Se observarmos e analisarmos os rituais das inúmeras religiões existentes, encontraremos neles um sentido comum; o de invocar as Divindades, as Potências Celestes, ou melhor, as Forças Espirituais. O objetivo é sempre o mesmo, a preparação de atração destas forças à corrente religiosa que a pratica.
Em qualquer ritual, do mais básico ao mais espiritualizado, é certo que encontraremos atos e práticas que predispõe a criatura a harmonizar-se com o objetivo invocado, isto é, procura-se pô-lo em relação direta, mental com, os deuses, divindades, forças, santos, entidades, etc., e em todos eles, os fenômenos espiritualistas acontecem.
Assim para preparar ou elevar o psiquismo de um aparelho e obter-se o equilíbrio da sua mente com os corpos Astral e físico, indispensável se torna que ensinemos à esses ditos aparelhos, determinadas posições necessárias, com o fito de que eles possam harmonizar sua faculdade mediúnica individual, com as vibrações superiores das Entidades que militam na Lei de Umbanda.
– A Cultura Tradicional do Povo Yorùbá é muito rígida no tocante a educação e respeito. Os mais jovens são ensinados a manter todo o respeito pelos mais velhos. Compreendendo que a idade é sinal de posse de experiência e sabedoria. O cumprimento dos mais jovens para com os mais velhos é um sinal de demonstração desse respeito.
O DÒBÁLÈ – (tradução literal = peito na terra vindo de dùbúlè que é deitar) é o cumprimento feito “somente pelos homens”, não cabendo a mulher a atitude de deitar em respeito.
Para as mulheres cabe TOMAR A POSTURA CHAMADA DE KÚNLÈ (LITERAL = JOELHO NA TERRA), ou seja, simplesmente “ajoelhar” e pedir a bênção daqueles que são merecedores de respeito.
Apesar de poligâmica, e às vezes extremamente machista, essa Cultura mantém um extremo cuidado para com as crianças e mulheres. Nos cumprimentos, as mulheres não expõem ao perigo seus seios ou ventre, para o caso das gestantes, deitando-se sobre eles no chão como é o ato do dòbálè. Esse costume de cumprimentar deitando-se ou ajoelhando-se foi mantido nas Ilé Òrìsà, porém com o grave erro, o de fazer as mulheres deitarem-se colocando os seios no chão, que saliento, não é do costume do Povo Yorùbá. O cumprimento, não está relacionado com o Òrìsà Olorí (Dono da Cabeça), mas está diretamente relacionado com a Boa Educação e com os cuidados com as mulheres. Portanto que se compreenda que, é dever dos que mantém as Tradições do Povo Yorùbá exigir o respeito a quem de direito, mas é dever dos mais velhos zelar pelo bem estar daqueles que se submetem à ele.
Kúnlè é o que as mulheres devem fazer para cumprimentar.
Iká – cumprimento feito por filho de santo cujo orixá principal é feminino. Deita-se de bruços no chão, toca-se o solo com a cabeça e, simultaneamente com o lado direito e depois com o esquerdo do quadril no chão (na nação Keto, as mulheres não tocam o chão com o ventre).
Paó
O Paó (pronuncia = paô) é um gesto que serve como sinal de que se é preciso comunicar alguma coisa, mas não se pode falar. Isso ocorre muito no candomblé quando as iniciadas estão no roncó e não podem falar, daí batem com as palmas das mãos tentando dizer algo, se comunicar por algum motivo. É usado também como saudação para orixá, e, é diferente de orixá para orixá.
É uma palavra em yorubá que significa: “pa” = juntar uma coisa com outra; “o” = para cumprimentar… Essa palavra é uma contração de ìpatewó que significa aplauso.
O paó bate-se 3 vezes assim…(3 palmas lentas)
3 + 7 vezes
Intervalo
3 + 7 vezes
Intervalo
3 + 7 vezes
E depois a saudação, por exemplo:
palmas paó
– “Laroye Exu …”
Utilizado para pedir permissão para entrar, saudar e pedir licença.
Bater com as pontas dos dedos, no chão
Da mão esquerda, e depois cruzando os dedos com as palmas das mãos voltadas para o solo; Saudando Exu;
Da mão direita, fazendo uma cruz e depois fazendo a cruz no peito; Saudando os Pretos Velhos.
Da mão direita, depois tocando a fronte (Eledá), o lado direito da cabeça (Otum – 2º Orixá) e a Nuca (os Ancestrais); Saudando os orixás e guias;
Da mão direita 3 vezes e depois tocando a fronte, o lado direito da cabeça e a nuca, para saudar Obaluaiê.
Cumprimento Ombro-a-Ombro
Quando um Guia cumprimenta um consulente ou um assistente com o bater de ombro, isto é sinal de igualdade, de fraternidade e grande amizade.
De Joelhos Sim !!!
Dentro das várias ritualísticas que se desenvolvem nos terreiros de Umbanda, é comum vermos principalmente no início e término dos trabalhos espirituais o corpo mediúnico com os joelhos no chão. Alguns vêem esta postura como arcaica e sem sentido, porém nunca se deram ao trabalho de analisarem detidamente tal comportamento.
É de conhecimento geral que as primeiras religiões do globo terrestre já inseriam a genuflexão em seus rituais, exteriorização de respeito junto ao Criador e também manifestação de humildade que todos devem ter, seja para com o Divino, seja para com o próximo. Da mesma forma, o ato de postar-se de joelhos fazia e faz ver aos fiéis que assistiam ou assistem uma manifestação de religiosidade, a seriedade, o respeito e a simplicidade do sacerdote e dos médiuns, frente ao plano espiritual superior.
A implantação do ajoelhar-se tem como finalidades mostrar a Deus todo o nosso carinho, obediência, respeito e amor e o quanto somos pequeninos diante do universo criado por Ele; e para passar a assistência que aquele espaço de caridade tem a exata noção do papel que desempenha como instrumentos de trabalho dos bons espíritos.
Infelizmente, é do conhecimento de todos que, ao lado de criaturas humildes, simples, meigas e caridosas que estão sempre dispostas a dar seu suor à Umbanda, existem outras tantas orgulhosas, vaidosas, “auto-suficientes”, que procuram a todo custo imporem-se aos demais, maximizando suas “qualidades” e minimizando as virtudes alheias.
Ostentam falsas conquistas, querendo submeter todos a seus caprichos. Contudo, nada mais doloroso e incômodo para estas pessoas do que ficar em posição de subserviência, de aparente inferioridade.
Tal postura lhes sangra a alma e lhes oprime o pétreo coração.
Suas visões ofuscadas não conseguem enxergar que tal rito e para seu próprio bem, para sua própria libertação dos sentimentos mesquinhos e posterior elevação espiritual, pois auxilia na quebra da vaidade e da soberba.
Alguns até podem dizer que ao postar-se de joelhos, o médium pode ter em mente pensamentos diametralmente opostos àquela posição. Mas aí meus irmãos é que termina a tarefa dos encarnados e inicia-se o processo de assepsia e lapidação dos arrogantes e vaidosos, levados a efeito pelos amigos de Aruanda, e assim, dando luz a estas pessoas e reconduzindo-as ao rebanho Divino.
Joelhos ao chão sim !!!!
Tocar o chão e os nove planos.
Acreditavam os nagô que existiam nove espaços (planos) no além. Entre os quatro superiores e os quatro inferiores, havia um plano intermediário que se localizava (exatamente) no espaço ocupado por nosso planeta; esse seria o plano astral terrestre. Era através desse espaço que chegavam à Terra os orixás e ancestrais vindos dos vários outros planos.
Surgiam, pois, para os nagô, os orixás e ancestrais de dentro da Terra. Assim, quando desejam chamar os orixás, os nagôs tocavam três vezes os solo (após o nome do orixá ser pronunciado).
O solo diante dos tambores também era tocado (antes ou depois de tocarem com os dedos o próprio atabaque), afinal, quem chamava (através do som) os orixás eram os tambores.
