CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Fevereiro o mês de Yemanjá ( A Maternidade de Yemanjá vai Além do “Biológico” )


A Maternidade de Yemanjá vai Além do “Biológico”



Foi a mulher de Tradição Yorubá que lançou a semente, germinou e pariu a reinvenção da Religiosidade Africana em Continente Brasileiro



No Candomblé, os segmentos subordinados da sociedade experimentam a possibilidade de ascensão social, e de desenvolvimento de uma nova sociabilidade, transformando seus lugares de desvantagem social em posições de prestígio, geralmente ligadas à hierarquia religiosa. Aí as mulheres, inclusive as negras, ocupam altos cargos, diferentemente do que se verifica nas demais religiões. Além disso, predominantemente, sobretudo nas Casas Tradicionais Brasileiras, a organização sócio-religiosa nesses espaços se estrutura a partir da lógica matrilinear, sendo a figura mais importante na hierarquia religiosa a Mãe-de-Santo ou Iyalorixá (Iyá = Mãe).


Nesse sentido, um fato importante, refere-se à possibilidade de a maternagem ser exercida nessa tradição, não necessariamente ligada a um vinculo biológico. Chama atenção o fato de que, até nos dias atuais, qualquer pessoa do gênero feminino possa desempenhar, na Comunidade de Terreiro, tarefas relativas ao cuidado com as gerações imaturas – dar banho, colocar para dormir, brincar, passar oralmente ensinamentos (de caráter religioso ou não), ensinar a cantar e dançar, dar comida e até amamentar – ainda que não exista vínculo consangüíneo. Assim, o maternar é um processo sócio-cultural e político de caráter coletivo, concebido como maternidade extensiva.



Chafariz composto de bacia circular em concreto revestido com pedra portuguesa na parte exterior e elemento central cujo destaque é a escultura de uma sereia grávida, representando orixá das águas – Yemanjá.

A escultura é revestida em fibra de vidro pigmentada de branco. Sobre a cabeça da escultura, aureóla metálica onde se localizam as saídas de água.

 DE:  Bel Borba




A historia das primeiras Casas-de-Santo no Brasil, mostra que foi a mulher de Tradição Yorubá que lançou a semente, germinou e pariu a reinvenção da religiosidade africana em continente brasileiro, possibilitando a criação do Candomblé. Isso se perpetuou através da chefia espiritual das Casas e da sua presença real em toda a hierarquia religiosa. As primeiras dirigentes viabilizaram a possibilidade de nos Ilês se desenvolverem laços afetivos, bem como de solidariedade econômico-política e étnica, além de ali fornecerem à população afro-descendente em geral a oportunidade de um espaço de luta contra a escravidão e de busca de solução para diferentes problemas. Nesse sentido, esses territórios negros podem ser considerados verdadeiros quilombos, espaços de preservação do capital simbólico da africanidade.


A força política dessas Sacerdotisas e dos seus Terreiros assegurou no Estado Novo o reconhecimento do Direito ao Culto, bem como levou órgãos do Patrimônio Histórico Nacional, anos mais tarde, a reconhecer sua importância e a tombar várias Casas, como a Casa Branca do Engenho, o Ilê Axé Opô Afonjá e o Terreiro do Gantois, na Bahia, dentre outros. A força política tem remotas raízes. De acordo com Renato da Silveira, “na organização dos Reinos Fons e Nagô-Yorubá, as mulheres desempenharam um papel ativo. Eram elas que administravam o palácio real, assumindo os postos de comando mais importantes, além de fiscalizarem o funcionamento do Estado.” No âmbito do Estado Africano, os interesses das mulheres, em especial das mulheres comerciantes, eram representados politicamente pela figura da Iyalodê . Nas sociedades ocidentais, o feminino é representado por oposições simples, ligadas ao par Bem/Mal: Santa-Pura-Esposa-Mãe versus Prostituta-Impura-Devassa-Dissimulada.


