A Umbanda conforme conhecemos hoje foi criada em 15 de Novembro de 1908, em Niterói pelo caboclo das sete encruzilhadas.
A partir dessa data estabeleceu-se formalmente o culto da Umbanda.
Esta é a história oficial conhecida por todos.
Eu percebi, e tenho que registrar, que existem algumas versões diferentes dessa história e me dei ao trabalho de conhece-las, mas vou registrar a história dessa busca em outro texto, um “making off”.
Minha conclusão é que são apenas delírios, podemos ignora-las.
A maior parte da confusão gira em torna de uma manifestação anterior à Umbanda de incorporações de espírito, que pode ser entendida como o culto da Macumba, de raízes ou bases africanas, possivelmente Bantu, mas, que não pode ser identificado com a Umbanda.
Esse culto acabou, foi superado e totalmente absorvido pela Umbanda e virou apenas um tipo de Umbanda, aderindo a ideologia e teologia da Umbanda e guardando remotos traços de seu formato original.
Nesse processo “darwiniano” de seleção natural, a Macumba perdeu suas características africanas.
Esse fato não consegue ser absorvido por muitos que certamente estão mais identificados com questões da afirmação negra e fazem questão de se apegar a isso e tirar o crédito da Umbanda, uma religião que se identificou como brasileira e perfeitamente inserida nos valores da sociedade comum brasileira de classe média, urbana e mestiça.
Assim existem inúmeras tentativas de re-escrever e interpretar a história no sentido de alinhá-la com ideologias, não com fatos.
A história da Umbanda é farta dessas iniciativas.
A questão negra e a discriminação fazem ou fizeram um grande esforço nesse sentido de re-interpretar e até mesmo discriminar a história da Umbanda, inserindo as visões de africanização ou desafricanização ou empretecimento e embranquecimento.
Como eu me expressei, considero apenas delírios pós-fato.
Não quero ser mais um a re-escrever e re-interpretar essa história, mas, tenho certeza de que não vou fugir desse rótulo.
O que vou fazer a seguir é me esforçar para apenas olhar os fatos na visão da religiosidade tendo como motivação a religiosidade que predominou e a que faz com que a Umbanda seja reconhecida por todos.
A história da Umbanda esta bem documentada, confusamente posso dizer.
Quem se interessar vai facilmente perceber os detalhes da sua criação e os desvios posteriores que teve, em livros, artigos e textos facilmente acessíveis.
Um pequeno resumo dessa história é necessária para a finalidade do tema aqui proposto.
A Umbanda surgiu, sem dúvida, de uma divergência no Kardecismo, um conhecido culto espírita que veio da França para o Brasil e aqui floresceu e se difundiu pela sociedade civil, notadamente de classe média.
Em determinado momento novos espíritos quiseram se manifestar incorporados em seções espíritas e isso não foi permitido.
Foi nesse momento que a Umbanda surgiu.
Esses guias se auto-denominavam índios (caboclos) e pretos-velhos, mas, os dirigentes Kardecistas consideravam que não seriam espíritos evoluídos para poder trabalhar com eles devido a forma como se manifestavam incorporados.
Eles preferiam trabalhar com espíritos que se apresentavam de uma forma mais evoluída e condizente com a classe social deles, como médicos e religiosos.
Os Kardecistas identificavam dessa maneira a capacidade do espírito com a pessoa com que foram em alguma de suas encarnações, talvez o última delas. Parece estranho, mas, é isso mesmo.
O surgimento desses espíritos no Kardecismo, nas mesas Kardecistas é certamente o principal ponto de indeterminação histórica. Podemos supor que esses espíritos que já se manifestavam na Macumba e passaram repentinamente a aparecer também nas mesas Kardecistas.
Acho improvável.
A hipótese mais razoável é que vários médiuns Kardecistas, segundo fontes relatam, tinham também contato com o culto da Macumba que existia em zonas rurais, suburbanas e mais afastada do centro da cidade.
Eles entenderam que essa também era uma manifestação autêntica de espíritos do bem e viram valor e utilidade maior no trabalho através deles incorporados, com o objetivo de ajudar pessoas e também os espíritos perdidos no nosso plano.
Eles viram assim a oportunidade de fazer um trabalho similar, mas, com maior alcance e força do que unicamente a forma que o Kardecismo apresentava para ajudar pessoas.1.
Esses médiuns, com contato com ambas as práticas, devem ter trazidos esses espíritos para se manifestarem no Kardecismo, aproximando-os da sua sociedade e do seu dia a dia, uma vez que possivelmente o seu espaço original, a Macumba se afastava por demais da sua conveniência.
