BIBLIOGRAFIA PARA O ENSINO RELIGIOSO
Um estudo realizado pela antropóloga e professora do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, Débora Dias, acaba de ser apresentado na obra “Laicidade: O Ensino Religioso no Brasil”.
Produzido com base na análise dos 25 livros de ensino religioso mais usados pelas escolas públicas do país, a pesquisa concluiu que o preconceito e a intolerância religiosa são a base dos ensinos ministrados a milhares de crianças e jovens do ensino fundamental brasileiro. “O estímulo à homofobia e a imposição de uma espécie de ‘catecismo cristão’ em sala de aula são uma constante nas publicações”.
A pesquisa analisou os títulos de algumas das maiores editoras do país. A imagem de Jesus aparece 80 vezes mais do que a de qualquer liderança indígena no campo religioso - limitada a uma referência anônima e sem biografia -, 12 vezes mais que o líder budista Dalai Lama e com espaço 20 vezes maior que Lutero, referência intelectual para o Protestantismo. João Calvino sequer é citado.
Esses números são contrastantes com a Lei de Diretrizes e Base da Educação ( Lei nº 9475, em vigor desde 1997),cuja ordem é garantir justiça religiosa e liberdade de crença. Ela pretendia regulamentar o ensino de religião nas escolas brasileiras, mas, na prática está havendo evidente confusão entre o ensino religioso e a educação cristã.
A antropóloga reforça a imposição do catecismo. “Cristãos tiveram 609 citações nos livros, enquanto religiões afro-brasileiras, tratadas como ‘tradições’, aparecem em apenas 30 situações”.
O estudo aponta também clara discriminação contra homossexuais. “Desvio moral”, “doença física ou psicológica”, “conflitos profundos” e “o homossexualismo não se revela natural” são algumas das expressões usadas para se referir aos homens e mulheres que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. Um exercício com a bandeira das cores do arco-íris acaba com a seguinte questão: “se isso (o homossexualismo) se tornasse regra, como a humanidade iria se perpetuar?”.
A pesquisadora afirma que o estímulo ao preconceito chega ao ponto de associar uma pessoa sem religião ao nazismo – ideologia que prega o racismo e o anti-semitismo e provocou, no séc. XX, uma guerra devastadora que assassinou milhões de civis. “Os livros usam de generalizações para levar a desinformação e pregar o cristianismo” e “Sugerem que um ateu tenderia a ter comportamentos violentos e ameaçadores”, completa a professora Débora.
(fonte: agência UnB)
ASSÉDIO RELIGIOSO - Eduardo Beyer
São os povos em situação de opressão econômica, como os povos indígenas, especialmente suscetíveis ao assédio religioso?
É muito raro encontrar referências a respeito na web, mas é fácil compreender que é essa forma de assédio um dos mais terriveis braços a serviço do etnocídio, já que substitui funções de benefício humanitário, que deveriam ser realizadas pelo Estado laico, cobrando por isso o abandono de tradições culturais que lhe são próprias e a aceitação cega de um contexto cultural que lhe é alienígena.
Segundo Mauro Kerob, "O assédio religioso talvez seja um dos mais terríveis e criminosos porque mexe com visões de mundo. (...) os religiosos chamam esse assédio de proselitismo. Proselitismo religioso, quando estão 'levando a palavra de Deus' ? Por que este proselitismo se transforma em assédio? Transforma-se porque os religiosos andam em grupos e costumam abordar uma ou no máximo duas pessoas; a superioridade numérica transforma o proselitismo em assédio".
Mas o que acontece quando o proselitismo está amparado em promessas de benefícios econômicos? É claro que isso se constitui em assédio religioso, talvez o mais tolerado dos assédios já que situa-se sempre a favor do status quo das classes dominantes, desde os tempos da colonização mercantilista.
Por exemplo, vejamos o caso dos Guajajara, que têm uma história longa e muito singular de contato com os brancos. O primeiro contato pode ter acontecido em 1615, nas margens do rio Pindaré, no Maranhão, com uma expedição exploradora francesa. Até os meados do século XVII, os Tenetehára foram assolados pelas expedições escravagistas dos portugueses no médio Pindaré. Esta situação mudou com a instalação das missões jesuítas (1653-1755), que ofereceram certa proteção contra a escravidão, mas implicaram um sistema de dependência e servidão.
Depois da expulsão dos jesuítas da Colônia pela Coroa, os Tenetehára conseguiram recuperar parte de sua antiga independência, reduzindo os contatos com os colonizadores. A partir de meados do século XIX, foram progressivamente integrados em sistemas regionais de patronagem, com todas as formas conhecidas de exploração extrema (como coletores ou remeiros, por exemplo).