O solo era sempre tocado três vezes; o três representa na cultura nagô ação, movimento, expansão … Tocar o solo três vezes era o gestual que significava o “assim seja”, o cumpra-se … Então quando, por exemplo, o nome de Ogum pronunciado, todos tocavam três vezes o solo; “assim seja”, “que Ogum venha até nós”…
No Brasil, os africanos, para consagrar o solo, para transformar o terreiro em uma pequena África, enterravam relíquias trazidas (da África) … tranformando (ritualmente) o solo brasileiro em solo africano (”chão” dos seus orixás).
Tirar os sapatos
Os escravos, mesmo os que serviam de criados na Casa Grande, ainda que fossem uniformizados, não podiam usar sapatos. Os pés descalços eram um símbolo de usa condição “inferior”.
Os negros quando libertos, assim que podiam compravam um par de sapatos, uma demonstração (dentro dos valores da sociedade branca) de sua nova condição.
Entretanto, quando entravam em seus espaços sagrados, seus templos, pequenas Áfricas, deixavam aquele símbolo (os sapatos) na entrada. Afinal, estavam em solo africano (pequena África), ali os valores da sociedade branca nada significavam.
É claro que tem também a ver com respeito ao solo sagrado, acredito, mas essa outra perspectica é muito interessante.
Imagens retiradas da net
Central de Comunicação:
"Tribunal de Justiça de São Paulo rejeita a ação sancionada pelo prefeito de Cotia-SP que deliberava sobre a proibição do abate religioso por 22 votos contra a lei e apenas 3 contra. TJSP é conhecido por ser conservador e até certo ponto cristão - em tempos de cristão-cracia, a vitória é significativa e manda um recado aos políticos de botequim que " a Carta Magna" não será rasgada como querem!
Estamos prontos para a luta.
Eles lutam contra nós e nós lutamos apenas para poder existir!
via @sidneibarretonogueira
Foi neste dia que, em 1990, a Organização Mundial da Saúde deixou de considerar a homossexualidade uma doença.
Um marco que garantiu reconhecimento e dignidade a gays e lésbicas no mundo todo e precisa ser celebrado.
Avançamos bastante, mas ainda temos muito o que conquistar.
A mesma OMS que em 1990 retirou a homossexualidade da lista de doenças continua classificando até hoje a transexualidade como uma doença mental no Catálogo Internacional de Doenças.
Travestis e transexuais que requisitam na Justiça seu direito à identidade precisam apresentar um laudo psiquiátrico.
Vamos comemorar as conquistas já obtidas com muito orgulho, sim! Mas sem esquecer que ainda temos um longo caminho pela frente.
Dentro do sistema iorubá tradicional indígena, espíritos negativos são conhecidos como ajogun.
O seu objetivo principal é provocar o sofrimento humano.
O principal ajogun é Iku (morte), responsável pela redução da vida da existência humana.
O segundo é conhecido como Aarun (doença), que tem a função de destruir o homem através de várias doenças.
O terceiro é EGBA (invalidez), tem a função de causar paralisia ao ser humano .
O quarto é Ofo (perda), que tem a função de destruir a prosperidade alcançada pelos seres humanos.
Existem vários tipos de ajogun, mas apontamos apenas os principais.
O odu Irete Ogbe (ireteegbe) confirma que esses espíritos conhecidos como ajogun foram criados no céu, igualmente a criação da humanidade por Olodumare, a fonte universal da criação.
Estas forças foram criadas, em princípio, para o bem, porém ao se transformarem em malígnas, foram enviadas à terra, e o caminho pelo qual chegaram, a encruzilhada, ficou conhecida como meta agbansaala, onde se reuniram.
Orunmila, o primeiro que veio do céu à terra, conhecendo a intenção dos ajogun em vir ao mundo, expressou sua grande preocupação do que seria o destino da humanidade.
Ficou conhecido como atay Oba-la (o conserto do mundo).
IFA (a palavra sagrada de Deus, também conhecida como a visão particular do povo iorubá sobre a criação da vida), disse que é só Orunmila é quem poderia reconstruir o nosso mundo.
O odu okanran otrupo declara que somente através dos akose (medicina tradicional), como os sacrificios (ebó), magia (Oogun), encantamentos (ofo igede), é que poderemos minimizar e melhorar nossa qualidade de vida.
Já o odu ogbe rosun, declara que as pessoas que não são devidamente protegidas por ifa, serão afligidas por eles.
Fonte : egbe ile owa, pelo Oluwo ifalabi fatunmbi fakayode (Awo temple ose mejí Ibadán)
Nas escrituras yorubás, Oxun é citada como chefe suprema do poder ancestral feminino, o que a faz, “o cabeça” da sociedade das Iyámis, também chamadas de Iyá –Àgbà (as Mães Anciãs).
Tem associações com os pássaros, como todas as Iyámis.
Da mesma forma que os peixes, os pássaros são seus filhos.
As escamas e as penas fazem parte de seu poder.
Oxun pode apresentar-se como um enorme peixe ou pássaro. Desta preposição, nasceu o preceito de que Oxun não deve receber pombos em suas obrigações.
É respeitada como Ajé, isto é, bruxa e feiticeira.
Segundo lenda, “No tempo da criação, quando Oxun estava vindo das profundezas do Orun (Céu), Olodunmare confiou-lhe o poder de zelar por cada uma das crianças criadas por Orixá que iriam nascer na Terra.
Oxun seria a provedora de crianças.
Ela deveria fazer com que as crianças permanecessem no ventre de suas mães, assegurando-lhes, medicamentos e tratamentos apropriados para evitar abortos e contratempos antes do nascimento; mesmo depois de nascida a criança, até ela não estar dotada de razão e não estar falando alguma língua, o desenvolvimento e a obtenção de sua inteligência estariam sob o cuidado de Oxun.
Ela não deveria encolerizar-se com ninguém a fim de não recusar uma criança a um inimigo e dar a gravidez a um amigo.
E foi a primeira Iyami, encarregada de ser a Olùtójú awon omo ( aquela que vela por todas as crianças) e a Álàwòyè omo (aquela que cura as crianças).
Oxun não deve vir a ser inimigo de ninguém”.
Poderoso Orixá, é considerada como a mais enigmática das Iyás (mães).
Símbolo do “feminino”, cujo culto praticado no Brasil tem origem em Ijèsà (África).
Seu templo principal encontra-se em Osogbo – Nigéria (ver fotos). Domina a água e a terra que, segundo a teologia Yorubá, são os agentes naturais do AXÉ GENITOR (procriador).
É o Orixá do Rio de mesmo nome, e no Brasil, não está vinculada a nenhum rio específico, mas à todos os córregos, cascatas, cachoeiras e até mesmo ao mar.
As águas predominantemente lodosas, são destinadas ao Orixá Nanan. Nas cachoeiras, costuma-se entregar a Oxun, as comidas rituais votivas e presentes de seus Filhos-de-Santo.
Alguns dizem que o Rio Osun não é navegável.
Outros, por superstição, afirmam que só é possível atravessá-lo de uma margem para outra e nunca subi-lo ou descê-lo.
Crocodilos que neste rio vivem, são considerados seus mensageiros.
Oxun é representada, em algumas narrações como “Peixe Mítico”.
Há uma lenda em que Larô, o primeiro rei, de uma região na qual o Rio Oxun passa e suas águas são sempre abundantes, lá se instalou e fez um pacto de aliança com o Orixá.
Na época em que chegou, uma de suas filhas foi se banhar. O rio a engoliu sob as águas.
Ela só saiu no dia seguinte, soberbamente vestida, e declarou que Oxun a havia bem acolhido no fundo do rio.
Larô, para mostrar sua gratidão, veio lhe trazer oferendas. Numerosos peixes, mensageiros da divindade, vieram comer, em sinal de aceitação, os alimentos jogados nas águas.
Um grande peixe chegou nadando nas proximidades do lugar onde estava Larô.
O peixe cuspiu água, e Larô a recolheu numa cabaça e bebeu, fazendo, assim, um pacto com o rio.
Em seguida, ele estendeu suas mãos sobre a água e o grande peixe saltou sobre ela. Isto é dito em yorubá: Atewo gba ejá, o que deu origem a Ataojá, título dos reis do lugar.
