Candomblé e ecologia
Seguindo este assunto que já foi assunto de algumas postagens reproduzo a seguir o conteúdo do material "oku obo espaço sagrado - educação ambiental para religiões afro-brasileiras"
A cartilha OKU ABO é uma ferramenta educativa criada pelo projeto OKU ABO - Educação ambiental para Religiões Afrobrasileiras, com o objetivo de resgatar o saber tradicional das religiões afro-brasileiras e promover a preservação do meio ambiente a partir desse resgate.
O material que transcrevi não é o texto integral da cartilha, mas, não fiz qualquer alteração ou edição no texto que reproduzo.
Estão aqui os principais pontos, mas o folheto é muito bem feito.
Quero ressaltar que harmonizar o Candomblé com a natureza e a ecologia não é uma coisa natural.
É necessário empenho das pessoas nisso.
O que vemos hoje é justamente o contrário, as pessoas do Candomblé tem péssima educação e nenhuma consciência ecológica e até mesmo sanitária.
Isso não tem que ser assim e esta realidade tem que mudar.
A primeira atitude é reconhecer que este comportamento é geral, porque para variar cada um acha que o outro é que é o problema.
Assim os desinformados que pensam que existe uma preocupação natural de candomblecistas com a natureza, acordem, é justamente o contrário.
Iniciativa da cartilha é do terreiro de candomblé Ilê Omiojuaro, de Mãe Beata de Yemojá, em parceria com entidades religiosas, ambientalistas, pesquisadores e órgãos públicos, a cartilha foi elaborada com base emensinamentos ancestrais.
Os nossos mais velhos contam que antigamente não encontravam tantos resíduos de vidro, plástico, papelão, compondo as oferendas afro-brasileiras.
O dito progresso do mundo capitalista deturpou, dentre outras coisas, nossa maneira de tratar o meio ambiente.
O povo-de-santo acabou incorporando valores que nada têm a ver com a nossa cultura, que nos afastam de nossa tradição e que hoje são usados para justificar mais preconceitos contra as religiões afro-brasileiras.
"“Meu filho, orixá é tudo isso que está aí...
É o princípio da vida, está em todas as coisas.
Por isso, tome muito cuidado, pois quando você
mexe em uma coisa, desequilibra outra”.
“Ohomem não percebe que ele não é nada.
A gente está aqui de passagem.
A terra vai comer tudo isso...”
“Está vendo essas mazelas que acontecem no mundo?
É a natureza.
São os orixás se revoltando com a agressão do homem a ela.”
(Ensinamentos da minha Yá, Olga do Alaketu)
Todo o espaço é sagrado para as religiões afro-brasileiras.
Èsù (Exú) - Caminhos, trilhas e encruzilhadas
Ògún (Ogum) - Ferro
Ò s ó ò s ì (Oxossi) - Florestas
Òsanyìn (Ossain) - Segredo das folhas
Obalúayé (Obaluaiê / Omolu) - Terra
Òsùmàrè (Oxumarê ) - Arco- íris
Sàngó (Xangô) - Raios, trovões e pedras
Irókò (Irôco) - A força física do povo de santo
Oya (Oiá/ Iansã) - Chuva, tempestade, vento
Ò s u n (Oxum) - Rios, cachoeiras
Yemonja (Iemanjá) - Mares e rios
Obà (Obá) - Grutas, cavernas e encontro das águas
Yewa (Euá) - Cosmos, mata virgem
Nàná (Nanã) - Pântanos e mangues
Òòsàálà (Oxalá) - Harmonia da natureza
Como Ialorixá, eu oriento meus filhos de santo e
quem me procura para que tenham sempre
preocupação com nossas práticas religiosas no
ambiente em que vivemos.
Aconselho todos os sacerdotes a fazerem o mesmo.
(Mãe Beata de Yemonja).
Áreas de Proteção Ambiental - APAs APAs são locais onde você pode realizar livremente suas oferendas.
Servem para diminuir os impactos nas reservas e parques, através de práticas sustentáveis, como:
• utilize recipientes biodegradáveis;
• não deixe sacos plásticos e embalagens nas APAs;
• rio e cachoeira: não coloque oferendas dentro do rio ou cachoeira e cuidado para não prejudicar a vegetação da margem do rio, porque é ela que o mantém vivo;
• apresente sua oferenda, reze, faça seu pedido e depois a coloque fora da margem;
• mar: use materiais biodegradáveis, derrame os líquidos de garrafas e frascos de perfumes e retorne com objetos tipo
espelho, pente, sabonete, bijuterias, garrafas, etc.;
• rua, caminhos e encruzilhadas: não coloque oferendas no asfalto, mas no canteiro.
Além de ficarem muito expostas, veículos geralmente passam por cima delas e quebram os recipientes, podendo causar acidentes;
• pedreiras: raspe a parafina das velas e coloque -a no lixo.
Sabemos que nossa tradição se baseia na troca, na generosidade, por isso nossos rituais são sempre muito ricos e fartos. Porém,
lembre-se que orixá é simples, come no chão.
Então, nunca devemos confundir riqueza com dinheiro e fartura com desperdício. Isso
são valores da sociedade de consumo e não da tradição afro-brasileira.
Para os orixás e encantados a qualidade das oferendas é muito mais importante que a quantidade.
As porções das oferendas e ebós devem ser proporcionais àquelas destinadas a uma pessoa (200g a 500g).
A oferenda começa desde a hora do preparo.
Compartilhe o axé com seu orixá.
Na tradição afro-brasileira não se
desperdiça nada.
Podemos observar que até hoje, em muitas casas, todas as partes dos animais sacrificados e as comidas são consumidas.
Cerca de 10%, o axé do santo, é consumido pelos iniciados, e o restante é destinado ao público.