Apesar do interesse deles, médiuns, não houve como conciliar a visão do Kardecismo sobre o processo espiritual e sua codificação e a aceitação desses espíritos. Isso levou por fim a criação da Umbanda.
É importante observar que a Umbanda foi de fato a criada por Zelito e pelo Caboclo das 7 encruzilhadas em 1908, e era uma manifestação nova, não era a Macumba, já existente.
Se a Umbanda fosse apenas a mesma Macumba não teria sido necessário a manifestação do Caboclo através do Médium Zelito Moraes.
No que pese a clareza e veracidade dessa história, dessa divisão clara entre a macumba que já existia e a Umbanda que surgia, isso ainda hoje é uma grande confusão devido aos sempre maléficos efeitos do sincretismo e principalmente de pessoas motivadas a recontar essa história para atender suas próprias ideologias.
A prática, como foi estabelecida pelos fundadores da Umbanda, permitia o trabalho dos caboclos e pretos-velhos mas não admitia ainda muitos elementos dos rituais da Macumba.
Não haviam os atabaques, todos usavam branco e os elementos litúrgicos eram flores e água.
Haviam os espíritos em terra fazendo caridade, como definia o próprio Caboclo das 7 encruzilhadas.
A Umbanda foi criada com um formato mais aberto para o trabalho com espíritos, desconectado da rígida codificação Kardecista, urbana, mas baseado, sem dúvida, na filosofia do kardecismo.
A Umbanda não era elitista como o Kardecismo sempre foi e tinha um formato que permitia a sua prática por todas as camadas da sociedade, além de como já explicado ser um culto notadamente brasileiro e católico.
Em relação a macumba a Umbanda estabelecia um formato menos mistificado e mais compreensível e aceitável pela sociedade comum sem prejudicar a incorporação e o trabalhos dos espíritos.
Dessa maneira o sucesso da Umbanda em relação à manifestação anterior, a macumba e a qualquer outra, veio através de incorporar a base católica, religião plenamente conhecida por todos, a codificação Kardecista que estrutura muito bem os novos elementos (espíritos, Karma, encarnação) e o trabalho com espíritos incorporados (guias) da Macumba.
A Umbanda por si adicionou a isso suas linhas de trabalho e hierarquias espirituais que ordenou o conjunto de espíritos distintos que se incorporavam em um médium.
Explorando esse último ponto, o formato do culto, é muito difícil, a luz dos fatos e não das invenções, como vamos ver, estabelecer a Umbanda como uma tradição religiosa de matriz africana ou afro-brasileira.
Muito autores também já reconhecem a Umbanda como sendo uma religião brasileira, ou “A” religião brasileira, por natureza.
A Umbanda com o passar do tempo e através da sua simpatia com o processo de sincretismo adotou muitas outras formas de ser praticada, talvez centenas, diferentes da original e cada forma adicionou em maior ou menor grau novos elementos religiosos ou litúrgicos das fontes que sincretizou, mudando assim o formato dessa “nova” Umbanda em relação ao original.
Apesar de todas as variações e criatividades das adições, os formatos derivados ainda mantiveram a mesma base principal kardecista-católica da criação da Umbanda.
Voltando ao princípio, a incorporação de ritos e estética africana foi resultado de um dos processos de sincretismo, talvez um dos primeiros, mas não foi o único, e criou uma forma muito popular de Umbanda (talvez a mais popular), mas, não podemos considerar que esse formato se constitui a base da Umbanda.
Ele é apenas o resultado de um dos muitos sincretismos feitos a partir da Umbanda-base que veio com o Caboclo nas 7 encruzilhadas e era fundada nos princípios do Kardecismo-católico.
Além disso não podemos dizer que a Macumba foi a fonte única desse sincretismo africano, pelo contrário, ele teve várias fontes.
Desviando um pouco da linha histórica, entendo que, classificar a Umbanda como parte da matriz africana ou de religiões afro-brasileira, foi uma forma explícita de discriminação. Não quero também negar o óbvio, a junção africana.
Ela existe e é muito popular, mas existem muitas outras formas de Umbanda que não se identificam com isso, de maneira que não existe sentido em classificar o todo usando somente uma de suas partes.
Essa referência à discriminação é feita porque durante muito tempo uma das formas de restringir a prática e caracterizar como uma manifestação menor ou atrasada era justamente estabelecer raizes africanas, ou melhor ligações com negros.