Ataojá declarou então: “Oxun gbô!” – “Oxun está em estado de maturidade; suas águas são abundantes”, dando origem ao nome da cidade de Oxogbô.
Todos os anos faz-se, grandes festas no local, em comemoração a todos esses acontecimentos. Iyalodê é o título mais honorífico que uma mulher pode receber.
Oxun possui este título: A Senhora Suprema de todas as Mulheres. Árbitra das diferenças entre elas.
SOCIEDADE ÈFÉ - GÈLÈDÈIDADE !!!
Na sociedade Yorúbá mais antiga, as mulheres são consíderadas como representantes de poderes capazes de controlar reservatórios de energias espírituais imensas dentro de si.
Este imenso poder pode ser dirigido para criar ou destruir a vida. Os homens da comunidade reconhecem este poder cultuando Èfé -Gèlèdè.
Este culto possui como principal característica, as famosas máscaras Èfé - Gèlèdè.
O ser semi-animal, semi-humano que tem, como intermediário, entre os mundos sua pele.
Este fato permite compreender a importância da máscara (essência espiritual do totem, as máscaras masculinas no culto Èfé-Gèlèdè chamam-se Akògi e as femininas Abògi ).
"Pois o iniciador que dança é o esp´rito luminoso do animal ", a máscara conduz a dança; esforço coletivo do clâ, não para invocar a uma divindade, mas para representar uma espécie de mímica mágica, que visa proteger e fertilizar a toda comunidade.
Por causa da idéia de vida e fertilidade, o culto anual de Èfé - Gèlèdè é organizado no começo da estação agricultural (em março na África).
O culto, surgiu na cidade de Ketu no décimo quarto século e foi adotado por todas as comunidades situadas no corredor comercial do estado Yorúbá a oeste, sendo diferente do culto a Èégúngún que influenciou e influencia até hoje, todo o território Yorúbá de uma forma em geral. Èfé-Gèlèdè é apenas uma parte do culto de Ìyámi Òsòròngá, a parte diurna, Èfé é a parte noturna e seu complemento.
Èfé é o Orixá Èsú em sua manifestação de pássaro noturno.
Nas máscaras Gèlèdè, quase sempre estão representados pássaros e serpentes, a serpente por ser um animal essencialmente noturno e os pássaros por possuírem uma potência espíritual equivalente as das mulheres, neste sentido, as aves e as serpentes formam a expressão visível do corpo de Ìyámi. As aves representam Ìyámi porque viajam no ar (símbolo do vôo noturno- projeção astral- caracteristico da pratica da magia de Ìyámi).
Assim, as aves nos ligam às serpentes mesmo que apenas através de sua oposição simbólica. Em todas as culturas , tanto as aves quanto as serpentes sempre aparecem como imagens prímárias e fundamentais da energia feminina superior do universo(e nem sempre são inimigas), pois se enquanto as aves voam em direção a magia das alturas e do sutil, as serpentes rastejam seu ventre carinhosamente aprofundando-se nos mistérios da tera.
De certa forma, é fácil perceber que as aves e serpentes representam o eterno jogo de troca ene o consciente e o inconsciente, tornando-se óbvio percebermos que o encanto das aves(particlamente as noturnas) é a sua cpacidde de voar(transitr nos aspetos mais sutis da naturea) e principalmente, nestes aspectos mais sutis na condição noturna(fonte de medo e apreensão inconsciente relacionada aos temores mais profundos dos seres humanos). No caso das serpentes elas precisam trocar de pele periodicamente e isto lhes proporciona uma aura de imortalidade.
Possuem uma qualidade andrógina: esticadas, parecem falos; enroladas, assemelham-se às dobras da vulva vaginal. Com este imenso símbolo andrógino, as serpentes são são a própia sexualidade encarnada e fortemente vivíficada na natureza. Por isso, quando se vê as serpentes enroladas nas máscaras Gèlèdè ou mesmo, participando"ativamente" da magia de Ìyámi Òs`ròngá(òsòròngá mesmo é o nome de um pássaro noturno), pode se ver a força de nossos mais antigos primórdios unindo-se a imagem original de Deus no universo, ou como alguns preferem: Deusa. voar e trocar de pele são uma magia infinita, original, arcaica e totalmente plena; sendo de força incomensurável, poucos podem transitar entre estes aspectos sutis e densos da natureza de uma forma plena, sem arriscarem-se ao vôo nturno. O culto anual a Gèlèdè, oferece tributo a potência m´stica dos antepassados das pessoas idosas e líderes da comunidade. As gèlèdè são conhecidas como mães anciãs, está em garantir uma vida construtiva, relacionando-se a fertilidade e a sabedoria do segredo da vida, no entanto, elas também possuem o mesmo poder em polaridade destrutiva.
Os dançarinos de Gèlèdè são homens, contudo representam homens e mulheres em suas representações.Na dança feminina Gèlèdeé poderosa e contida, entretanto, na dança masculina é violenta e agressiva. As Gèlèdé possuem uma "ordem de entrada" nas suas ritualidades, pois seu culto(diurno) é sempre feito na praça do mercado na medida em que o ato de negociar mercadorias dentro da cultura Yorúbá é especialmente feito por mulheres. O ststus de uma mulher Yorúbá deriva em maior parte pela sua reputação em saber negociar, do que pela sua riqueza, ou o grau de "mimo" que dá a seu marido. Desde que a principal ocupação das mulheres Yorúbá, está em negociar, muitas máscaras descrevem "comercios femininos".
Estas mulheres são economicamente independentes de seus maridos e possuem o potencial de ganhar mais dinheiro do que eles. Por isso tais aspectos como paciência, auto controle, reverência e riqueza, são simbolizados como mulheres. Portanto a praça do mercado representa simbolicamente o universo e o poder feminino atuando dentro dele(agora é facil entender, poque Èsú é conhecido como Òlójá "Dono do mercado" e por isso mesmo sua grande relação com Gèlèdè).
Arquétipo
Oxun é a genitora por excelência, ligada à procriação e associada à descendência no AIYÊ (TERRA).
É a patrona da gravidez ou gestação. Todo embrião ou feto é colocado sob sua responsabilidade e proteção, até o momento em que o bebê começa a falar. Por analogia, ela é responsável pela iniciação de neófitos (yawôs), que são considerados “embriões”, até o momento da cerimônia de “Dar o Nome”. Assim, toda a iniciação deve ter o cuidado de “louvar” Oxun durante o período de reclusão.
A demonstração e comprovação de que Oxun é a “Mãe das Iniciações”, é o uso dos ekodidés, nos oris escanhoados dos iniciandos. Leia a seguir a lenda: “Uma sacerdotisa cujo nome era Omo Òsun (filha ou descendente de Oxun) servia a Òrísànlá e estava encarregada de zelar por seus paramentos e particularmente por sua coroa.
Alguns dias antes do festival anual, umas seguidoras de Òrísànlá, invejosas da posição de Omo Òsun, decidiram roubar a cora e joga-la nas águas. Quando Omo Òsun descobriu o furto, seu desespero foi profundo. Uma menina que ela criava aconselhou-a a comprar, no dia seguinte de manhã, o primeiro peixe que encontrasse no mercado.
No dia seguinte, Omo Òsun não conseguiu encontrar nenhum peixe e foi somente na sua volta que encontrou um rapaz que trazia um grande peixe à cabeça. Chegando à sua casa, Omo Òsun não conseguia abrir o peixe. A garota apanhou um pedaço de faca muito usado – cacumbu – e facilmente conseguiu fender a barriga do peixe no interior da qual luzia a coroa. Chegando o dia da grande cerimônia, as invejosas sabendo que Omo Òsun havia miraculosamente encontrado a coroa, decidiram recorrer a trabalho mágico para desprestigiar Omo Òsun em frente a Òrísàlá. Elas colocaram um preparado na cadeira de Omo Òsun , situada ao lado do trono de Òrísàlá.
Todo mundo estava reunido e esperava em pé a chegada do grande Oba. Quando chegou, sentou-se e fez sentar-se todos os presentes. Em seguida pediu a Omo Òsun que lhe desse os paramentos. Quando ela quis levantar, foi incapaz de fazê-lo.
