CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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segunda-feira, 16 de julho de 2012

‘Mino’: As incríveis Amazonas do Daomé





Dahomey's Amazons. 


Pintura sobre foto do século 19
África e africanos no século 19 segundo os brancos assim e assados.


Seguindo a prosa das velhas afro novidades.


Todo mundo aqui já ouviu falar do Reino do Daomé, certo? 


Também ouvi, mas nunca a história particular deste encantado lugar. 


É que ele sempre esteve para mim – e para quase todos nós eu penso – relacionado à cultura religiosa dos nagôs, como uma espécie de ramo sucedâneo, subalterno da cultura yoruba que nos disseram ser hegemônica entre nós.


O Dahomey não passava para mim daquela pitadinha de coisas jêje (ou fon) que se diz existir no candomblé, que seria, ‘prioritariamente‘ nagô. 


Bem já cansei de falar disto, vocês já sabem como é.


(Ai como, o quanto fomos – e ainda somos- enganados.)


O Benin (que antigamente era este Daomé aí de nossa história de hoje) é um lugar fantástico, gente! 


Quase um crime terem camuflado por tanto tempo a história particular dele, tão visceralmente ligada ao Brasil por força dos ‘Agudás”, descendentes de brasileiros, baianos e católicos fervorosos, em sua esmagadora maioria, reunidos em torno de uma história escravista das mais emblemáticas e eletrizantes.


No Benin (antigo reino do Dahomey nos séculos 17 e 18) se estabeleceu uma das mais intensas, duradouras e cruéis experiencias escravistas da história humana, experiencia esta visceralmente ligada aos interesses comerciais, escravistas do Brasil e de Portugal.


Tanto quanto o Reino do Kongo, o Benin é pois o laboratório onde parte deste fenômeno a que chamamos tão rasamente ainda de ‘cultura afro-brasileira’ fermentou e se deu. Impossível para mim desde então, agora que achei este fio de meada, separar o Benin de nossa história de cultura negra na Diáspora.


A fervorosa ligação destes beninenses – os ‘agudás‘ principalmente – com o catolicismo português, associada a sua não menos fervorosa adoração pelo Vudu, religião tradicional local, a mistura curiosa entre estas duas tão diversas religiões, faz com que apareça agora límpido e claramente explicável para mim, aquele estranhamento que tinha, vendo quadros de entidades do vudu no Haiti, representadas por santos estranhamente brancos e católicos, Invasão de Santas Bárbaras, São Lázaros e São Josés nas praias de papa Loko, estas coisas contraditórias que fazem os simplistas engolirem em seco a sua tonteria.


Um eureka inaceitável para os reducionistas da negritude idealizada que pululam por aí e, vivem a me puxar os pés e as orelhas enquanto durmo, me tachando de iconoclasta traidor da raça só porque fiquei cansado de ser enganado.


Ah…Nem preciso me estender muito porque é justamente deste apagão nosso de cada dia que falo também desta vez.


Sim. Isto mesmo: Amazonas do Dahomey, África.


Quem daí de vocês da história destas bravas moças já ouviu falar?


Não. Não falo daquela lenda das caçadoras morenas (ou seriam louras?) que emprestaram seu nome para aquela floresta tão nossa (nossa?) que tem um estado do Brasil do mesmo nome plantado na selva mais impressionante do planeta.


E já que são…amazonas, mulheres guerreiras senhoras de si, posso afiançar com razoável certeza que o machismo ocidental não veio da África (pelo menos da África sub subaariana) A história a seguir é emblemática a este respeito.


Uma passarinha me diz: “Menos…menos”. 


Exagerei? 


Tá bom. 


Sei. 


Já entendi. 


Calma, calma que eu pondero, relativizo e explico.


(E tome ‘tchan, tchan, tchan, tchan”)


Dizem que ela – esta nossa história feminista ma non tropo - começou com o terceiro rei do Dahomey, Houegbadja, que reinou de 1645 a1685. 


Foi ele quem teria começado o que virou uma tradição nacional no Dahomey do século 19, montando um grupo feminino de caçadoras de elefantes chamado Gbeto. 


Os cronistas afirmam também, reforçando esta versão, que durante seu reinado de 40 anos Houegbadja teve várias esposas e teria montado também uma milícia feminina para a sua segurança pessoal.


E olhem só que coisa inusitada: sendo assim, Houegbadja teria sido então, provavelmente o inventor da Polícia feminina, uma instituição que havia até aqui no Rio de Janeiro em passado algo recente e que, sei lá porque, de repente desapareceu.


(E as moças lá do reino dele deviam gritar eufóricas e realizadas: _” Hei! Hei! Hei! Houegbadja é nosso rei!)


Dizem também estas nem boas nem más línguas, neste mesmo sentido dos fatos aqui narrados que o irmão de Houegbadja, seu sucessor o rei Agadja (que governou de 1708 a1732), gostou muito do babado e chegou a usar estas mulheres guerreiras na guerra do Dahomey contra o Reino vizinho de Savi em 1727. 