A política indigenista da época não articulava qualquer proteção contra estes abusos. Os Guajajara, de vez em quando, reagiam violentamente, mas em geral permaneciam submissos.
A maior revolta, no entanto, foi causada por um empreendimento de missão e colonização dos capuchinhos, a partir de 1897, em Alto Alegre, na região atual de Cana-Brava. Em 1901, o cacique Cauiré Imana conseguiu unir um grande número de aldeias para destruir a missão e expulsar todos os brancos da região entre as cidades de Barra do Corda e Grajaú. Poucos meses depois, os índios foram derrotados pela milícia (composta de contingentes do Exército, da Polícia Militar, de indivíduos da população regional e de guerreiros Canelas) e perseguidos por vários anos, o que fez muito mais vítimas entre os guajajara do que entre os brancos. A revolta de Alto Alegre representa um dos incidentes mais importantes na história deste povo.
Novos conflitos sangrentos surgiram a partir dos anos 1960 e 70, com a expansão descontrolada de latifúndios no centro do Maranhão, empurrando muitos posseiros para dentro das Terras Indígenas.
O maior palco destes conflitos foi de novo Cana-Brava, com o povoado ilegal de São Pedro dos Cacetes, que existiu de 1952 a 1995 e contra o qual os guajajara tiveram que resistir quatro décadas, com apoio apenas esporádico do Governo Federal. Outras ameaças surgiram a partir dos anos 1980, com o Programa Grande Carajás e com a cobiça de pequenas madeireiras regionais.
Oprimidos pelos brasileiros, a quem poderiam recorrer os Guajajaras? É aí que entram os missionários estrangeiros e suas noções ingênuas de "cristianização da humanidade".
Entre os dias 5 e 7 de outubro de 2007 aconteceu, nas cidades de Arame, Grajaú e Barra do Corda (MA), o lançamento da Bíblia na língua indígena Guajajara. Fizeram-se presentes representantes de igrejas evangélicas, agências missionárias e, é claro, o povo Guajajara.
Além de um culto especial no Centro de Treinamento Rio Jordão, mantido pelos missionários da Missão Evangélica aos Índios do Brasil e da Missão Cristã Evangélica do Brasil, incluiu uma passeata pelas ruas da cidade. Durante o trajeto, os irmãos Guajajara, ornamentados com cocás de penas de arara e pintura de jenipapo, cantavam hinos em sua própria língua.
O hino mais repetido de todos dizia Tupàn ta’yr a’e wà, huryete a’e wà que, traduzido, quer dizer “os filhos de Deus são alegres”. (...) aquele era um momento histórico por se tratar do lançamento da terceira Bíblia completa em uma língua indígena no Brasil.
Como entender o beneplácito geral em relação ao assédio religioso? Em "De olho na modernidade religiosa", Pierucci explicita que, "já que liberdade religiosa se exerce hoje em dia em chave de livre concorrência, todos os profissionais religiosos responsáveis por esse agito deveriam ser os primeiros a se mostrar sinceramente interessados em mais e mais respeito à liberdade alheia de crença, de culto, de expressão religiosa, de difusão religiosa. Se um dos resultados da desregulação da esfera religiosa é essa superabundância de profissionais religiosos "racionais" que estamos vendo em inaudito ativismo a suprir o mercado de novidades religiosas, bens simbólicos retóricos, serviços taumatúrgicos e as mais variadas bugigangas materiais e ideais de consumo religioso privado, provocando em decorrência uma certa elevação do envolvimento confessional em grande número de naturezas individuais com pendor religioso, as quais se encontram justamente nas camadas sociais que mais têm sido alvo e presa do assédio religioso "novo estilo", então se compreende por que é que atualmente, entre os sociólogos da religião do nosso continente, tende a aumentar o interesse intelectual por teorizações que realçam o peso do fator "oferta" na explicação, seja do crescimento de uma determinada comunidade religiosa, seja do aquecimento de todo um campo que se estrutura em moldes análogos aos de um mercado concorrencial carente de regulação".
Os casos atuais de assédio religioso passam em geral desapercebidos, mas no caso das etnias indígenas sempre ocasionam divisões, vulnerabilização das sociedades, submissão a valores e preconceitos alheios e, muitas vezes, suicídios (por perda de identidade cultural, ofensa da indentidade psíquica e/ou por medo do castigo dos pecados).
Merecem ser estudados mais a fundo e combatidos por meio de medidas legais a favor das nações indígenas e seu esforço de preservação da sua cultura ancestral.
Fonte:http://elianehaas.blogspot.com/2010/07/ensino-e-assedio-religioso.html
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