Tentou veementemente várias vezes a te conseguir, enfim, mas o preço do grande esforço foi desgarrar as partes baixas de seu corpo que começaram a sangrar copiosamente, manchando tudo de vermelho. Òsàlá, cujo tabu é o vermelho,levantou-se inquieto, e Omo Òsun, aturdida e envergonhada, fugiu. Segue-se uma longa odisséia durante a qual Omo Òsun foi bater à porta de todos os Orixás e nenhum deles quis recebê-la.
Enfim, ela foi implorar ajuda de Oxun, que a recebeu afetuosamente e transformou o corrimento sangüíneo em penas vermelhas do pássaro odide, chamadas ekódidé ou ikóóde, que iam caindo dentro de uma cabaça, colocada para recebê-las. Diante desse mistério – awo – a transformação do corrimento de sangue em ekódidé, todos regozijaram-se, começando os tambores a rufar e a correrem de todas as partes para assistir ao acontecimento: Yèyè sawo: Mãe fez mistério (Mãe conhece segredo, é mistério).
A festa se organizou e todas as noites Oxun abria as portas para receber os visitantes que, entrando, apanhavam um ekódidé e colocavam cauris (dinheiro) na cuia colocada ao lado. Todos os Orixás vieram tomar parte no acontecimento. Finalmente, o próprio Òsàlá foi atraído pelas festividades.
Apresentou-se em casa de Oxun e, como os outros, saudou-a fazendo o dòdòbálè, apanhou um ekódidé e o prendeu em seus cabelos. Um cântico relembra para sempre essa circunstância: Òdòfin dòdòbálè k’obinrin – Òdòfin (Òrinsàlà) saúda prostrando-se frente à mulher. Mesmo o grande Orixá Funfun faz o dòdòbálè – alongando-se no solo, tocando-o com o peito em sinal de respeito e de submissão – diante do poder de gestação”.
Por estar comprometida e vinculada à “gestação “, também tem relações com o ciclo menstrual. E devido a seu simbolismo com a maternidade, é saudada como Ye ye, uma forma de dizer “Mãe”. É a ela que se dirigem as mulheres que querem engravidar, sendo sua, a responsabilidade de zelar tanto pelos fetos em gestação como pelas crianças recém-nascidas, até que estas aprendam a falar.
Dentro desta perspectiva, Iemanjá e Oxum dividem a maternidade. Mas há também outra forma de análise: a por faixas etárias. Nanan é a matriarca velha, ranzinza, avó que já teve o poder sobre a família e o perdeu, sentindo-se relegada a um segundo plano. Iemanjá, é a mulher adulta e madura, na sua plenitude.
É a mãe das lendas – mas nelas, seus filhos são sempre adultos. Apesar de não ter a idade de Oxalá (sendo a segunda esposa do Orixá da criação), não é jovem. É a que tenta manter o clã unido, a que arbitra desavenças entre personalidades contrastantes, é a que chora, pois os filhos adultos já saem debaixo de sua asa e correm os mundos, afastando-se da unidade familiar básica.
Para Oxun, então, foi reservado o posto da jovem mãe, da mulher que ainda tem algo de adolescente, maliciosa, ao mesmo tempo que é cheia de paixão e busca objetivamente o prazer.
Sua responsabilidade em ser mãe se restringe às crianças e bebês.
Começa antes, na própria fecundação, mas não no seu desenvolvimento como adulto.
O arquétipo de Oxun é o das mulheres graciosas e elegantes, com paixão pelas jóias, perfumes e vestimentas caras; das mulheres que são símbolos do charme e da beleza; voluptuosas e sensuais, porém mais reservadas que Yansan.
Elas evitam chocar a opinião pública, à qual dão grande importância. Sob sua aparência graciosa e sedutora, escondem uma vontade muito forte e um grande desejo de ascensão social. Oxun também tem como um de seus domínios, a atividade sexual e a sensualidade em si, sendo considerada pelas lendas, uma das figuras físicas mais belas do Panteão Mítico Yorubano.
Existem 16 tipos diferentes de Oxun, desde as quase adolescentes, até as mais velhas.
Diz a lenda, que as mais velhas, moram nos trechos mais profundos dos rios, enquanto as mais novas nos trechos mais superficiais.
Entre essas 16, três são marcadas como guerreiras (Apara, a mais violenta, Iê Iê Kerê, que usa arco e flecha, e Ié Ié Iponda, que usa espada), mas a maior parte delas é mais pacífica, não gostando de lutas e guerras.
Oxun é dos poucos Orixás yorubas, que absolutamente não gosta da guerra.
A cor de Oxun é o pupa ou pon, que pode ser interpretado tanto como vermelho – o poder da criação humana e animal; o sangue menstrual ou o amarelo – um vermelho mais claro, mais leve e benéfico que pode ser interpretado como “está maduro”.
O amarelo-ouro ou pon ròrò é a cor oficial que representa Oxun.
Uma outra maneira de dizer vermelho em Nagô, é pupa eyin, literalmente “gema de ovo”.
O ovo, além de representar o “óvulo” que dá origem à vida, é o preferido de Oxun em suas comidas, mas também é o símbolo e representação das Iyás-àgbás, ancestrais femininos representados por pássaros.
Todos os metais amarelos pertencem a Oxun: Ouro e Bronze.
Osun teria nascido de uma concha depositada por sua mãe YAMÍ IYÁÁRÁÒLÚ, nas margens de um grande rio ao qual, empresta o seu nome, rio oxum, em ioruba " ôdô osun".
É no local mais profundo deste rio , entre as localidades de iguedè onde nasce e lekè, onde desenboca numa lagoa, que Osun é originalmente cultuada, tendo o seu templo principal edificado nesta região, na aldeia de oxogbo, palavra do dialeto iorubá que significa " OXUM ATINGIU A MATURIDADE".
No percurso do rio, que corresponde à trájetória do própio orìsá, Osun assume diferentes características, todas ligadas a maneira de ser das mulheres, de seu caráter e atitudes, de suas qualidades e defeitos.
Assim, o africano se refere à diferentes !caminhos " deste orìsá, que serão descritos de forma particular, sempre comparados a situações específicas do procedimento feminino. Temos então:
OXUN KAYODE- representada pela dança de Oxun, repleta de movimentos que denotam, a sensualidade revelada na maneira, de andar, de se movimentar e de proceder das mulheres.
YEYE KARE- representa o culto a beleza e à vaidade feminina.
É descrita como "O ESPÍRITO QUE SE REFLETE NO ESPELHO", motivo pelo qual, Oxun está permanentemente se admirando na superfície de um espelho, do qual não se separa nunca. O gosto pela riqueza, pela opulência, e pelo uso de jóias e adornos se revela no caminho de Oxun Bumi, onde a YAGBÁ cobre-se de pulseiras, brincos e colares de ouro, metal que lhe pertence por direito e ao qual está ligada de todas as formas..
OSUN SEKESE- representa a aparente fragilidade feminina, artíficio usado para obter a proteção dos representantes do sexo masculino.
OXUN IBUKOLA- é a sedutora írresistível e representa o poder de sedução feminino. O espírito maternal é representado por três diferentes caminhos onde OXUN FUMIKE proporciona a possibilidade de gerar filhos, OXUN OXOGBÔ assiste a mulher na hora do parto, desenpenhando aí, a função de parteira e OXUN FUNKE é a mestra, representando a mãe que orienta e ensina aos filhos as primeiras palavras e passos no seu primeiro contato com o mundo e com a propía vida.
OXUN MIWA- O espírito das aguas doces está de certa forma, ligado ao processo de gestação e dizem que assiste e protege o feto durante todo o período de gravidez, sendo a dona do líquido aminiótico.
A inconstância do caráter feminino é representada por, OXUN AKURA IBÚ, que se faz presente nos locais de encontro das aguas do rio com as do mar.
A mulher guerreira , batalhadeira e belicosa é representada por quatro caminhos de Oxun,, nos quais porta sempre uma espada.