Estes mesmos cronistas estrangeiros em suas viagens à África chegaram a registrar a presença de guerreiras similares às do Dahomey entre os Ashanti do Ghana, famoso e grande reino vizinho.


O certo é este tipo inusitado de soldado – para os machistas modos branco ocidentais – foi ganhando a fama mundial de tropa mui forte e destemida no século seguinte, aterrorizando soldados europeus, franceses e ingleses que tremiam apavorados diante do ímpeto violento daquelas ‘falsas magras’ damas guerreiras.




Carte postale de Francois-Edmond Fortier représentant les Amazones du Dahomey
Pano de fundo 01:


“…Britânicos e os franceses lutavam entre si para controlar o Rio Níger, os franceses estão progressivamente impondo as suas regras no Dahomey. 


Inicialmente é assinado um tratado de “amizade e comércio”, em 1851, mas em 1861 eles obtêm a permissão para que missionários se mudassem para lá. 


Em 1864 obtiveram o protetorado da cidade Cotonou e o Reino da Porto Novo.”


“…No fim do século 18 o Coronel Dodds, chefe do exército inglês está se preparando para atacar o Dahomey e tomar o reino dos franceses. 


O exército de Dodds é constituído por mais de 3000 homens que deixam o litoral de Cotonnou, e avançam sobre Abomey, a capital. 


Dodds está empenhado em atacar o rei Behanzin que governa o Reino.”


Já no século 19 esta já legendária tropa de mulheres estava inserida no corpo regular do majoriatariamente masculino exército do Dahomey passando a ser conhecida ali como ‘Mino‘ (palavra com o sentido de ‘mães‘ na língua fon). 


A partir do reinado do rei Ghezo (1818-1858), o Dahomey foi se transformando então, cada vez mais numa potência militar, já que Ghezo dava grande importância a defesa de seus interesses territoriais e comerciais.


É bom ir logo frisando que o tráfico de escravos era a atividade comercial principal do reino do Dahomey, atividade esta que estava na época sob férrea gestão do luso brasileiro Francisco Félix de Souza, o Xaxá de Ajudá, espécie de vice rei do Dahomey – ou primeiro ministro de Ghezo – figura controversa.


É que, sórdido como era, Xaxá sempre foi tratado com certa deferência por pesquisadores e militantes do movimento negro do Brasil nos anos 70 por ser…sei lá, supostamente mulato. 


Só sei que foi por esta época que, pela primeira vez ouvi falar deste Xaxá como tema de um samba enredo da valorosa ‘Granes Quilombo’ de Mestre Candeia.


Imaginem! Samba enredo para traficante. 


E… de escravos! Nem parece que Xaxá era do século 19. 


Ora, Xaxá era um cara do mal, gente. 


Posso apostar que sim porque ele talvez tenha sido o mais célebre traficante de escravos de toda a história. 


Como seria possível ele, mesmo assim ter sido um sujeito do bem? 


Só se fosse lá pras negas dele (e olha que ele, tanto quanto os reis locais as tinha. 


Muitas).


Hum! Sinto muito. 


Esta não dá para relativizar não, pessoal. 


O certo é que vocês nem precisam pedir: O tio não resistirá e, mais adiante, vai falar sim deste impressionante Xaxá(xodó dos tolos)num post posterior.




Dahomey Amazons em game 'Empire total War' da Sega Games




Oh -suspiro!- Que belas e intrépidas eram aquelas bravas moças do Daomé!


E seguindo assim vos digo: Elas, as Amazonas do Dahomey vestiam-se com uniformes mui bem fashions e preparados, protegidas por muitos amuletos do vudu. 


Armadas com o mais completo dos equipamentos dinamarqueses (comprados com o lucro do tráfico de escravos) composto de fuzis winchester, lanças e facões, formavam nos áureos tempos do rei Ghezo um contingente entre 4000 e 6000 guerreiras (mais ou menos um terço de todo o exército do Dahomey)


Tendo tido como líder mais famosa, em certo tempo de sua história, uma mulher chamada Sedonghonbê, as brabas moçoilas do Dahomey eram recrutadas entre as ‘ahosi‘, que era como se chamavam as esposas do rei. 


A bem da meia verdade, eram também recrutadas à força, compulsoriamente, por meio da queixa de seus pais ou maridos ao rei, incomodados com o seu suposto ‘mau’ comportamento ou sabe- se lá porque outras mágoas ou broncas machistas.


(E aqui o espírito ocidentalista do femininismo de algumas leitoras, ensandecido com esta opressão masculina aparente, vai ser acometido pelo banho de água fria – com chiado das brasas encharcadas – que toda discussão homem versus mulher costuma gerar)


Mas peço calma às moças. Vamos e venhamos. 


Estas informações precisam ser relativizadas, pois, são todas oriundas de fontes europeias, precisando portanto de mais evidencias para serem corroboradas, principalmente dados extraídos do contexto da história oral do Dahomey, de sentidos mais explícitos da cultura local, para serem levadas totalmente a sério. 


