CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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sexta-feira, 15 de março de 2013

Filho de Oxalá, católico, e com fé na reencarnação




AGENOR MIRANDA ROCHA, VENERADO NOS TERREIROS DE CANDOMBLÉ E UM DOS SÍMBOLOS DA TOLERÂNCIA RELIGIOSA, VÊ PAÍS PIOR NO PLANO ESPIRITUAL 

MARCELO BERABA 
Diretor da Sucursal do Rio

Ele é o adivinho de Ifá, um Oluô,o intérprete do oráculo que traduz os desígnios dos orixás por meio dos búzios. O professor Agenor Miranda Rocha, 92, é venerado nos mais tradicionais terreiros de candomblé de Salvador, do Rio e de São Paulo. Iniciado na religião em 1912, é um dos maiores conhecedores das raízes iorubás trazidas da África pelos escravos da Costa Ocidental.

Ninguém representa tão bem as religiões afro-brasileiras quanto o professor Agenor. E ninguém, como ele, é tão representativo do sincretismo, do ecumenismo e da tolerância religiosa que caracterizam essas crenças. Filho de Oxalá, ele se considera católico por ter sido batizado, acredita na reencarnação, como os kardecistas, e admira as religiões orientais.
Ele tem críticas ao candomblé praticado hoje. Acha que existe mais vaidade, comércio e luxo do que no tempo em que seus adeptos eram perseguidos pela polícia.
O professor Agenor nasceu em Luanda quando Angola era colônia de Portugal. Seu pai era um diplomata português, e sua mãe, cantora lírica. Os orixás o rondaram desde antes de nascer, primeiro em Luanda e depois em Salvador, para onde o seu pai foi transferido em 1912.
Doente, desenganado por médicos baianos, ele foi iniciado e salvo por Mãe Aninha, fundadora dos terreiros de candomblé Axé Opô Afonjá de Salvador e do Rio.
Agenor Miranda Rocha é professor de língua e literatura portuguesas. Aposentou-se em 66. Pouco frequenta os terreiros hoje, embora ainda tenha um dos cargos mais importantes no candomblé: é o responsável que consulta aos búzios para definir a sucessão em duas das mais tradicionais casas de Salvador, a do Axé Opô Afonjá e a da Casa Branca do Engenho.
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Folha - Por que o sr. optou pelo candomblé?
Agenor Miranda Rocha - Eu acredito no candomblé porque tenho razões. Meus pais eram católicos fervorosos, não tinham nada a ver com o candomblé. Eu nasci em Luanda. Um africano um dia encontrou minha mãe numa feira e disse que ela estava grávida. Ela nem sabia. Ele disse que ela teria um filho que nasceria com uma mancha na cabeça e que queria dar um banho na criança. Minha mãe não acreditou, mas, para se ver livre dele, consentiu. Realmente, eu nasci, e o homem estava lá para o tal do banho.
Depois, meu pai pediu transferência para o Brasil. Tinha uma vaga, mas para onde o mandaram? Para Salvador (ri). Chegando lá, com 5 anos, eu fiquei muito mal, com uma febre que o médico desenganou. Uma vizinha foi à casa de Aninha (Ana Eugênia dos Santos, nascida em 1869), fundadora do Axé Opô Afonjá. Quando ela jogou (os búzios), disse: “Este menino não tem nada. Foi o modo que o santo achou para ele ser feito”. Como estava desenganado e ia morrer mesmo, meus pais deixaram. Dizem que, quando ela começou a mexer com as folhas, eu comecei a despertar.

Folha - Quando foi sua opção consciente pelo candomblé?
Agenor - Com 5 anos eu não poderia ter idéias tão determinadas. Mas sempre achei que, se os orixás me deram a vida, eu tinha de segui-los. E segui.

Folha - O sr. é considerado o mais importante guardião da tradição do candomblé. E mesmo assim se diz católico.
Agenor - Eu sou de candomblé e sou católico. Fui batizado. Não sou praticante, mas acredito nos santos. Se eu não acreditar nas outras religiões, como vão acreditar na minha? Todas são boas. Quem estraga são os adeptos.

Folha - O sincretismo foi importante para o candomblé?
Agenor - Foi. Garantiu a conservação do candomblé pelos escravos, que adoravam os santos da Igreja como se fossem os orixás. E o feitor pensava que rezavam para os santos católicos.

Folha - E o sr. acredita em vida depois da morte?
Agenor - Acredito piamente em reencarnação. Como os kardecistas (seguidores de Allan Kardec).
Folha - O sr. tem um pouco de católico, de oriental, de kardecista e ainda assim é considerado o grande sábio do candomblé. Como o sr. explica isso?
Agenor - (Ri muito.) Não sei, só Deus poderia explicar.

Folha - Mas o sr. vai à missa, participa de mesas espíritas?
Agenor - Não, não. Rituais, só os do candomblé.

Folha - O sr. nunca teve dúvidas? Ao pensar, por exemplo, como as outras religiões são socialmente mais bem aceitas?
Agenor - Eu gosto, por exemplo, das religiões orientais. O Dalai Lama veio me visitar e achou que eu era mais budista do que muitos que se dizem budistas. Mas eu me sinto muito bem no candomblé. Não nesse candomblé moderno. O meu é o antigo.