Nestes caminhos a Orìsá é conhecida como: OXUN ÀPÁRÁ, OXUN OKE , OXUN ÌPONDÁ, YEYE IBERÌN , Todas consideradas como guerreiras poderosas.
A mulher madura, consciente de sua graça e elegância, revestida de respeito e classe, são representadas por OXUN EDE. A partir daí , Oxun assume características relacionadas a mulher envelhecida,, cheia de manias e preconceitos, ranzinzas e implicantes.
E é então representada por OXUN OGÁ. No último caminho, vamos encontrar OXUN ABOTÔ, considerada velha e decrépita e envolvida em ações misteriosas e obscuras relacionadas, talvez à prática da feitiçaria.
Oxun, então assume e revela todo o poder feiticeiro da mulher.
Desprovida agora de escrúpulos e do sentimento de piedade, contesta agora a PSEUDO-SUPERIORIDADE do macho e cria uma sociedade secreta , estritamente matriarcal denominada SOCIEDADE GUELEDÉ , onde a face maligna é encoberta por máscaras muitíssimo elaboradas.
É OXUN AWE que se encarrega de organizar esta sociedade, onde o homen não tem vez, devendo, tão sómente, submeter-se de bom grado, às exigências de suas líderes.
OXUN, reunindo em si mesma, todas as diferentes manifestações anteriormente descritas, assume para si o absurdo poder de YÁMI AJÉ - A MÃE FEITICEIRA- e , investida deste poder, controla a vida e a morte, punindo ou premiando indicriminadamente, sem senso de justiça e sem julgamento.
Aí, é representada pela grande cabaça IGBADÚ, símbolo do ventre gerador, encimada pelo pássaro OXÓRÒNGÁ, REPRESENTAÇÃO DO PODER FEITICEIO ilimitado que pode enviar aonde bem entender de acordo com sua conveniência. Surpreendentemente, determina que esta cabaça jamais seje vista ou cultuada por mulheres.
ÌBÁ OSÙN, ÒSUN SIGÌNSI EMI L' OMO ÌJESÁ ÒSUN Ò JIRE E Ò.
Eduardo David de Oliveira(1)
Marcilene Garcia de Souza(2)
Maria José da Silva S. Paula(3)
Introdução
O presente artigo intentará desenvolver sumariamente duas questões: 1) Quais os principais conteúdos que diferenciam a visão de mundo expressa pelo candomblé quando comparado aos da cultura hegemônica e, 2) Como estes conteúdos se manifestam na concepção de gênero presente no candomblé.
A partir destas duas questões principais, trataremos de problematizar uma gama de questões pertinentes a este artigo, tais como as dificuldades de se fazer uma crítica à cultura hegemônica, ou ao grande problema de, ao intentarmos uma crítica ao modelo ocidental, não recair nas mesmas estruturas que esse modelo propaga. Ou seja, como não ser ocidental estando no ocidente? Vale ressaltar que as problematizações bem como o desenvolvimento central do trabalho será abordado de maneira sintética e com uma bibliografia restrita. O objetivo é destacar os traços mais importantes da visão de mundo africana, presentes no candomblé, e atentar para as consequências que esta visão de mundo traz à discussão sobre a questão de gênero.
Por fim, primaremos por tecer algumas considerações críticas em relação às questões abordadas, e indicações de algumas possibilidades de pesquisa a partir desta discussão(4).
I. Os principais conteúdos que diferenciam a visão de mundo expressa pelo candomblé quando comparado com as da cultura hegemônica.
Sabe-se que não é possível falar de uma cultura ocidental assim como não é possível falar de uma cultura africana. Não existe cultura ocidental nem cultura africana. O que existe é uma infinidade de culturas ocidentais ou africanas, das quais, mesmo com o risco de generalizações, é possível identificar alguns traços comuns. O plural ao qual nos remetemos é de extrema importância, pois à medida que fugimos da tentação de ver a África como um todo unitário, e, na medida em que abandonamos a ingênua noção de homogeneidade ocidental, podemos avançar nas reflexões acerca das culturas em questão, considerando não apenas os aspectos geográficos, mas também, e principalmente, os aspectos históricos e sociológicos. Não obstante, cremos ser possível destacar alguns traços ou valores que estruturam uma sociedade. Mas, é preciso insistir neste ponto a fim de não obscurecer a questão: tais características gerais serão abordadas desde uma perspectiva estruturante, isto é, busca-se destacar os elementos que compõem uma certa visão de mundo, sem no entanto pretender que esta visão de mundo seja adotada por todas as pessoas ou grupos que habitam esta determinada cultura. Assim, apesar de compreender que existe uma grande diferença entre os países da Europa e os países da América do Norte, cremos ser possível identificar elementos estruturantes, criados historicamente, que permeiam tais sociedades; sabemos, entretanto, que no interior dessas sociedades não existe uma homogeneidade de concepções de mundo, por exemplo, há grande diferença entre os povos que vivem no campo e entre os povos urbanos; entre os últimos, há uma diversidade fenomenal de modos de vida diferenciados, porém, todos esses modos de vida, de uma maneira ou de outra, estão "subordinados" a um modelo padrão de cultura, ao qual nos deter a fim de discutirmos sobre o ocidente e sobre a cultura africana presente no candomblé.
Privilegiaremos a tensão que se torna explícita entre a "visão de mundo do candomblé" e a "visão de mundo ocidental". O candomblé, uma espécie de síntese de alguns valores civilizatórios africanos, ora está em conflito com o modo de vida ocidental, ora o absorve. Este processo, mais concomitante que simultâneo, permite-nos apontar para duas questões: 1) em que medida a visão de mundo inerente ao candomblé é capaz de apontar alternativas para a crise do modelo ocidental, e 2) em que medida o candomblé, ao absorver elementos da cultura ocidental, ao adaptar-se à modernidade dos novos tempos, não perde justamente os elementos estruturais de sua cosmovisão africana.
Segundo Sueli Carneiro e Cristiane Cury(5):
Quando a sociedade capitalista , através das relações sociais de produção que estabelece, reifica o indivíduo, desumanizando suas relações; quando propõe uma visão individualizante de mundo, destituindo núcleos comunitários remanescentes de outros momentos históricos; quando fundamenta uma ciência que tem como função a dessacralização da cultura, forjando seu reino na terra, parece significativo o fato do candomblé se expandir vertiginosamente, levando-nos a crer que este se coloca como uma forma de resistência à fragmentação da existência do homem brasileiro, seja no plano concreto, seja no plano ideal da explicação ontológica.
Podemos afirmar que o candomblé é uma religião de matriz africana porque ele reúne diversos cultos a orixás da África num só panteão, preservando, uma estrutura mítica semelhante aos cultos africanos. Na diáspora dos negros africanos, etnias distintas, sob a hegemonia dos povos yorubás (principalmente), criaram em solo brasileiro o que hoje chamamos de candomblé. Esta religião possui um sistema mítico que contrasta e conflitua com a ordem racionalista e excludente do mundo ocidental.
O sistema mítico do candomblé não é fragmentário nem excludente; é totalitário - no sentido de abranger o ser humano como um todo -, e integrativo. Os mitos, os processos de iniciação, os rituais, enfim, toda a estrutura mítica do candomblé obedece a uma lógica própria, lógica essa que concebe o tempo e o espaço diferentemente de como os concebe o mundo racional, baseado em axiomas científicos, do ocidente. Enquanto o que regula a sociedade capitalista ocidental é o tempo cronológico, tempo medido sempre pela produção do capital, tempo, enfim, sempre capitalizado, no candomblé prevalece o tempo mítico. Enquanto o primeiro é fragmentado e linear o segundo se realiza plenamente dentro de um ciclo que abarca a totalidade do ser humano.
