobôssi era a filha de Elempê, rei dos Tapás, aquele que havia firmado uma aliança com Oraniam. Xangô cresceu no país de sua mãe, indo instalar-se, mais tarde, em Kossô, onde os habitantes não o aceitaram por causa de seu caráter violento e imperioso; mas ele conseguiu, finalmente, impor-se pela força. Em seguida, acompanhado pelo seu povo, dirigiu-se para Oió, onde estabeleceu um bairro que recebeu o nome de Kossô. Conservou, assim, seu título de Obá Kossô (rei de Kossô).

Dadá Ajaká, irmão mais velho de Xangô, reinava em Oió. Descontente com a forma que seu irmão conduzia a administração da cidade, Xangô destronou-o, exilando-o em Igboho.
Assim começou a história de um poderoso rei que anexou todo o oeste da Nigéria ao Império Iorubá.

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