O que é a mistura?
E o mais complicado de tentar explicar em palavras.
O que é a tradição?
Mas porque então falar sobre misturas e tradições, se de ante mão reconheço que as misturas sempre existiram na nossa tradição religiosa de matriz afro, e a própria tradição religiosa em nosso Pais é fruto de diversas misturas de crenças e de Axés?
Porque eu creio que todos, abiã e/ou yaô, ou mesmo aqueles indivíduos que simplesmente frequentam uma Casa de Axé, merecem um mínimo de respeito e clareza na condução/orientação de sua religiosidade por parte de seus Líderes Religiosos.
É natural que sujam dúvidas quando eles se deparam com liturgias ou ritos praticados em outras Casas. As trocas de informações acerca da religião são comuns hoje em dia, num mundo cada vez mais globalizado.
E aí surgem perguntas difíceis de serem respondidas se não nos baseamos na tradição do nosso Axé, naquilo que era ou é feito nas nossas Casas Matriz.
E como então se pode responder a perguntas difíceis se a tradição religiosa não é mantida na Casa?
Se a mistura desenfreada e desmedida é o valor para medir o sucesso de um Zelador?
O que vemos hoje é que as misturas cada vez mais se solidificam em certas Casas de Axé, que pelo fato de estarem fortemente enraizadas e presentes na sociedade religiosa, estas misturas acabam sendo aceitas como algo que faz parte do candomblé. Quando na verdade não é. E deveriam ser questionadas sempre.
Há diversos textos de diversos autores que versam sobre este tema: Tradição. Mas me pareçe que a força da mistura é bem maior que os bons gestos em defesa da tradição. É com certeza mais fácil fazer aquilo que agrade e traga prestígio imediato do que manter-se fiel a uma raíz e uma tradição.
O problema é que há prós e contra em toda esta luta titânica por manutenção do pouco que resta de tradição e tentativa de separar aquilo que é simplesmente uma mistura que empobrece.
E o pouco interesse dos filhos/público em geral em conhecer de fato a religiosidade tradicional de uma Casa de Axé. Dando espaço ao folclórico, ao caricatural e descaracterizado desde que isso lhes resolva os problema imediatos de faltas ou carencias ou necessidades pessoais.
Se são tradicionais ou simples misturas de bolo, isso não importa ao suplicante (de milagres baratos), lhe basta o resultado.
Mas, seguindo esta linha, quero citar o caso dos exus e pombagiras (“catiços”) no candomblé. Estes, sem nenhum demérito, são exus pertencentes à umbanda. Mas que tem sido tão amplamente cultuados hoje em dia e com o mesmo, e por diversas vezes até com mais status que o culto ao Orixa em algumas Casas de Axé, que algumas pessoas estão dando a estas práticas uma roupagem de tradicional e verdadeira dentro do candomblé. Quase não conseguimos mais diferenciar o tradicional do que é sincrético/mistura.
Mas até aonde esta prática é válida ou aceitável ou benéfica para uma comunidade Terreiro e até onde esta prática descaracteriza o culto principal seja Umbanda ou Candomblé? Isso só mesmo cada Casa é capaz de refletir e ter seu próprio valor a respeito, não nos cabe julgar.
Meu foco está na desinformação e descaracterização que muitas vezes é feita sob medida para “agradar a todos” e com isso abrir novos mercados de fé. Misturas, como eu falei antes, sempre ocorreram e sempre ocorrerão, e podemos afirmar que são saudáveis e necessárias em muitos casos. Mas, voltando ao principal deste texto, os filhos desamparados destas misturas.
Mas, e quando estas práticas, de tão descaracterizadas ou sincréticas ou feitas por encomenda, não podem ser devidamente esclarecidas à comunidade por falta de base religiosa que as sustente no mundo da tradição?
Quando não se tem argumento claros que expliquem certas práticas, como as citadas acima. Ocorrem equívocos como os que vemos diariamente com pessoas que acham que todos tem que ter um exu catiço e cultuá-lo em detrimento do orixá. Ou que tudo se resume em agradar pombagiras. Perde-se o contato com o Orixa e com sua essencia pessoal.
Outro ponto que tem sido muito discutido e debatido sobre a manutenção da tradicão é a questão das casas em sua maioria usar o dialeto yorubano apesar de não pertencerem a nação ketu.