A racionalidade do tempo cronológico reifica o homem, estabelece a perda da identidade, sustenta a particularização e especialização da cultura ocidental. Com efeito, a ciência moderna, ou melhor ainda, desde a filosofia moderna (pelo menos!) o ser humano vê-se esquadrinhado pelos saberes específicos. Surge as ciências humanas, cada qual especializada em compreender uma faceta do sujeito; o sujeito, categoria central no discurso filosófico da modernidade, aparece como uma identidade particularizada, autodeterminante e absoluta, no entanto, sempre permanece como um projeto, como um objeto de estudo para as ciências. Ora, podemos rapidamente perceber que na cosmovisão do povo-de-santo, mais que "santificar" a visão de sujeito é "sacralizada" a noção de comunidade; o sujeito, por sua vez, aparece em sua plenitude, individuado, mas não isolado ou reificado; são "partes" do universo, do todo, e como parte do todo, traz em si esta dimensão totalitária, isto é, o indivíduo carrega consigo a compreensão metafísica e ontológica da qual faz parte. Os ritos e preceitos do candomblé lhe dão condição de assumir essa dimensão cosmogônica.
Segundo as autoras citadadas, o candomblé recupera o indivíduo em vários aspectos:
1. Inscreve-o numa ordem metafísica, propondo-lhe um ser mitológico indivisível;
2. articula esse ser ontológico, essa singularidade, a um universal expresso por um panteão; promove assim sua elevação espiritual;
3. restitui-lhe sua dimensão natural, pois é estreita a correspondência entre os elementos da mitologia e os elementos da natureza. Portanto, ao inseri-lo nesta mitologia, inscreve-o, ao mesmo tempo, no reino da natureza, recuperando assim a unidade entre homem e natureza;
4. a mitologia, ao referir-se a todas as ações humanas significativas, explica e compreende suas contradições sociais e individuais, propondo caminhos alternativos para sua ação sobre o real;
5. em oposição ao projeto individualista da sociedade global, oferece-lhe uma opção comunitária"(6).
Seguindo o estudo de outra autora, Ronilda Ribeiro, dizemos como ela que a noção de pessoa na África Negra, e consequentemente no candomblé, "é tida como resultante da articulação de elementos estritamente individuais herdados e simbólicos. Os elementos herdados o situam na linhagem familiar e clânico enquanto os simbólicos a posicionam no ambiente cósmico, mítico e social"(7). Essa concepção de pessoa apesar de reconhecer a importância do indivíduo não aparta-o da vida social; pelo contrário, um dos elementos que o compõe é justamente o social, a dimensão coletiva e comunitária de sua existência.
Além da noção de tempo e espaço, e da noção de sujeito existem outros elementos que compõem a cosmovisão de mundo africana assumida pelo candomblé. A questão da ancestralidade, do princípio de senioridade, da palavra, do poder, da integração, da inclusão, da vida comunitária, da pragmática, da inocência, da valorização e integração com a natureza, da bipolaridade dos elementos, da Força Vital, dos ritos funerários e da concepção de morte, da produção etc., são também elementos componentes desta visão de mundo africana, que, entretanto, deverão ser aprofundados em outra pesquisa. Porém, o princípio da unidade dos contrários, que organiza todo esse sistema, merecerá, neste trabalho, uma atenção especial.
A dualidade dos elementos não é negada no candomblé. Pelo contrário, a bipolaridade é assumida. Não existe o "bem" e o "mal", existem forças, energias, que podem ser manuseadas, tanto negativo como positivamente, ou melhor dizendo, que podem ser manipuladas tanto para a construção como para a destruição. É curioso perceber que nas religiões africanas não deixa de ser comum a existência de divindades duplas, isto é, uma divindade feminina e outra masculina, ambas possuindo o mesmo poder. Essa característica estruturante das religiões africanas chegou ao Brasil através do candomblé, e é por isso que podemos dizer que o princípio da sexualidade estrutura todo o sistema desta religião de matriz africana.
O sistema do candomblé é dialético e interligado. A interdependência é a primeira coisa que se aprende no sistema. Há uma divisão social e sexual do trabalho, mas ninguém é absoluto numa função pois existe a interdependência. Não há um trabalho mais importante que o outro.
Há uma tensão entre os sexos. O candomblé reconhece, mitifica, e assume essa tensão. A mulher não é o equivalente do homem, não é a "costela de Adão" (item 2).
Ora, vimos anteriormente que o ser humano vivendo sob a égide do sistema capitalista, vale dizer, da visão de mundo ocidental, cada vez mais preso nas teias da racionalidade e da consequente fragmentação do mundo, experimenta um vazio existencial, uma vez que seu "eu", longe de uma dimensão comunitária e de um sistema que lhe dê conta de entender-se como pertencente a uma totalidade, desemboca num certo "desespero" moderno, num mundo desencantado(8), onde tudo parece dominável, mas que, em verdade, é o sujeito que por tudo é dominado. Diante deste quadro nada promissor apresentado pela cultura ocidental, o candomblé surge para estes indivíduos como uma alternativa não apenas religiosa, mas também política e social, pois o candomblé é um modo de vida.
Isto talvez explique por que cada vez mais existem indivíduos, cuja cultura é originária do ocidente, aproximádo-se do candomblé. "Em oposição ao anonimato da vida social moderna, o candomblé propõe uma existência personalizada, nominalizada, propiciando inserção ordem comunitária como resposta específica ao vazio existencial decorrente de sua fragmentação individual no social"(9).
Os problemas que podem ser levantados neste item serão abordados no item 3, sendo que no presente item cremos ter abordado os principais conteúdos que diferenciam a visão de mundo expressa pelo candomblé quando comparado com os da cultura hegemônica.
II. Como estes conteúdos se manifestam na concepção de gênero presente no candomblé.
Ao vermos como as mulheres se inserem-se no interior da concepção de gênero presente no candomblé, estamos à volta, novamente, com as questões que envolvem a sociedade em que o candomblé está inserido, ou seja, mais uma vez identificamos aí elementos de contraste com a visão de mundo, e consequentemente de gênero do candomblé, ora rivalizando, ora absorvendo elementos da cultura ocidental, que no caso chamamos de patriarcal ou machista(10).
Enquanto o princípio que estrutura a sociedade ocidental é o patriarcalismo, o machismo, o falocentrismo, nas comunidades de "terreiro" o que estrutura o sistema é o princípio da unidade dos contrário, o princípio da sexualidade.
Este princípio da sexualidade como já pincelamos no capítulo anterior, é o que estrutura todo o sistema. Aqui a bipolaridade é um princípio; o conflito entre os sexos é assumido, e não descartado. Não subjuga-se um sexo em favor do predomínio do outro. Existe a reciprocidade entre eles. Mas claro, como há conflito, existe uma disputa pelo poder, uma política envolvendo os gêneros, mas que, no entanto, não prima pela dominação da alteridade, e sim pelo controle. Ademais, quando falamos que nas "roças" de candomblé os trabalhos são divididos social e sexualmente, estamos falando que estes trabalhos são divididos em funções que, por sua vez, estão assentados em princípios bem preservados na tradição. As funções obedecem a idade de iniciação do povo-de-santo, bem como respeita o estágio de vida real pelo qual a pessoa está passando. Assim, uma mulher menstruada, por exemplo, não poderá jamais tocar em alguns objetos sagrados por causa do seu estado, assim como os homens da "roça" não poderão jamais conhecer os segredos de algumas funções femininas. Mas o que é importante destacar é que as funções femininas e as funções masculinas se complementam, isto é, não existe uma sem a outra. Essa reciprocidade é fundamental para a estruturação do sistema mítico e social do candomblé.
A mulher, em especial, possui um papel primordial que a sociedade capitalista não lhe permite desempenhar. Se nesta, a mulher é uma reprodutora, está subjugada pelos princípios falocráticos que permeiam os valores sociais, naquela, a mulher também é reprodutora, mas em uma dimensão muito mais ampla, abarcando as esferas do material e do simbólico.
"Acreditamos residir fundamentalmente no mistério da concepção da vida a associação da mulher ao segredo, ao temor do desconhecido, à natureza selvagem, às profundezas das águas e suas turbulências, à terra, ventre fecundo onde tudo nasce e para onde tudo retorna, e ao fogo sensual que conduz ao encontro"(11).