Nestes casos – bem ensina o macaco velho – não dá para se tomar tudo ao pé da letra. É a lei da relatividade, gente, sem a qual toda verdade não verdadeira cai de madura.


Pano de fundo 02


Machões do mundo, tremei!


“… Durante o seu engajamento na tropa as integrantes do Mino não podiam ter filhos nem privar de outras condições da vida no casamento. 


Muitas delas eram virgens.


O treinamento físico das integrantes era intenso. 


Era muito enfatizada a disciplina. 


Cativos que caíssem nas mãos das amazonas do Mimo eram frequentemente decapitados.”


Viram? Melhor não se precipitar, amigas. 


Muito provavelmente a razão para a adesão de tantas mulheres a uma empreitada desta, de vida ou morte, não podia ser explicada de forma tão banal. 


Só se todas as mulheres do Dahomey fossem estúpidas. Se eram perto de 6.000 armadas até os dentes, além de matar e degolar franceses e ingleses poderiam muito bem, na hora que entendessem, num surto de tpm coletivo que fosse, sair capando os maridos e os pais machistas com seus facões.


Todas querendo podiam até depor do trono o maridão e entronizar um ricardão qualquer para lhes servir de rei, ora ora.


Cronistas europeus, contem outra.


Pano de fundo 03


Sedonghonbeh é que era mulher de verdade.


“…O dia 26 de outubro de 1892 ficará para sempre marcado na cabeça do coronel Dodds. Segundo ele mesmo, foi “o dia mais mortal da guerra”. 


Quando os soldados do seu exército estava a 50 km de Abomey, capital do reino teve que enfrentar algo que nunca imaginavam que veriam um dia, um imenso exército bloqueando a sua passagem, feroz e armado até os dentes composto apenas por… mulheres! “


Rapidamente, Dodds foi informado: O exército era o corpo de “Amazonas” do rei Behanzin, mulheres guerreiras conhecidas por combater o inimigo com extrema violência.


Elas não têm absolutamente nenhum medo da morte. 


Em geral lutam na frente do exército dos homens, porque são implacáveis contra os seus inimigos e altamente resistentes.


Dodds já havia ouvido falar de Sedonghonbeh, uma mulher de coragem que liderava este exécito feminino de 6000 amazonas desde 1852. “


“Em 1890, o rei Behanzin havia negociado com os alemães a troca de escravos por 400 fuzis, 26.000 pistolas, seis revólveres, quatro metralhadoras e munições. 


A organização do exército de amazonas do Dahomey passou então a ser dividido em cinco batalhões especializados, incluindo três de infantaria:


Os franceses ficaram realmente surpresos com a coragem delas porque não hesitavam em avançar sobre eles, sempre que possível, decapitando-os brutalmente. 


Quando conseguiam enfrentar as tropas no corpo a corpo, saíam vencedoras na maioria das vezes. 


Algumas expressavam sua raiva e ódio aos franceses espancando até a morte aqueles que conseguiam capturar. 


Isto causava um medo pânico nos soldados, desestabilizando suas tropas. 


O que é certo é que o soldado que tivesse a infelicidade de cair nas mãos de uma amazona do Dahomey pouca chance teria de escapar.


No entanto, apesar de sua técnica e resistência física, estas amazonas não podiam suportar indefinidamente a pressão das tropas francesas que usavam equipamentos de guerra muito sofisticados e superiores. 


Elas morriam em maior número. 


Mesmo assim, só em novembro de 1892, quando do ataque francês à capital o Reino do Dahomey é que o corpo do amazonas foi derrotado.


O Rei Behanzin em fuga pelo interior do país continuou a lutar contra os franceses até 1894, mas no fim acabou deportado para a Martinica e depois para a Argélia.”


Pano de fundo final:


As nossas heroínas na cultura pop ocidental


As Amazonas do Daomé” foram representadas em 1987 no filme “Cobra Verde” do diretor alemão Werner Herzog. 


Como ‘As Amazonas de Ghezo‘ desempenharam papel significativo na áudio novela de George MacDonald Fraser da série ‘Flash man” (“Flash para a liberdade”). 


As Amazonas do Dahomey estão também lindamente representadas (veja acima que imagem impressionante) no game de computador “Empire: Total War”(episódio 7).


E não é que encontrei também nesta rápida pesquisa para este post uma curiosa história em quadrinhos francesa (‘A civilização hostil ‘) que discorre sobre uma tal de Diamanka, que teria sido uma amazona do Dahomey capturada e aprisionada em Cotonnu que teria sido levada por um médico francês para a França afim de ser exibida como um animal de jardim zoológico no parque de aclimatação de Vincennes, em Paris (exatamente como ocorreu com a chamada Vênus Hotentote Shajie Sarah Baartman, da África do Sul, exibida como bicho na Inglaterra e sobre a qual falamos no post anterior).




A história de Diamanka, a Dahomey's Amazon aprisionada num gibi francês






E é por isto que o tio fecha a tampa (por enquanto) afirmando, sem medo de errar: Os racistas todos – os de ontem e mais ainda os de hoje – são mesmos uns dementes, não são não?
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