Oguian, ou simplesmente Oxoguian, é um dos orixás mais emblemáticos do candomblé. Sobre ele também recai uma série de segredos rituais guardados pelos terreiros, embora muitas coisas já se tenham escrito.
Vilson Caetano relata características de Oxaguiã. Foto: Fernando Amorim | Ag.A TARDE| 22.09.2006
Acredita-se que Oxoguian liga-se à música e, como os orixás Xangô e Oxun, adora festas, razão pela qual ele recebe musicas especiais nas nações ijexá e fon, reinos africanos que emprestaram seus nomes a ritmos.
Anteriormente já mencionamos que Oxun combinou os sons, formou as notas e inventou a música. De acordo com uma de suas histórias, ela teria dançado pela primeira vez na presença do rei e fez todo o mercado lhe acompanhar. Teria sido por este motivo que Iya Caetana, filha de Oxun, a fim de agradar Oxoguian, certa ocasião, enviou clarins para homenagear o orixá de sua amiga Massi, então Iyalorixá do Engenho Velho, ato que vem se popularizando nos terreiros de candomblé de todo o Brasil.
Os mitos afro-brasileiros sobre este ancestral nos permitem perceber que Oguian liga-se a comida. A sua festa é o ponto culminante do chamado Ciclo das Águas, representado pelos inhames novos presenteados pela terra após um período de dificuldades. Oxoguian, assim, é o dono do pão. É ele quem garante o nosso sustento de cada dia representado pelas raízes.
Oxoguian em momentos de crise representa a estabilidade; em ocasiões de guerras, a estratégia; na tristeza é a alegria, no fim é o recomeço.
Oxoguian é o orixá do renascimento. Tudo que forma um ciclo se mantém graças a ele. Este é o motivo pelo qual no dia a ele consagrado se realiza uma pequena procissão. Ele representa a volta para a casa, a estabilidade dos grupos que até então vagavam sem destino.
Oxoguian põe um ponto final no fim e inaugura aquilo que é infinito, pois diante dele tudo é recomeço. Está explicado o porquê, após a sua festa, a liturgia afro-brasileira passa a celebrar os orixás considerados civilizadores como Exu, Ogun, Ode, Ossain e Obaluaiyê.
Oxoguian realiza a passagem entre os chamados ancestrais fundadores da humanidade e aqueles que se ligam à fixação dos primeiros reinos. Este fato é ilustrado na história que diz que Oxoguian saiu pelo mundo a fim de expandir a sua cidade e ao retornar transformou Ejigbô numa grande cidade.
Desta maneira, Oguian liga-se a vários ancestrais. De acordo com suas histórias, ele teria passado em Irê, a terra de Ogun e graças à sua inteligência idealizou armas forjadas pelo ferreiro dos orixás. A amizade entre o povo de Ejigbô foi tanta que Ogum, certa ocasião, se ofereceu para ir à frente de uma batalha lutar pelo povo de Oguian que na volta foi aclamado senhor.
Diz-se também que o orixá que adora inhames é amigo inseparável de Oyá, com quem anda sem pisar no chão, levado pelo vento que lhe conduz a todos os lugares.
Com o orixá Xangô, coluna central do culto reorganizado no Brasil pelos iorubas e seus descendentes, Oguian se relaciona como outrora os reinos de Ejigbô e Ifon estavam ligados à Oyó, fato relembrado pelo pilão, instrumento de vital importância para a fixação dos grupos na terra.
O pilão como o ferro ilustra uma nova etapa da história da humanidade. A partir dele, pode-se falar em comidas mais elaboradas, preparar a farinha e conservar melhor os alimentos. Se o pilão é o centro do mercado, a mão de pilão é o instrumento que repete o movimento que liga o céu à terra, garantindo a nossa permanência através da comida, do pão dado em forma de presente por Oxoguian.
Oxun é verdadeiramente o coração de Oguian. Ela dança também para ele. É Oxun quem vai a frente das mulheres da terra de Ijexá que inventaram um tipo de tambor apenas tocado por elas. Instrumento na sua origem feminino como as cabaças, cujo som remete ao mesmo produzido na vida uterina.
Oxun teria ensinado estes sons para a humanidade, escutando a sua própria barriga. Oxoguian como já falamos, relaciona-se também com os orixás caçadores e caçadoras. Daí a sua relação com Oxossi, considerado líder e cabeça da grande caçada.
Mantém relações também com Ewá, ilustrada através de uma das passagens míticas mais emblemáticas.
Ewá, aquela que tem o poder de transformar-se em qualquer coisa, lhe teria salvo da morte, garantindo assim a continuidade do ciclo da vida.
O orixá que carrega todas as armas, ora caçador, ora rei, ora a guerra, mantém relações também com Iyá ori, conhecida como Iyemanjá, pois ela é responsável pelo equilíbrio. Iyemanjá é o principio ancestral do significado.
Em outras palavras, o mundo só é inteligível, graças àquela que mantém as nossas cabeças.
Por fim, Oguian relaciona-se a Oxalá e todos os ancestrais que representam o começo da humanidade. Talvez tenha sido por isso que os africanos quando reorganizaram o seu culto no Brasil, lhe aproximaram tanto destes, a ponto de em alguns momentos ser confundido com eles.
Oxoguian anda através de passos mais rápidos, determinados. A guerra,a prontidão, o alerta nunca lhe precedem, pois ele é a própria luta, relembrada num de seus títulos de pronúncia mais evitada: “Baba lorogun”, literalmente “pai da guerra”.
No último domingo, o Terreiro Pilão de Prata celebra a sua principal festa. A casa fundada a meio século cobre-se de azul e branco para homenagear Oxoguian, ancestral a quem o Babalorixá Air José foi consagrado por Tia Massi e sua tia consangüínea Caetana Bangbose.
Este ano, os clarins introduzidos por Mãe Caetana na Casa Branca, soaram mais fortes, pois a casa chamada Ilê Odô Ogê, completa cinqüenta anos. Segundo o Pai Air, são cinquenta anos de dedicação aos orixás. Cinqüenta anos de gratidão a Oxun. Cinqüenta anos de compromisso com o axé Bangbose.
São cinquenta anos que convidam a comunidade a refletir não sobre os anos que passaram, mas sobre a sua trajetória de vida. Assim, a celebração é de toda casa. Afinal, durante este meio século de história, o maior patrimônio constituído foram as pessoas que em torno do Pilão se reúnem para reafirmar o compromisso de nunca interromper esta festa, garantindo assim a eterna alegria de Oxoguian, verdadeiramente orixá do sorriso.
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