A importância da mulher tanto no ritual das religiões de matriz africana no Brasil, quanto na sustentação da vida social da família, tem motivos históricos. A mulher negra, após a "abolição da escravatura", viu-se frente a uma estrutura social onde o homem negro, alijado do mercado de trabalho, expropriado de sua força de trabalho e marginalizado por sua condição racial já não podia manter o núcleo familiar como outrora. Diante deste quadro a mulher negra assume a responsabilidade de encontrar alternativas de sobrevivência da família, em última instância, para a sobrevivência do grupo.
Ao homem negro, despreparado e marginalizado do processo de industrialização nascente, restam as tarefas sociais mais humilhantes e a marginalizadas. Neste contexto, a mulher negra tomará a si a responsabilidade para manter a unidade familiar, a coesão grupal e preservar as tradições culturais, particularmente as religiosas. Apesar das condições subumanas que a escravidão/ "liberdade" deixou a população negra, as mulheres negras lograram encontrar maiores opções de sobrevivência do que o homem negro. Elas foram para as cozinhas das patroas brancas, foram para os mercados vender quitutes, desenvolveram todas as estratégias de sobrevivência; assim criaram seus filhos carnais, seus filhos de santo abrigaram seus candomblés, adoraram seus deuses, cantaram, dançaram, e cozinharam para eles(12).
A mulher negra, assim, encontra no candomblé não apenas plenas possibilidades de realizar-se religiosamente, como também política e socialmente. Com efeito, na cosmovisão das religiões de matriz africana não existe uma distinção muito nítida entre o sagrado e o profano, estas duas esferas interpenetram-se.
A mulher que quotidianamente, no mundo ocidental, vive em conflito(13) com o social, porque relegada a um plano inferior da existência em sociedade, encontra-se nos ritos do candomblé a forma de ritualizar este conflito. Assim, se cozinhar é uma tarefa menor, sem valorização social, assim como as atividades domésticas em geral, no candomblé tais tarefas possuem um valor inestimável. A realização das referidas tarefas é um privilégio que não cabe a todos. Essa valorização redimensiona o papel da mulher tanto no plano místico do candomblé, quanto no plano social.
Maria de Lourdes Siqueira vai dizer que:
Este sentimento de intimidade da mulher negra com a mitologia e com a ritualidade religiosas afro-brasileiras abre caminhos para que ela vai conhecendo, ampliando, recriando e transformando, numa forma de poder socialmente construído, assumindo papéis que vão se redefinindo a cada passo: ora mãe, ora educadora, ora curadora, estabelecendo relações sociais, políticas e mesmo diplomáticas(14).
Como a mulher, no candomblé, comumente dirige os "terreiros" na figura da yalorixá, da mãe-de-santo, ela conhece todos os rituais e segredos da mística religiosa afro-brasileira, além de ser a responsável pela administração da "roça" . Ora, " aprendendo e ensinando a religião dos orixás, a mulher negra desenvolve suas próprias capacidades administrativas, políticas-sociais, humanas e religiosas"(15).
A valorização da mulher não implica a dominação dos homens. No candomblé, apesar dos conflitos, não existe esta pulsão de eliminação do outro porque este outro é diferente. Como vimos insistindo, o que existe é a complementaridade das funções, e não o predomínio de um gênero sobre o outro. Isto só é possível porque na cosmovisão do candomblé , a "existência dos orixás essencialmente femininos, de orixás essencialmente masculinos e de orixás ambivalentes ou andróginos, expressa uma compreensão profunda da própria sexualidade humana"(16).
Notamos, assim, que a cosmovisão implícita do candomblé está em conflitos estruturais com a cultura do ocidente. Seja pela valorização da mulher em sua dimensão política, religiosa ou social, seja pela compreensão do ser humano longe do binarismo homem-mulher, o candomblé apresenta-se com valores civilizatórios mais coletivos, mais integracionistas, mais humanos que os modelos ocidentais. Daí, Sueli Carneiro e Cristiane Cury afirmarem que "a organização social do candomblé procurará reviver a estrutura social hierárquica de reinos africanos (especialmente de Oyó) que a escravidão destruiu, porém na diáspora esta forma de organização visará reorganizar a família negra, perpetuar a memória cultural e garantir a sobrevivência do grupo e, ainda, a transmutação nos deuses africanos será a fonte de sustentação dessas mulheres para o confronto com uma sociedade hostil"(17)
Considerações Finais
Este último item do artigo não procurará tecer considerações cabais sobre as temáticas aqui abordadas, até porque isto não seria possível para nossa competência; pretendemos, outrossim, apontar para algumas questões emergentes - que o presente trabalho tenha abordado, mas não desenvolvido.
É importante ressaltar que nossa preocupação básica é saber como manter a cosmovisão das religiões de matrizes africanas, tributárias de uma longa tradição, frente aos desafios do mundo capitalista contemporâneo.
No primeiro item deste trabalho fizemo-nos duas questões: 1) em que medida a visão de mundo é inerente ao candomblé é capaz de apontar respostas para a crise do modelo ocidental; 2) em que medida o candomblé ao absorver elementos da cultura ocidental, ao adaptar-se à modernidade dos novos tempos, não perde juntamente os elementos estruturais de sua cosmovisão africana?
Tanto no primeiro, como no segundo item, pensamos ter desenvolvido alguns elementos que se constituem como alternativas ao sistema capitalista. A visão de mundo do povo-de-santo , é integrativa e não excludente; é humanista e não tecnicista; é polivalente e não totalitária; constitui uma unidade dos elementos, e não uma fragmentação dos mesmos. Como as pessoas advindas de culturas não-africanas não encontram em suas culturas de origem os valores capazes de lhes proporcionar uma vivência digna e justa, elas encontram nas religiões de matrizes africanas um outro sistema de valores e princípios que não estão aprisionados pelo racionalismo, pelo cientificismo ocidental, pelo individualismo liberal. Ao contrário, o inesperado, o desconhecido, são esferas presentes nas religiões de origem africana. O irracional também faz parte do sistema. O afeto, a emoção, a dança, a festa, a dor, o prazer, são esferas que se complementam, são dimensões que abarcam toda a complexidade humana.
O vínculo estreito do povo-de-santo com a natureza, e o estreito vínculo destes com as divindades, fazem do candomblé uma religião imanente, longe das abstrações metafísicas das religiões transcendentes. Num mundo onde o artifício domina o natural, onde o controle procura desesperadamente conter o irracional, como é o caso do mundo ocidental, onde as pessoas e os saberes são fragmentados, onde os interesses individuais subjugam os interesses coletivos, a religião comunitária do candomblé representa uma alternativa viável, representa uma volta à origem humana e seu contato com a natureza, representa uma relação corporal com os "deuses" - orixás, representam uma vivência coletiva, em sociedade, representa uma potencialização da sexualidade humana e a recuperação do feminino num mundo predominantemente masculino. Assim, esses elementos estruturantes do candomblé apontam respostas concretas para a crise dos modelos ocidentais.
Porém, em que medida o candomblé, ao absorver elementos desses modelos ocidentais, ao permitir o ingresso de pessoas não tributárias da origem africana, ao se situar no seio do capitalismo, não perde a caracterização de seus elementos estruturantes. A pergunta, de fato, é a seguinte: como atualizar a tradição? Como vivenciar uma religião eminentemente natural num mundo predominantemente artificial? Como vivenciar uma cultura africana se o nosso modo de pensar está estruturado e assentado no modo ocidental de pensamento, numa estrutura mental própria do ocidente, e disto somos herdeiros simplesmente pelo fato de termos nascido nesta sociedade?
Aqui aparecem alguns problemas com os quais muitos teóricos têm estado às voltas, sem, no entanto, chegara resultados muito satisfatórios. A questão da linguagem, da cultura, das estruturas de pensamento, tornam-se limites para a questão aqui abordada(18). No entanto, gostaríamos de rapidamente apontar para um projeto de pesquisa que talvez tornasse possível a reflexão de tais temas de maneira a não recair em redundâncias semânticas ou em totalitarismos políticos, e nem em ramificações religiosas.