Ainda é comum nos candomblés, que todas as comidas de santo - omolocu, farofa de azeite de dendê, feijão preto temperado com azeite e camarão, xinxin de galinha, caruru, vatapá e o famoso acarajé - sejam servidas ao público.
Todas as religiões realizam oferendas.
Os católicos dão a hóstia e o vinho; os judeus sacrificam um cordeiro na páscoa; os orientais dão alimentos e objetos; ou seja, não somos diferentes de ninguém.
Por isso, fique tranqüilo ao realizar sua oferenda.
• As oferendas devem ser realizadas dentro do terreiro, sempre que possível.
• Os alimentos cozidos devem ser consumidos ou enterrados após o tempo mínimo de exposição. O que sobra pode e deve ser enterrado ou
encaminhado para a compostagem, para produção de adubo orgânico. Isso é uma prática utilizada inclusive na África, berço dessa religião.
• Consulte a autoridade religiosa do seu terreiro sobre o tempo mínimo de permanência de exposição.
• Recolha sempre todos os resíduos de suas oferendas religiosas do meioambiente.
• Cantar, tocar, dançar são opções de oferendas que não deixam lixo. Podemos realizá-las em qualquer espaço, exceto nas reservas biológicas.
• Pergunte sobre restrições ao uso de som. Atabaques podem causar um forte impacto em determinadas áreas, como grutas e cavernas. Já em outras, não.
Dê sempre preferência a materiais biodegradáveis na prática do culto. Minimize o impacto causado na natureza.
• Alguidares, louças, copos e garrafas quebram com facilidade e causam ferimentosempessoas e animais.
• Copos e garrafas podem ser substituídos por cabaças, cuias de coco ou bambu.
• Para substituir os recipientes de louça ou barro, uma alternativa é o uso de folhas.
• Bananeira, mamona ou morim, podem forrar o fundo dos alguidares e louças.
• Após o ritual, deixe as folhas com as oferendas e retorne com os recipientes.
• Lembre-se de recolher todos os resíduos após o tempo mínimo de permanência. Isso tudo pode alterar a estética da oferenda, mas o resultado final compensa.
O fogo é um elemento imprescindível para as religiões afro-brasileiras, porém devese usá-lo com muita cautela, devido ao seu poder devastador.
• Antes de depositar sua oferenda na natureza, acenda as velas no terreiro.
• Se tiver que acender uma vela, faça-o somente em locais onde você possa se responsabilizar. Espere até que ela se apague.
• Aproveite o tempo para rezar e sentir a energia do ambiente em volta.
• Não deixe velas acesas nos pés das árvores. Você pode causar incêndio, além de causar dor nas árvores, pois elas são seres vivos.
• A questão não é religiosa. Provocar incêndio é proibido por lei e você pode ser preso por isso.
O que não puder ser reaproveitado com o mesmo fim, deve ser reciclado, ganhar nova roupagem e novo uso.
A louça usada nas oferendas pode ser lavada, fervida e reutilizada como recipiente de novas oferendas ou como utensílio no terreiro.
Já os alguidares, por serem de barro e porosos, são de fácil contaminação para serem reutilizados na culinária e no ritual.
Devem ser fervidos e podem ser reciclados se forem triturados e usados como terra.
Também podem ganhar uma pintura decorativa e você pode fazer três furos no fundo deles, transformando os em vasos de planta.
A questão é usar a criatividade a serviço do bem comum.
Veja o tempo de decomposição de alguns materiais:
Barro curado: 10 anos
• Celofane: cerca de 100 anos
• Cerâmica vitrificada: cerca de 500 anos
• Filtro de cigarro: 10 anos
• Madeira: 10 anos
• Metais: 100 anos
• Moedas: 200 a 500 anos
• Papelão: 2 a 4 meses
• Plástico: cerca de 500 anos
• Tecido de algodão: 10 anos
• Velas: até 3 anos
Atenção: o mercúrio (azougue) é cancerígeno e não pode ser manipulado sem proteção.
Tenha responsabilidade com a limpeza dos espaços sagrados.
Mantê-los limpos coloca-o em permanente contato com o axé dos orixás.
• Se tentarmos destruir a natureza, nós é que morreremos.
• Nunca deixe sacos plásticos, garrafas, velas e recipientes na natureza.
• Antes de realizar sua oferenda, faça sempre uma faxina na área, retirando restos de outras oferendas, embalagens e outros resíduos, seja a área na natureza ou no próprio terreiro.
• Leve sempre sacos de lixo e luvas plásticas para a coleta de resíduos.
Se não encontrar coletores, feche os sacos e transporte-os para o coletor mais próximo.
• Organize mutirões de limpeza com sua comunidade ou participe de grupos de voluntários dos parques e das reservas próximos a sua casa.
O material é assinado pelo Aderbal, filho de Beata.
Aderbal Ashogun é baiano, nascido no terreiro do Alaketu.
Promove ações afirmativas como músico, ativista ambiental e produtor cultural. Participou da ECO 92, quando começou a coordenar o projeto OKU ABO.
É consultor do IBAMA para Práticas Religiosas em Unidade de
Conservação.
Realizou oficinas internacionais de cultura afrobrasileira em Madri e Londres (1998), produziu e tocou no cd Cantigas de Candomble (2000), gravando 57 cantigas na língua ioruba, com intuíto de preservá-las.
Participou do Fórum de Espiritualidade e Sustentabilidade da Água, em Taiwan, 2004.
Foi palestrante em inúmeros seminários, entre eles o 9º Congresso Mundial de Tradição e Cultura de Orixá (UERJ, 2005) e o Iº Seminário contra o Racismo Ambiental (UFF, 2006).
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