CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Por trás do véu do sincretismo






Por trás do véu do sincretismo
Publicado em 31/08/2007 por Soteropolitanos 12
por Sara Regina


Ao caminhar no Pelourinho, quem passa em frente à Igreja do Rosário dos Pretos e escuta batuques de atabaques, ritmos africanos e vê a batina do padre incrementada com desenhos afros pode duvidar que trata-se realmente de uma missa católica. 


Mas é o que acontece todas as terças-feiras, às 18h, na realização de uma missa que une o catolicismo com elementos da cultura africana. 


Essa missa é um exemplo do sincretismo que uniu duas das religiões mais praticadas no Brasil: o candomblé e o catolicismo. 


Existindo quem o apóie e quem o recrimine.


A Igreja do Rosário dos Pretos lota às terças-feiras. 


Muitos fiéis assistem a missa de pé e são vários os que vão especificamente a essa celebração por seus diferenciais. 


O sincretismo pode ser visualizado desde a homilia do padre que faz referências aos povos afros, até as músicas religiosas, que são acompanhadas pelos batuques dos atabaques, entre outros instrumentos africanos. 


A freqüentadora da igreja há cerca de dois anos, Jacir Macedo, 33 anos, acha a missa interessante por gostar e se identificar com os elementos do candomblé: “Me sinto muito bem aqui, essa missa me transmite uma paz, tranqüilidade e muita fé”.


O sincretismo religioso trata-se da fusão de duas ou mais religiões, havendo uma troca de elementos de culto entre elas. Em Salvador esse sincretismo é visto mais fortemente, pelo fato da cidade apresentar grande número de afro-descendentes, associado à colonização feita pelos europeus que trouxe grande influência do catolicismo. Para o padre Arnaldo Lima, 60 anos, professor da Universidade Católica do Salvador (UCSAL), a relação sincrética do catolicismo com a religião afro-baiana acontece de forma diversificada. “Para algumas pessoas essa relação é de forma suave, como o nadar no rio da cidade onde nascemos. 


E Salvador teve a felicidade de acolher a religião dos africanos, na grande infelicidade da escravidão”.




Existem várias teorias para o surgimento do sincretismo religioso que ocorre atualmente. De acordo com Bel de Oxum, pai de santo há 45 anos, o sincretismo foi uma criação dos negros para enganar os patrões que impuseram a religião católica. 


Os africanos pegavam as imagens da religião católica, como a de Santo Antônio e de Santa Bárbara, colocavam em cima de uma mesa e embaixo dela colocavam o ebós, que são as oferendas para o seu orixá. “Dessa forma, quando os patrões se aproximavam, acreditavam que os escravos estavam adorando as imagens católicas”, afirma ele.


Para o padre Arnaldo, por uma questão de sobrevivência, os povos oriundos da África vestiram os seus orixás com as vestes do catolicismo oficial e dessa forma conseguiram manter a fé em seu culto. “Assim esses fiéis fazem serenamente a síntese entre o candomblé e o catolicismo, apesar de toda perseguição dos graduados na hierarquia”, declara o padre. 


Essa relação pode ser observada nas grandes festas religiosas e sincréticas que acontecem na cidade, como exemplos a Lavagem do Senhor do Bonfim, seguida por católicos e praticantes do candomblé, e o Dois de Fevereiro, dia de Yemanjá. Estreitando assim as culturas e as religiões vindas da Europa e da África.
No momento em que os africanos passaram a utilizar as imagens dos santos para poder reverenciar seus orixás, começou a surgir a fusão com os santos da igreja católica. 


Para parte da população, essas divindades correspondem-se, por apresentar desde vestes a histórias de vidas semelhantes. Exemplos de Iansã, que é sincretizada com Santa Bárbara, e os Ibejis que são associados a Cosme e Damião, entre outros. Mas para Bel de Oxum, cada um é único, quando se reverencia Ibejis não é o mesmo que reverenciar Cosme e Damião.
Convívio
O hibridismo religioso existente entre os católicos e os praticantes do candomblé é explicitado entre os que freqüentam as duas religiões de forma harmônica e aqueles que são praticantes de uma delas e em alguns momentos dirige-se a outra, seja numa missa ou num ritual do candomblé. A equede (nome dado no candomblé a aqueles que cuidam dos orixás) Sandra, do terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, diz ser batizada numa igreja. 


Atualmente não se considera católica, mas vai à missa em certas ocasiões: “Aprendi muitas coisas freqüentando a igreja, cada um tem a sua cabeça e aqui existe liberdade para cada um segui-la”.
O babalorixá Bel do Oxum, nome também utilizado para pai-de-santo, considera que devido ao sincretismo todos nós devemos ser batizados. 


De acordo com o pai-de-santo, a relação existente entre as duas religiões é quase que perfeita, existindo muitos padres que celebram missas nos terreiros e que vão até lá para comer o caruru de São Cosme. “Nunca houve uma discriminação grande, sempre existiu o misticismo”, declara Bel. De acordo com as convicções do padre Arnaldo Dias, o sincretismo é uma benção na cidade de Salvador.


Limites
Apesar de o sincretismo religioso ter se mostrado como fonte de sobrevivência da religião afro, parte dos católicos e dos praticantes do candomblé acreditam que deva existir um limite na relação entre as duas religiões. Fato que pode ser visto na Lavagem da Igreja do Senhor do Bonfim, onde o ritual foi modificado e somente as escadarias passaram a ser lavadas enquanto a igreja se mantém de portas fechadas abrindo-se somente na realização da missa por considerar a festa um ato profano.


Membros da Renovação Carismática, movimento eclesial dentro da Igreja Católica que procura resgatar os valores da igreja, costumam ser mais radicais quando se trata do sincretismo religioso. Maria de Lucia Ferreira, 35 anos, há 12 fazendo parte da Renovação Carismática, acha que deve existir uma separação entre as religiões, pois se tratam de práticas diferentes e os católicos não devem freqüentar outras práticas religiosas que não sejam as da igreja católica. “Cada qual é cada qual. E a Renovação Carismática é fechada à prática de outras seitas religiosas”, disse Maria Lucia.


De acordo com o padre Arnaldo Lima, essa relação acontece de forma tensa para alguns e de forma libertadora para outros: “Outras pessoas abjuram o passado, tentam esquecer uma religião que foi socialmente desprezada e teologicamente, ‘demonizada’, escondem suas crenças maiores”, afirma o padre. 


O candomblé Ilê Axé Opô Afonjá, conduzido por Mãe Stella, localizada no bairro de São Gonçalo, também não é adepto do sincretismo religioso, apesar de respeitar todas as religiões e dar liberdade aos seus praticantes de exercer a prática. 


A mãe-de-santo deixou claro sua posição contra o sincretismo religioso em um documento de 1983, assinado por várias outras yalorixás (nome também utilizado para mãe-de-santo), que tenta promover a separação total das práticas do candomblé com as católicas, por acreditar que o sincretismo leva ao consumo e a profanação da religião africana.



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