CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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segunda-feira, 26 de novembro de 2012

As valiosas conchas da África


O cauri e outras conchas coloridas circularam como moeda na África durante muitos séculos.

A. Félix Iroko

Desde 
             tempos remotos até 0 século XX, inúmeros objetos foram utilizados como moeda na África subsaariana: varetas ou pulseiras de metal, alguns tecidos, sal, pérolas, botões de camisa e conchas. Estas últimas, muito difundidas, foram os meios de troca que circularam em áreas de maior extensão.

Moluscos de origem marinha, as conchas de cauris, marginelas e olivas foram as que se destinaram com maior freqüência a esse uso. 

Os cauris (Cypraea annulus ou Cypraea moneta) são conchas brancas ou amarelo-claras, do tamanho de uma amêndoa. 

A valva dorsal é convexa, enquanto a ventral apresenta uma fenda. 

São encontradas apenas em mares quentes, principalmente no Pacífico Sul e no oceano Índico. 

A maioria dos cauris que circularam na África durante mais de mil anos procedia dos arquipélagos das Maldivas e das Laquedivas, no sudoeste da Índia, e das ilhas Zanzibar e Pemba, ao largo da costa oriental da África.

Despachados como mercadoria em seu local de pesca ou de coleta, os cauris freqüentemente serviam de lastro para os navios árabes, judeus ou europeus que os transportavam até os portos do continente africano, nos quais eram novamente vendidos como mercadorias.

As marginelas (Marginella ou Marginellidae) são moluscos marinhos de concha pequena e colorida, principalmente as procedentes das costas ocidentais da África. 

Também são encontradas nas regiões marinhas intertropicais da América, particularmente do Brasil.

Brilhantes como ágatas e mais compridas que os cauris, as olivas compreendem mais de 300 espécies. 
A mais utilizada como moeda na África subsaariana era a Olivancillaria nana. 

Recolhida nos arredores de Luanda, ela constituía a "reserva monetária" exclusiva dos reis do Congo até a chegada dos portugueses à região,no final do século XV.

A ÁREA DE CIRCULAÇÃO DAS MOEDAS-CONCHA

Até o século XVI, o nzimbu, nome congolês da Olivancillaria nana, circulava no reino do Congo, enquanto a marginela se limitava à bacia do Níger e o cauri difundia-se na região que constituiria posteriormente a África Ocidental e, em certa medida, na África Central.

Entre o século XVI e o final do século XIX, do Senegal a Uganda, do Sahel à Costa dos Escravos (Golfo da Guiné), o cauri foi mais difundido que qualquer outra moeda-concha. Mas foi pouquíssimo utilizado no Saara e jamais chegou a se implantar na África do Norte ou na África Austral.

Esse período marca também o apogeu da circulação das marginelas nas Áfricas Ocidental e Central, onde eram utilizadas pelas etnias da bacia do Congo em suas transações comerciais.

Já as olivas, sempre utilizadas exclusivamente pelos bantus, parecem jamais ter circulado fora das fronteiras congolesas. Para arruinar os reis do Congo, os portugueses trouxeram das costas brasileiras outras espécies de olivas, além de cauris do oceano Índico.

 Dessa forma, paulatinamente o nzimbu foi retirado da circulação monetária.

Os portugueses exportaram ainda olivas de Luanda e introduziram-nas como moeda fracionária, juntamente com os cauris, no tráfico de escravos negros do Brasil colonial.

As conchas não eram simples objetos de troca, pois possuíam todos os atributos das verdadeiras moedas. 

Como padrão e reserva de valor, constituíam à sua maneira instrumentos de câmbio e eram um símbolo de riqueza.

MOEDAS VERDADEIRAS, MOEDAS FICTÍCIAS

Enquanto moeda verdadeira, as conchas permitiam adquirir inhame, facas, bois ou escravos e remuneravam qualquer tipo de serviço. 

Enquanto moeda fictícia, serviam igualmente como medida de valor para fixar o preço de algumas mercadorias, sem forçosamente intervir em seu pagamento. 

No século XIX, o explorador francês Luís Gustave Binger transcreveu a conclusão de um acordo entre dois comerciantes do norte de Gana: "A cabaça de sal vale 2.000 cauris; o cento de kolas, 1.000 cauris. 

Ofereço-te então 200 kolas por uma cabaça de sal."

Portanto, as conchas favoreciam as transações e constituíam excelentes indicadores da variação no tempo e no espaço do valor das mercadorias. 

Para maior comodidade, eram agrupadas para formar múltiplos: depois de perfuradas, eram atadas em conjuntos de 12, 20, 40 ou 100 unidades, segundo o sistema de numeração utilizado no espaço comercial em que circulavam.


Assim como os cauris, os musangas, discos de concha de caracol que circulavam em algumas regiões da África, eram atados através de um orifício central para formarem colares. 

Dez colares, medidos da extremidade do dedo maior do pé ao calcanhar, no início do século XX, valiam um doti ou 3,60m de tecido azul; dez colares medidos do dedo menor ao calcanhar valiam um doti de qualquer pano de outra cor.


Essas moedas-concha da África subsaariana deram origem, em algumas regiões, a verdadeiras políticas monetárias. 

As autoridades tradicionais ou políticas - onde existia um poder centralizado - asseguravam sua circulação e regulamentavam sua importação. 

Ao tomarem medidas para evitar a superabundância de conchas, geradora de inflação, ou sua escassez, que dificultaria as transações comerciais, os soberanos exerciam um verdadeiro poder econômico. 

De Abomé à Costa dos Escravos, assim como no Congo, eles praticavam uma política monetária rigorosa, de reconhecida eficiência
.
Desde o início da era colonial as conchas começaram a perder paulatinamente seu valor monetário e deixaram de intermediar as transações comerciais. 

Atualmente, apenas os cauris continuam a circular, ainda que muito timidamente, entre os povos do sudoeste de Burkina Faso e do norte de Gana. 

É a única região do mundo onde conseguiram conservar em parte sua função de moeda. Só não se sabe até quando. 

(Traduzido por Clóvis Alberto Mendes de Moraes)


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