CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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quinta-feira, 16 de maio de 2013

A degradação da imagem de esú, Parte 2.



Em 1873, uma oração pela conversão dos povos da áfrica central para a igreja católica, escrita pela secretaria da sagrada congregação das indulgências, dizia assim: rezemos pelos povos muito miseráveis da áfrica central que constituem a décima parte do gênero humano, para que deus onipotente finalmente tire de seus corações a maldição de cam e lhes dê a benção que só podem conseguir em jesus cristo, nosso deus e senhor: senhor jesus cristo, único salvador de todo o gênero humano, que já reinas de mar a mar e do rio até os confins da terra, abre com benevolência o teu sacratíssimo coração mesmo à almas mui miseráveis da áfrica que até agora encontram-se nas trevas e nas sombras da morte, para que pela intercessão da puríssima virgem maria, tua mãe imaculada e de são josé, tendo abandonado os ídolos, se prostrem diante de ti e sejam agregados à tua santa igreja.


Todas essas questões da teologização católica se encontram muito bem levantadas por julvan moreira de oliveira em seu projeto de pesquisa apresentado como parte dos exames de seleção ao programa de mestrado em educação, na faculdade de educação da usp, em outubro de 1995. Ora, estão aí, como podemos ver, as raízes da ideologia escravista e racista que legitimou a escravidão e a transformou no maior acontecimento, em extensão e tamanho, da história de toda a humanidade.


Vejam, a partir da visão teológica que aqui colocamos se estabelece a relação entre religiões africanas, religiões dos dominados, e a religião branca, européia e cristã dos dominadores, seja na américa e, particularmente, no brasil; seja na áfrica durante os processos colonizadores. Do encontro, mais do que do embate, dessas duas culturas, dessas duas cosmovisões, desses dois troncos religiosos, surge o sincretismo. Na verdade, seja aqui, seja na áfrica, o branco é aquele que primeiro quis aproximar as divindades africanas, para ajustá-las e adaptá-las ao catolicismo, em particular, e ao cristianismo, em geral. Era preciso, sem dúvida, que, junto com a introdução do africano na religião católica, através do batismo obrigatório, se processasse o esvaziamento de sua identidade e a fragilização de suas possibilidades de resistência cultural.


Penso que o sincretismo, diferentemente do que propõem muitos estudiosos e líderes religiosos, constituiu-se mais no desenvolvimento de uma estratégia branca de dominação do que em um movimento de salvaguarda de valores e de resistência à dominação cultural e religiosa por parte dos negros. Assim, não posso deixar de pensar que o sincretismo resulta em perdas significativas dos valores e da essência da cosmovisão africana. Representou redução da capacidade dos africanos de resistir à dominação e não garantiu-lhes valia e identidade durante o processo de escravidão.

Na medida em que a abolição não trouxe aos afro-descendentes possibilidades efetivas de exercício da cidadania, podemos dizer que os resultados negativos do sincretismo religioso persistem até os dias de hoje, trazendo para a maioria da população brasileira, constituída de afro-descendentes, auto-estima rebaixada, auto-imagem negativa e dificuldade de definir e assumir sua identidade. Podemos enumerar como consequências mais significativas do sincretismo:
- perda do caráter monoteísta das religiões de matriz africana durante a formação do processo sincrético ocorreu nas religiões afro-descendentes, quase que de forma geral, uma perda da sua base monoteísta. Isso aconteceu de tal maneira e se extende no tempo que, ainda hoje, muitos sacerdotes da religião dos orisa consideram sua religião como politeísta e os orisa como deuses, trazendo, por consequência, uma visão interna da religião que a reduz à dimensão de seita e uma visão externa que a define como panteísta, primitiva, bárbara e fetichista. Perde-se, assim, sem dúvida, a dimensão do sagrado, o status de universalidade e de revelação que lhe são próprios e a respeitabilidade que ela merece ao lado das grandes religiões da humanidade. Retirar da religião seu caráter monoteísta significa, antes de mais nada, retirar das diversas nações africanas sua identidade, sua força de unidade e coesão;
- perda das respostas sociais de inserção do indivíduo no sagrado com o sincretismo obrigou-se os africanos escravizados, para que pudessem gozar de algum, ainda que mínimo, reconhecimento social, a lançar mão dos sacramentos da igreja católica para sua inserção no sagrado. Assim, até hoje, as comunidades-terreiro não atendem seus adeptos e filhos com liturgias próprias para essas questões, como o “batizado” e o casamento. Rituais como o ikomojade (batizado), o isomoloruko (cerimônia de dar o nome à criança), o igbeiyawo (casamento), do âmbito da prática religiosa iorubá, por exemplo, perderam-se no tempo e hoje poucas são as casas que ainda os praticam. E mesmo os rituais de passagem vida-morte terminam por serem complementados ou, muitas vezes, substituídos pela liturgia católica;
- redução da valia e grandeza dos orisa os orisa são espíritos puros criados por olodunmare como princípios universais no processo da criação. Sua comparação com o santos católicos, pessoas que viveram vidas segundo os valores da igreja católica e que, porisso mesmo, após sua morte foram santificados, reduz o tamanho, reduz a dimensão dos orisa. Isso, sem dúvida, termina por contribuir para a construção de uma representação distorcida e, reduzindo a dimensão das divindades, endossa mais uma vez o estereótipo dos africanos como inferiores, contribuindo assim para afetar a auto estima e a auto-imagem dos afro-descendentes;


Associa-se a isso que seus valores, sua ancestralidade e suas raízes religiosas são reduzidos e subordinados aos valores e formas do branco e sua cosmogonia é absorvida e dominada pela cultura do senhor de escravos;
- reprodução de alguns modelos da escravidão nas relações de poder e autoridade nas comunidades-terreiro até hoje, em algumas comunidades-terreiro, as relações de autoridade reproduzem modelos da relação senhor-escravo, em uma condição que ultrapassa em muito as dimensões do princípio da senioridade, do awo (segredo) e do sagrado.

Estabelece-se entre sacerdotes e iniciados, ou postulantes à iniciação, todo um desenho de relações que, muitas vezes, avilta o homem, desrespeitando-o e sujeitando-o a mecanismos impróprios para a plenitude da vida religiosa;
FONTE:http://blog.ori.net.br/?p=694

 

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