CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Fevereiro o mês de Yemanjá ( O Pirangueiro e as lendas do rio )



                            Monumento ao Nego D'água no rio.
                           São Francisco, obra do escultor Ledo Ivo.






Segundo o Dicionário Houais, palavra pirangueiro é derivado do tupi “pira”, peixe, e o sufixo “gueiro” foi adquirindo com o passar do tempo muitos outros significados de uso popular para definir comportamentos, costumes e situações da vida cotidiana das populações ribeirinhas.






Entardecer no rio Paraná pelos olhos de um turista prudentino.




A primeira vista, segundo o conceito ou preconceito da gente comum, pirangueiro é o sujeito pedichão, oportunista, que se faz sempre de coitado e – como diz o povo – “faz-se de besta para comer bornal cheio”. É o malandro da beira-rio, que se diz esperto e sempre se aproveita da boa fé dos outros.


Numa segunda definição, mais amena, é o aficcionado em pescaria de anzol ou é bem preparado para a pesca; é também chamado em algumas regiões de “barriga verde”. E numa terceira vista, é a pessoa que se ocupa de atividade temporária, sem profissão definida e que também é chamado de “bóia fria”. Com o tempo a palavra adquiriu aa força de verbo e “pirangar” passou a significar pedir esmolas, pedir emprestado, obter gratuitamente as coisas.


Definições lingüísticas precisas, vindas do próprio povo, conhecedor crítico e sincero do seu jeito de ser e que sabe definir como ninguém as suas próprias características. Mas a melhor de todas definições é aquela que mostra a simplicidade do pirangueiro, não como uma fraqueza ou defeito de personalidade, mas uma marca adquirida pela necessidade de sobrevivência, de proteção contra a sua condição social de pobreza e muitas vezes de miséria.


O caboclo ribeirinho do Paranazão não é diferente daquele que vive há séculos nas margens do São Francisco, do Amazonas, do Madeira ou do Tietê. Suas origens raciais e culturais são idênticas e as causas da sua condição social não diferem, senão nas particularidades locais, em quase nada aos moradores das barrancas e que sempre fizeram do rio o seu celeiro de pão e poesia.


Em texto e tese tipicamente positivistas Euclides da Cunha, em “Os Sertões” já confirmava essa origem de raça e cultura, porém lembra que o mais antigo e isolado sertanejo nordestino tinha suas raízes mais remotas no território primitivo da Capitania de São Vicente:


“Segundo o que se colhe em preciosas páginas de Pedro Taques (Nobiliarquia Paulista), foram numerosas as famílias de São Paulo que, em contínuas migrações,procuraram aqueles rincões longínquos e acredita-se, aceitando o conceito de um historiógrafo perspicaz, que o vale, que o “vale do São Francisco, já aliás muito povoado de paulistas e de seus descendentes desde o século 18, tornou-se uma colônia quase exclusiva deles”. (...) É que já se formara no vale médio do grande rio uma raça de cruzados idênticos àqueles mamelucos estrênuos que tinham nascido em São Paulo. E não demasiamos em arrojada hipótese admitindo que este tipo extraordinário do paulista, surgindo e decaindo logo no Sul, numa degeneração completa ao ponto de declinar no próprio território que lhe deu o nome, ali renascesse e, sem os perigos das migrações e do cruzamento, se conservasse prolongando, intacta,ao nosso tempo, a índole varonil e aventureira dos avós”.

Nessa descrição do povo do Vale do São Francisco, de onde, aliás, vieram os antepassados de muitos dos nossos ribeirinhos, é notória a semelhança da qual acabamos de falar:


“ No dizer de Geraldo Rocha, profundo conhecedor dos problemas do vale, o homem do São Francisco constitui "uma sub-raça, que em uma existência de mais de três séculos conservou caracteres étnicos já muito nítidos e estáveis"; a seguir, completa: "produto da entrosagem do índio e do luso, com laivos de sangue negro, o sertanejo são-franciscano ou nordestino é a perfeita encarnação do tipo bandeirante rijo, que lutou com a Natureza, devassou os sertões ínvios, dominou os selvagens, repeliu o elemento estranho". Os pioneiros que se aventuraram pelo sertão, na conquista de novas terras e em busca de riquezas, firmaram-se às margens do São Francisco através da formação de currais de gado, economicamente rentáveis, e da agricultura de subsistência. Essas zonas pastoris formadas ao longo do rio caracterizam-se por não importarem quase nada. As populações rurais, por viverem praticamente isoladas dos centros urbanos mais avançados ou pelo menos enfrentando dificuldades para manter com estes um relacionamento freqüente, desenvolvem hábitos próprios de consumo: elas centralizam suas atividades na criação de gado e exportação de peles, procurando o quanto possível a auto-suficiência por meio de uma agricultura sem objetivos de comercialização.


O que lhes causa constante preocupação é o sal, que não podem dispensar nem têm condições de produzir. Esse é o motivo por que ainda hoje o transporte de sal constitui o sustentáculo econômico de muitas embarcações, sobretudo de madeira, pois as de ferro ficam mais sujeitas à corrosão. Historicamente, portanto, a natural dificuldade de comercializar amiúde com os litorâneos desestimulou muitos dos aventureiros dos séculos passados, aos quais atraíra de início a perspectiva de fortuna fácil pelos sertões.