Esse aspecto inclusive torna ainda mais complicado do que já é uma discussão independente sobre Umbanda, em parte, e Candomblé sempre, em seus aspectos religiosos ou históricos.
É muito complicado querer tratar de religião quando o tempo todo existe uma discussão ideológica sombreando, se confundindo e misturando com isso, as idéias ficam mais difíceis de serem tratadas. Provavelmente é o que ocorre também com o Judaísmo e o semitismo.
Prosseguindo em nosso desvio, existe uma fusão principalmente do Candomblé com a identidade negra e ambos sofreram um forte processo de discriminação. Hoje em dia já existe, de fato, uma sutil, mas real, separação disso e o Candomblé como religião não pode mais se identificado com a causa negra. Ele não é mais discriminado na sua prática, já se espalhou pela sociedade como um todo atingindo todas as classes sociais e seus sacerdotes, se transformou em mais uma religião de acesso comum e tem em seu clero e frequentadores uma grupo cada vez mais estão “embranquecido”.
Atualmente casas de Candomblé com sacerdote e maioria de negros são muito raras. A predominância é de brancos, morenos e mulatos claros, aliás, como é a sociedade civil.
Esse movimento é recente, iniciou provavelmente em maior volume nos anos 80, mas a história mostra que a associação de alguma cultura e religião com negros sempre foi uma forma fácil e simples de gerar um preconceito e legitimamente combatê-los.
A Umbanda caiu nessa rede africana e só foi começar a se libertar na década de 30-40 junto com o novo.
Dessa maneira a classificação afro-brasileira para a Umbanda, pode ter sido apenas uma questão de ignorância, mas foi também uma forma de conter o seu culto.
Voltando a linha principal, finalmente, existe uma corrente de pessoas que pensam que a Umbanda não foi criada em 1908, que ela na realidade era a Macumba e sempre existiu antes.
Engano, as formas são muito diferentes, o que conhecemos como Umbanda surgiu de fato em 1908.
Esse grupo é fortemente identificado com essa busca de identidade negra e tenta assim confundir a história e se apropriar de uma identidade que não lhe pertence.
Eu não posso encerrar aqui, este assunto sobre a história da Umbanda, sem fazer menção a primeira conferência de Umbanda, promovida em 1941, que foi uma reação radical ao sincretismo africano.
A conferência, foi certamente promovida por descendências das correntes que criaram a Umbanda, teve como principais resultados a quebra de qualquer vínculo doutrinário e histórico com tradições afro-brasileiras e a definição de uma base comum doutrinária para a Umbanda (mais do que apenas teológica) que foi o pilar para a aceitação pelo estado e sociedade como uma religião.
O resultado desse congresso influencia a prática e o entendimento da Umbanda até hoje. A partir desse evento e também de outras iniciativas das lideranças da época a Umbanda deixou de ser perseguida em sua prática pela polícia.
O congresso estabeleceu a tese de que a Umbanda sempre existiu e teve uma origem, nobre, pura e oriental. Sugiro aos interessados em buscar informações sobre o seu resultado da conferência.
De fato acho a maior parte de suas teses delirantes, quase que apenas uma manifestação de preconceito, personalismo de alguns e completamente tendenciosa. Mas sem dúvida ele confirma a ligação umbilical da Umbanda com o Kardecismo e o Catolicismo expurgando qualquer referência africana e Yorùbá.
A Macumba fica assim caracterizada como um movimente separado, sem vinculo doutrinário. De fato o congresso estabeleceu as práticas africanas como um desvio negativo da Umbanda milenar.
A linha oriental tem sido uma das mais atuantes da Umbanda.
São pessoas muito esclarecidas e antes de todos os demais, começaram a produzir livros e teses sobre a filosofia da sua linha de Umbanda.
Os livros são de autoria de “mestres” com nomes estranhos.
Na ausência de outras obras ou concorrendo com outras poucas obras eles acabaram virando uma referência forte.
Só recentemente uma pessoa que representa uma linha pode demais africana abriu uma “fábrica” de livros e busca através da saturação impor a sua idéia em um movimento similar, mas, mais intenso do que o orientais fizeram.
Outras correntes e teses poderão vir.
A Umbanda é por demais sincrética para ficar imune a isso, mas, o que tem que importar são os fatos de sua história e não as teses que se inventam.
1Essa questão de a Umbanda ter uma maior abrangência e força para resolver problemas espirituais existe até hoje.
Apesar do trabalho do Kardecismo ser voltado para isso, existem problemas que são orientados para serem encaminhados para a Umbanda.
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