Não que o dialeto seja propriedade exclusiva, mas é ele quem distingue um segmento do outro, e é ele que identifica sua origem. Quando uma Casa Bantu se refere ao seus Deuses como Orixas, isso indica um alto grau de mistura e consequente perda da cultura primitiva daquela Casa. E em muitos casos fica latente a falta de conhecimento da cultura a qual se dizem pertencer.
O ketu é a nação que mais se difundiu por ter se aberto aos estudiosos e permitido publicações, o que por um lado é positivo e por outro é invasivo demais, por isso suas terminologias e vocabulário são mais utilizados, mas isso não é desculpa para não utilizar o vocabulário aprendido com os ancestrais e esquecer a tradição de cada Casa.
Como já expressei algumas vezes, existem diferenças culturais entre os segmentos, e considerar que todas as divindades são iguais e todas as nações são iguais, e que só muda a língua, é julgar uma nação com a ótica da outra, o que pode ser considerado um genocídio cultural e tradicional.
Se é para considerarmos que é tudo igual, que tudo pode ser misturado e pasteurizado, então voltemos ao sincretismo…Iansã volta a ser Santa Bárbara e desperdicemos mais uma vez a oportunidade de utilizar nossa liberdade de expressão, como povo do Axé e como nação que lutou para que um legado chegasse a nós.
Se é tudo igual toquemos todos com aguidavi, esqueçamos o kimbundo, o kikongo, esqueçamos os caboclos, apaguemos da história o nosso contato com os indígenas e as folhas que os angolanos aprenderam a utilizar antes dos yorubás, esqueçamos as nossas raízes e de onde viemos.Tanto da cultura Kongo-Angola já se perdeu nesses 510 anos, esses pequenos resquícios a gente pode esquecer fácil em uns 50 anos, se começarmos agora mesmo.
É verdade que muito se aprendeu entre nações, mas é preciso se autoconservar, o fato de estarmos em constante contato com uma nação não nos faz pertencer a ela, nem nos obriga a parecer com ela nem usar as mesmas ferramentas lingüísticas e rituais.
Somos filhos de orixá/inkisse/ou vodun, de acordo com um jogo de búzios que prevê essa diferenciação. Se tudo fosse igual o jogo de búzios não faria diferenciação.
Essa história de “aprendi misturado e vou continuar misturado” é desculpa, casas tradicionais ainda existem, busquemos beber nessas fontes.
Fazer uma análise crítica e necessária. Imagine se Mãe Stela não tivesse tido a idéia de combater o sincretismo, até hoje estaríamos todos louvando nossos deuses nas datas sincréticas.
E se não houvesse um santo católico com o que o orixá se sincretizasse ?
Ele não ia ter festa?
Não seria louvado?
Só vejo as pessoas indo mudar de águas, ninguém busca se aprofundar na mesma raiz?
Eu só vejo falarem: Porque minha raiz é essa ou aquela, raiz não diz quem é cada um, porque cada cabeça é um mundo e o que vemos é cada zelador fundando um culto separado da realidade da casa onde seu orixá/inkisse/vodum nasceu.
Muitas vezes recebem o deká, fazem o primeiro filho de santo e nunca mais voltam na Casa de sua mãe porque nunca se deram bem com o zelador (a), uma pessoa dessas se baseia em quê para dar seguimento a um axé? Só no orixá/inkisse/vodum?
E os fundamentos?
De onde ele tira os conhecimentos?
E quando surge uma dúvida?
Muda de águas??
Aí descobre pelo jogo do novo pai ou mãe de outra nação que fez um monte de filho errado, porque será?
Já vimos casos assim.
O que mais posso dizer?
Muitas vezes me sinto atirando pedra em telhado de vidro, porque fui iniciada numa casa que não é tradicional, e só fui percebendo isso depois, mas também consigo perceber hoje uma evolução no sentido de se recuperar o que foi perdido, principalmente o vocabulário, as rezas, as celebrações. Percebo que mesmo não sendo de uma raíz famosa é possível buscar conhecimento junto aos mais velhos em casas tradicionais, basta ter humildade que é algo que muitos poucos zeladores(as) têm.
Então venho nesse texto pregar isso: HUMILDADE, busquemos aprender o axé de nossa raíz, o nosso vocabulário, e passemos a usar um olhar mais crítico sobre nossas atitude, chega de perpetuar a cultura alheia, valorizemos a nossa.
AXÉ
Este texto é um híbrido entre um texto de minha autoria e uma grande parte de um texto publicado no blog ocandomblé. Credito à Carol de Matamba, ex colaboradora do blog ocandomblé.
fonte:http://blog.ori.net.br/?p=833
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