No Universo Yorubá, as versões do feminino, estão referidas ao poder das Iyagbás - Oxum, Oyá, Yemanjá, Nanã, Obá, Euá – e das Iyá mi – as grandes mães ancestrais, senhoras dos pássaros da noite. Nessa visão, o corpo é sacralizado. Corpo que institui o poder transcendental. Assim, o cuidado com o corpo está, portanto, diretamente ligado ao cuidado com a dimensão espiritual. O exercício da sexualidade, em qualquer orientação, não é analisado de forma moralista/conservadora, mas como celebração de vida e manifestação de Força Vital (Axé). Obatalá (princípio masculino) e Odudua (princípio feminino) aparecem no Mito da Criaçao da Existência em uma união complementar, representados por uma cabaça, onde a parte superior representa o masculino e a inferior o feminino, esta última tendo a tarefa de impulsionar a continuidade da existência.


Nesse sentido, o poder feminino se expressa na sua capacidade de dinamização e expansão de valores e significados contidos nas práticas sociais vividas no cotidiano da religiosidade. A história das mulheres negras no continente africano mostra sua importância na economia de trocas de mercadorias, sendo sua presença maciça nos mercados. Ainda hoje, sobretudo as mulheres de Etnia Yorubá, exercem atividades sócio-ocupacionais em espaços coletivos ligados ao comércio de tecidos e roupas ou de alimentos, ou ainda, montam pequenas vendas de legumes, verduras, frutas e iguarias nos tabuleiros. Vale ressaltar, segundo a professora Terezinha Bernardo, que a renda decorrente destas atividades não se caracteriza como complementar à do cônjuge, uma vez que elas compram os produtos provenientes da colheita do marido, os vendem, restando a elas o lucro. Ou seja, historicamente, as mulheres negras, antes de trazidas à força para as terras brasileiras, já tinham um espaço sócio-econômico reconhecido enquanto comerciantes e negociadoras.


A vivência desta experiência lhes conferiu saberes na esfera da negociação e da barganha, atributos que lhes foram fundamentais enquanto estratégias de sobrevivência para se manterem vivas no contexto da dominação escravocrata e na luta pela manutenção das tradições. Através do trabalho no mercado, as mulheres se lançavam na arena pública, construindo-se e reconstruindo-se como sujeitos políticos, dotados de liberdade e autonomia. Esse traço da Tradição Yorubá explica, em grande parte, o fato de as mulheres negras terem sido, no Brasil, as primeiras a ingressar no mercado de trabalho. Após a abolição oficial da escravidão, quando as mulheres brancas encontravam-se aprisionadas no espaço da domesticidade, era significativa a presença de mulheres negras ocupando a cena pública, vendendo nos tabuleiros – eram as famosas quituteiras, negras de ganho que até hoje compõem a geografia humana e econômica de algumas cidades, como Salvador. O poder feminino exercido na negociação realizada durante as atividades no comércio rendeu às mulheres a capacidade para enfrentar a dominação com malícia e negociação.


Tanto na África como no Brasil, através das atividades do comércio, as mulheres conseguiram acumular consideráveis quantias em dinheiro, conseguindo comprar sua autonomia política e sócio-econômica, bem como sua liberdade do ponto de vista civil, portanto, a possibilidade de expansão. É comum nos Terreiros assistir-se mulheres enfeitando-se para as festas públicas; por exemplo, trançando os cabelos. Esta é uma atividade do comércio feminino de Tradição Yorubá, que é aprendida em família e, recriando a memória, atualizando significados de pertença. Trata-se de uma experiência que, nesta cultura, só se confia a amigos ou parentes (consanguíneos ou espirituais), pois que no cabelo “tem Axé Pessoal” e na Cabeça (Ori), “mora o Orixá”. Assim, pelo poder feminino, se une o presente à ancestralidade, e se identifica/ revela o pertencimento étnico. Considerando-se o lento e constante processo de desafricanização dos símbolos negros e, portanto, sua desetinização, o papel do poder feminino de preservação do conjunto desses bens simbólicos legados pela Tradição Yorubá, ganha importância, uma vez que, fora do campo religioso, nenhuma das instituições culturais africanas sobreviveu. Nos Territórios das Comunidades de Terreiro de Tradição Yorubá, são recriados valores, idéias e ideais. Mais do que isso, é reinventada uma maneira de ser e viver o feminino fora dos padrões da sociedade ocidental, que visa a subordinação das mulheres.



Fonte: O Poder e o Feminino na Tradição Yorubá - Profa. Dra. Marlise Vinagre Silva - UFRJ

Imagem: Cleide Pizani

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