Folha - Qual a diferença?
Agenor - Há muita diferença. A principal, a vaidade. Enquanto eu fiz (a cerimônia de iniciação religiosa) com morim (tecido), os iniciados hoje fazem com lamê. Quando tia Polquéria, que era do terreiro de Gantois nessa época, levou uma fazenda melhor, minha mãe Aninha disse: “Eu vou consultar, porque o Oxalá deste menino só quer morim”. Quando perguntaram, Oxalá disse que queria morim para me dar coisa melhor depois. Se ele recebesse uma coisa muito rica naquela hora, o que ele ia me dar depois?

Folha - Que outras diferenças o sr. vê no candomblé de antigamente com o de hoje?
Agenor - O comércio. Não tenho nada com a vida dos outros, mas nunca cobrei no candomblé.

Folha - Antigamente os africanos e as primeiras mães-de-santo não viviam do candomblé?
Agenor - Não. Eles botavam as pessoas para vender doces nas ruas. Hoje, o sr. não vê uma baiana na rua vendendo doce. Hoje, para se iniciar no santo tem que ter dinheiro.

Folha - No candomblé não existe uma autoridade única que represente a religião, como o papa na Igreja Católica. Isso é bom ou ruim?
Agenor - Em parte, muito ruim. A aprendizagem no candomblé é oral. A Igreja Católica tem a Bíblia, os muçulmanos, o Alcorão. Nós não temos. Então, cada um vai ensinar como aprendeu. E nem sempre aprendeu certo.

Folha - Mas, depois de tantos anos e tantas mudanças, é possível saber o que é o certo?
Agenor - O que se aprendeu com os africanos é o certo.

Folha - O candomblé é mais aceito hoje do que no passado?
Agenor - Hoje é mais aceito e menos discriminado. No meu tempo, a polícia perseguia, prendia as pessoas de santo, até os próprios orixás eram levados para as delegacias. No tempo em que eu fiz santo, havia poucos terreiros. Hoje, em cada canto tem um candomblé, não apenas na Bahia, mas no Rio e em São Paulo.

Folha - O que causou isso?
Agenor - As pessoas iam ver, achavam bonito e queriam entrar.

Folha - Mas por que eles não têm na sociedade a mesma força de outras religiões?
Agenor - Porque nós não temos um chefe. Cada qual se acha melhor do que o outro. Hoje há uma falta de ética muito grande.

Folha - O sr. escreveu que a religião tem de mudar para não envelhecer. Como seria essa mudança no candomblé?
Agenor - Todas as religiões se transformam. A religião também acompanha a evolução. Em qualquer religião há uma coisa que está acima de tudo, a fé. Não tendo fé, não adianta nada. A minha fé é tanta que este ano eu fiz duas operações para retirar coágulos na cabeça. Os médicos ficam admirados com a minha reação orgânica.
O candomblé também deveria mudar, mas de forma consciente. Tirar as superstições. Acabar com a idéia de que orixá castiga, orixá bate. Orixá não é déspota.

Folha - O sr. acredita em milagres no candomblé?
Agenor - É um verdadeiro milagre sofrer duas operações na cabeça, na minha idade, e não ficar com sequelas. Os orixás orientaram os médicos. E isso me salvou.

Folha - Além da superstição, o que mais deveria mudar?
Agenor - Eu sou contra matança (de animais nas cerimônias). Todos fazem, eu não faço.

Folha - Mas na África havia a matança, até de pessoas.
Agenor - Era baseada no Antigo Testamento. Mas a maior parte, não. Fazia-se o pedido ao bicho e depois o soltava no mato, na floresta. Não estou condenando os que matam. Eu é que não mato. Meus santos têm flores e luz. Porque eu tenho uma concepção dos orixás diferente da que eles têm.

Folha - Qual é essa concepção?
Agenor - Que cada orixá se encantou num fragmento da natureza. Iansã se encantou no vento, Iemanjá no mar, Oxum nas cachoeiras e rios, Xangô no fogo, Ogum nas florestas. O pessoal do candomblé fala bem de mim, mas acho que não deve gostar.

Folha - Por quê?
Agenor - Eu não me identifico com coisas que eu acho que já deveriam ter evoluído. Quando matam os bichinhos, com cantigas, aquela faca enterrando devagarinho, esses bichos só podem dar força negativa, porque estão sofrendo. E eu vou colocar coisa negativa para o meu orixá? Não.

Folha - Sob o ponto de vista espiritual, o sr. acha que a gente chega ao final do século melhor ou pior do que no seu início?
Agenor - Acho que pior. É só ver como está São Paulo, que sempre foi Estado industrial, de desenvolvimento, é só ver o Rio.

Folha - A que o sr. atribui isso?
Agenor - À miséria, à falta de fé.

Folha - As pessoas parecem procurar cada vez mais consolo nas religiões.
Agenor - É um misto de fé e de desespero, de procura por uma salvação religiosa.

FONTE: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/especial/fe/fe14.htm


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