O uso de códigos binários, bem-mal, certo-errado, céu-inferno, masculino-feminino, direito-esquerdo, não contempla a pluralidade do ser humano e suas sociedades. O real é muito mais dinâmico do que pretenderam os metafísicos do séc. XVII e os iluministas do séc. XVIII; é mais contingente do que imaginou a ciência moderna e muito mais sedutor do que imaginaram os teóricos até nosso tempo.
Talvez a física contemporânea, juntamente com a biologia e a química, sejam os ramos da ciência que começam a detonar os antigos paradigmas cartesianos-newtonianos. A interdependência, a interação e a flexibilidade que esses saberes apresentam, em muito, lembram os princípios tradicionais das religiões de matrizes africanas - em especial o candomblé.
A condição humana, por exemplo, não é expressa pelo binário homem-mulher. No panteão do candomblé existem orixás eminentemente femininos, eminentemente masculinos, e orixás andróginos, isto é, feminino e masculino ao mesmo tempo. Essa trindade, esse terceiro, é a possibilidade de várias expressões do humano sem reduzi-lo à binaridade calcificante.
Também no candomblé a flexibilidade do sistema é notável. Sua cosmovisão é sempre redefinida e atualizada, mantendo entretanto, os elementos estruturantes como a interação, a interdependência, o comunitário, a ligação com o natural, entre outros.
Isto permite dizer, ao menos, que existem elementos, tanto em ciências consagradas, a física, a biologia e a química, ou em religiões tradicionais, como o candomblé, que permitem-nos afirmar, a não existência de um único universo de valorização, uma única teoria interpretativa, um único modelo de pensamento. A crítica ao eurocentrismo, ao falocentrismo, ao etnocentrismo já foram feitas várias vezes. É preciso, no entanto, aprofundar tais críticas, a fim de mostrar, seja no âmbito ontológico (SER), econômico (CAPITAL), linguístico (SIGNIFICANTE) ou religioso (DEUS), que todos esses elementos são erigidos como equivalentes gerais modelizando todos os outros universos de valorização, reduzindo a realidade a uma repetição e adequação a esses signos dominantes(19).
Assim, falar em cultura ocidental é perceber no conjunto de territórios que organizados segundo uma lógica comum, de acordo com os mesmos signos dominantes, os equivalentes gerais que dominam todos os outros planos. Esta dominação, porém não é absoluta, pois além do regime dominante dos signos existem também os regimes passionais, os pré-linguísticos, ou seja, regimes pré-sinificantes, contra-significantes e pós-significantes. Não vamos adentrar nesta questão pois apenas queremos frisar que o modelo torna-se dominante historicamente, ou seja, eles não são eternos, imutáveis, inatos, mas construídos, humanamente construídos. Por isso, podemos, com base no próprio movimento histórico e nos vários campos semióticos que povoam a realidade, afirmar que tal modelo é hoje dominante mas nem sempre foi e não precisa ser para sempre. Isto nos abre a possibilidade de enxergar os vários universos que convivem e se afetam no mesmo espaço geopolítico. Procuramos, portanto, não recair num binarismo ingênuo de ocidental-africano. Destacamos apenas os elementos estruturantes, mas sabemos que existe uma diversidade fantástica no interior de cada um desses espaços.
Até aqui estamos pensando a atualização da tradição das religiões de matrizes africanas - especialmente o candomblé. Ou seja, a cosmovisão que esta religião apresenta é compatível com as aspirações das maiorias das pessoas deste final de milênio. Mas alguns problemas persistem(20):
# Se o candomblé é uma religião que não sobrevive sem seu "espaço-mato", sem a natureza, o que fazer se rapidamente a sociedade capitalista destrói e devasta nosso espaço natural?
# Se acabarem-se as folhas, as ervas, como manter os ritos, como agradar os orixás?
# A distância da natureza artificializa o homem. Basta ver as grandes cidades e compará-las com o campo. A desumanização do homem tem a ver com sua artificialização. Como manter uma cosmovisão com um homem artificial?
# Simbolizar estes espaços naturais resolvem o problema? Realizar os ritos de candomblé num apartamento onde o som 3 em 1 representa os atabaques, uma samambaia o espaço-mato, e uma bacia de água a fonte de Oxum (por exemplo) não seria um esvaziamento muito violento às energias, à força vital presente no rito?
# Cultuar Ogun sobre o motor de um carro, ligar Exu ao sistema de informática, etc., não é, de alguma forma, ridicularizar o culto. Não é perigoso fazer tais associações, visto que a tecnologia, por exemplo, como tem sido usada, é um dos principais fatores que excluem o povo negro de uma vida digna?
# Assumir signos que são ícones do capitalismo, como apartamento, motores, informática, não é ser por ele subsumido?
# O candomblé possui um caráter elitista? Seus ritos que demandam custos, são compatíveis aos mais pobres? Ele não é economicamente excludente?
# A hierarquia dura do candomblé, seu "conservadorismo", até que ponto são suscetíveis de mudanças?
# Como associar o candomblé a uma perspectiva de militância política organizada?
# Em que medida o candomblé não cumpre uma função no interior do sistema capitalista?
# O que fazer para não ser apropriado os signos do candomblé, uma vez que o capitalismo sobrevive destas absorções?
# Ele é monoteísta ou politeísta? Sincrético ou original?
# É uma religião de negros ou de todos?
# Como pensar o candomblé em tempos de globalização?
# Como o candomblé lida com as doenças como a AIDS e outras doenças transmissíveis pelo contato com o sangue?
# Qual nosso projeto em relação ao candomblé?
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NOTAS:
1 OLIVEIRA, Eduardo David é graduado em Filosofia - UFPR e Pós Graduado em Culturas Africanas e Relações Inter-Étnicas na Educação Brasileira- Faculdades Integradas "Espírita".
2 DE SOUZA, Marcilene Garcia é graduada em Ciências Sociais - UFPR e Pós Graduada em Culturas Africanas e Relações Inter-Étnicas na Educação Brasileira- Faculdades Integradas "Espírita"
3 PAULA, Maria José da Silva S é graduada em Pedagogia, e Pós Graduada em Culturas Africanas e Relações Inter-Étnicas na Educação Brasileira- Faculdades Integradas "Espírita" além de Mestranda em Educação pela PUC-PR.
4 Para abordar o primeiro e o segundo item do presente artigo recorreremos aos textos utilizados no módulo: "Gênero, Concepção e Prática mas tradições culturais religiosas de matriz africana", promovido pelo curso de Especialização sobre Culturas Africanas, promovido pela Universidade "Bezerra de Menezes", através de seu departamento - o CENTRHU : Centro de Estudos das Tradições Religiosas da Humanidade.
5 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé p. 176
6 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé p. 179
7 RIBEIRO, Ronilda. Alma Africana no Brasil, p. 43-44.
8 Para usar a expressão de Max Weber.
9 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé. p. 176.
10 Voltaremos a esta temática no item 3.
11 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino, p. 19.
12 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino, p. 26.
13 "O conflito constantemente vivido entre aquilo que é socialmente imposto se ritualiza todo o tempo". Idem, p. 24.
14 SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Iyami, Iyá Agbás. Dinâmica da espiritualidade feminina em templos afro-baianos. p. 443.
15 Id. Ibid. p. 444.
16 CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino. p. 24.
17 Idem. p. 26.
18 Estes temas merecer ser desenvolvidos num trabalho à parte.
19 É, talvez Guattari, juntamente com Deleuze, que desenvolveram essas reflexões na obra: "Caosmose, Revolução Molecular, Microfísica do Poder, As três ecologias".
20 Aqui vamos nos limitar a pontuar estes problemas para que em outro momento possamos pesquisar e desenvolver.
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BIBLIOGRAFIA
CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O candomblé . Mimeo.
CARNEIRO, Sueli; CURY, Cristiane. O poder feminino. Mímeo.
RIBEIRO, Ronilda. Alma Africana no Brasil. Os Iorubás. São Paulo: Editora Oduduwa, 1996.
SIQUEIRA, Maria de Lourdes. Iyami, Iyá Agbás. Dinâmica da espiritualidade feminina em templos afro-baianos. Mímeo.
fonte: http://www.ifil.org/Biblioteca/souza.htm