Como as atividades da pecuária demandavam poucos braços, os escravos acabavam sendo vendidos para os engenhos do litoral e as famílias de origem européia partiam para os cafezais do sul.Como ainda observa Geraldo Rocha, a "entrosagem racial se deu, assim, fatalmente, entre os aborígines repelidos da costa para as regiões do Nordeste e os pioneiros dos currais e da mineração com os primitivos escravos que os acompanhavam, cujos descendentes haviam conseguido a liberdade por serem filhos de índias livres". Devido às origens da formação étnica do homem sertanejo, seu linguajar apresenta influência de vocábulos indígenas, e muitas localidades tiveram início em aldeias de nativos. Exemplo disso é a cidade de Sento Sé - hoje relocada devido ao represamento de Sobradinho -, fundada em região onde se encontravam os índios centossés, à margem direita do rio. O nome aparece também grafado como Cento Sé ou Santucé, e um dicionário do império, editados em Paris no ano de 1845, que registrava o verbete Centocé, explicava tratar-se de "antiga povoação do centro da província da Bahia, creada villa com o nome de Santa-Sé”.


No decorrer da história, as precárias condições de vida dos barqueiros e demais ribeirinhos do São Francisco, o analfabetismo dominante e o espírito ingênuo característicos constituem chão fértil para o surgimento e a fixação das mais variadas crendices e superstições. Esses homens, não contando com maiores recursos para abandonarem as duras condições e vida e tendo de labutar diariamente pela própria sobrevivência, projetam seus temores na personificação de seres mitológicos. Buscam, assim, no sobrenatural a explicação mágica dos fenômenos naturais cuja causa desconhecem e criam, ao mesmo tempo, uma defesa inconsciente contra esses temores. Como conseqüência das crendices existentes deriva naturalmente a criação de práticas supersticiosas protetoras, que lhes venham confortar o espírito.


Como fenômeno social, a crendice e a superstição nas regiões do São Francisco não apresentam fundamental novidade em relação a outras épocas ou lugares; a diferença reside apenas em sua forma de manifestação, caracterizada pelo fato de alguns mitos existentes serem próprios do rio São Francisco e se relacionarem com os perigos nele encontrados pelos ribeirinhos. Muitos são os personagens mitológicos, alguns de origem indígena, que lhes povoam a imaginação: Goiajara, Anhangá, Angaí, Galo Preto, Capetinha, Cavalo d'Água, Cachorro d'Água e tantos outros. Dos mitos que habitam as águas do rio os mais conhecidos são o Bicho d´Água, a Mãe d'Água e o Minhocão.

Tais crendices têm perdurado na imaginação dos ribeirinhos até os dias de hoje. E não poucos chegaram a atribuir supersticiosamente às tradicionais carrancas do São Francisco a função de salvaguardar os barqueiros dos perigos iminentes, precavendo-os por meio de três longos gemidos. A interpretação mítica, porém, não é a mais correta para explicar as origens dessa curiosa manifestação artística do homem do São Francisco.




                                               Retrato do Pirangueiro.
                                              Piranga






O Nego D’água do São Francisco e do Paraná


Há quem afirme de viva voz que já viu aquela figurinha atarracada de cabeça grande e olho no meio da testa. O "nego d'água" que habita nos locais dos rochedos do meio do rio, como também escava suas covas na base do barranco da beira do rio, o que provoca tombamento do mesmo. Para afugentá-lo desses locais que terminava alargando o rio, os beiradeiros jogam nesse ponto cacos de vidro, que amedrontam o caboclo d'água. Apesar de viver também fora d'água ele nunca se afasta muito da beira do rio. Quando não gosta de um pescador, afugenta os peixes, tange-os para longe da rede de pesca. Como a caipora, adora fumo, costume que faz com que os pescadores atirem fumo a água para cair nas graças do negrinho que gosta desse agrado, costuma aparecer nas casas de farinha das ilhas ou dos barrancos e noite de farinhada, comumente depois que os trabalhadores se acomodam para dormir, passeando entre os que estão adormecidos, para roubar-lhes fumo ou beiju.



É em personagem encantada transformando-se em outro animal ou objeto. Um pescador contou que pescava a noite quando percebeu um vulto de um animal morto boiando na correnteza. Remou apressadamente em direção ao animal, percebendo ao se aproximar que se tratava de um cavalo, e aí tentou encostar a canoa para verificar a marca ou ferro, para avisar ao dono, quando o animal afundou e logo em seguida, a canoa foi sacudida, percebendo o pescador que um nego d'água agarrado à borda da embarcação tentava virá-la.



Nesse instante lembrou-se o pescador que trazia um pequeno pedaço de fumo, que imediatamente atirou para o neguinho que dando cambalhotas, desapareceu no fundo das águas. Alguns dizem que existe apenas um nego d'água em todo o rio, outros dizem que são muitos. O fato é que o nego d'água, povoa a imaginação de todo menino beiradeiro, o que sossega os corações das mães, pois a noite os pequenos só se aproximavam da água acompanhados por adultos.


O fato de ter ficado por longo período isolado desenvolveu, no são franciscano, suas crendices e medos dentro do seu próprio universo. Nada trazido de outras regiões. A maioria dos duendes, bons ou maus, são ligados a água, da qual fazem seu habitat.



A Mãe D'água


Ou Iara é a rainha das águas e nesse caso a voz é unânime em dizer que só existe uma. A mãe d'água na figura de mulher muito atraente, atrai os homens, e os leva para as profundezas do rio. Segundo essas histórias, muitos são os atraídos pela mãe d'água e que desapareceram misteriosamente quando pescavam a noite, ou navegavam sozinhos pelo rio

Nenhum comentário:

Postar um comentário