CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

O sincretismo entre Umbanda e o Candomblé O ovo da serpente



Necessárias explicações inicias sobre o tema

Este é talvez um dos temas mais antigos e ao mesmo tempo mais atual, sempre esteve na pauta de discussões e deverá continuar a estar por um bom tempo. 

Ele muda, se transforma e se atualiza, mas no fundo é sempre o mesmo. Estamos falando do problema gerado pela mistura entre os ritos de Umbanda e o Candomblé processo que ocorre em ambos os sentidos, mas, é conduzido em todos os casos por Umbandistas.

O tema desperta muitos sentimentos antagônicos. 

O motivo de estar sendo abordado aqui é que isso tomou uma proporção maléfica muito grande, incontrolável e traz consigo prejuízos para ambos os cultos. 

De fato é o caminho para a destruição das duas tradições, o que vai beneficiar apenas os intolerantes. 

Mas, o fato é que a realidade esta sendo reescrita de tal maneira que em pouco tempo já não se saberá o que é o certo ou o errado.

Existe um movimento de pessoas de Umbanda para o Candomblé, a maior parte dessas pessoas jamais entendeu o seu culto ou sua pratica espiritual como um religião e se perdiam em uma profusão de sincretismos incompreensíveis. 

Com a quebra de preconceitos para o Candomblé na sociedade, essas pessoas que na pratica não entendem o que fazem na Umbanda, se transportam para o Candomblé de maneira igualmente superficial e confusa, sem ainda entender este como religião e trazem ainda para o universo do Candomblé os mesmos guias e incorporações que deveriam ter deixado para trás em vista da incompatibilidade entre um pratica e outra. O comportamento indica que elas entendem que estão adicionando mais alguma “coisa” a sua já confusa prática ao invés de entenderam que deveriam estar substituindo completamente o que faziam.

De outra via, esse tipo de pessoa pode não mudar de culto mas traz para a Umbanda liturgia e formatos que não pertencem a Umbanda. Assim vestimentas, adereços, cantigas e ritos de iniciação são grosseiramente copiados apenas para trazer uma novidade ou glamour que a Umbanda não necessita. 

Dá-se o nome a esta mistura pejorativamente de Umbandomblé, mas, no dia a dia são as chamadas casas de Omoloko. A palavra não significa nada apenas é usada para justificar essa mistura. 

No lado do Candomblé proliferam as casas ditas de Candomblé de Angola nas quais poderia haver essa mistura, mas, nem sempre se usa essa nação, as pessoas estão sincretizando de tal forma e naturalidade que em algum tempo talvez nem saibam mais a falta de sentido do que fazem.

Esse processo sempre existiu mas o o quantitativo relativo e absoluto era menor. Agora esta de tal modo disseminado que em pouco tempo a referência do Candomblé como era e como deveria ser vai se perder. O objetivo aqui é explicar porque essas duas tradições são como água e azeite, coisas que não se misturam.

Falar sobre o Candomblé é um dos assuntos preferidos de antropólogos, infelizmente não o de teólogos. Pior ainda, muitos dos acadêmicos que de dispõe a escrever sobre o tema e acabam criando alguma referência sem seus trabalhos fazem um material que mistura de maneira muito ruim uma abordagem étnica como tema, confundindo a suas aspirações pessoais de se manifestar contra discriminações ou o processo histórico de escravidão e lutas sociais em torno disso com o tema de abordar a manifestação religiosa. 

O mesmo ocorre em relação a Umbanda. Esses trabalhos ruins de pessoas mal preparadas só contribuiu para tornar o tema sempre mais obscuro. A constatação disso é muito simples e na busca por referências bibliográficas sobre o tema que pudessem ser acessadas livremente pela Internet me deparei com esses casos e alguns fiz questão de listar.

O assunto Candomblé, também, possui dezenas de variações para ser abordado e podemos nos aprofundar em inúmeras coisas diferentes ligadas à religião, história, etnias, origens e pessoas. Todas abordagens são muitos fascinantes e ricas porque lidamos com uma complexidade que vamos deixar clara mais à frente. Assim, qualquer abordagem ao tema é razoavelmente complexa porque temos que lidar com uma grande diversidade. Eu tenho que reconhecer, inclusive, que esse texto foi revisto e reescrito inúmeras vezes na busca do melhor entendimento e da maior simplificação possível. 

Na busca dessa objetividade primeiramente vamos estabelecer que o foco aqui será religioso, vamos ignorar aspectos históricos, étnicos e outros que fazem parte da riqueza do Candomblé mas não servem para o tema.

Um outro fator importante que todos devem entender é que as duas tradições, Umbanda e Candomblé, são muito distintas entre si e não tem a mesma origem e natureza. O Candomblé é uma religião completa e autônoma, a Umbanda é bem difícil de ser classificada, mas, não é uma religião e fica melhor classificada como um culto, que tem que estar ligado a alguma religião. Historicamente tem sido a católica, juntado conceitos da sua seita espírita kardecista (que também não é religião, no máximo também uma seita), mas, abordaremos isso mais tarde.

A religião africana

O Candomblé é uma tradição religiosa derivada principalmente de religiões africanas existentes na Nigéria, terras Yorùbá (grupo Nagô), e no Daomé (grupo Jeje), veremos o motivo disso mais à frente. O grupo Banto, que representava os primeiros negros a chegarem no Brasil em nada influenciaram a formação do Candomblé. Hoje em dia esse conjunto de religiões africanas é chamada de African Traditional Religion – ATR (Religião Tradicional Africana), por falta de um nome próprio. A África tem muitas religiões ou cultos, mas a base do Candomblé está no culto de Orixás e Voduns que se desenvolvem em uma região delimitada e próxima, terras Yorùbá e do Daomé (Benin), e foram trazidas para cá pelos escravos durante a diáspora negra.

Citar a origem religiosa mista do Candomblé como sendo Nagô e Jeje é apenas uma elegância que termina aqui nesse reconhecimento e citação. Na prática a religião que é a base do Candomblé é a religião Yorùbá, que é de onde vem os Orixá. Orixá é sinônimo de Candomblé e vice-versa. Intencionalmente vou ignorar a origem Jeje, quando comentar sobre nações o motivo ficará claro, mas, deixando bem claro, agora, toda a abordagem religiosa tem como base e modelo de referência a religião Yorùbá.

A religião Yorùbá, como prática religiosa é muito rica e sofisticada para os padrões africanos. Entendo que é bastante completa e equivalente a outras manifestações religiosas considerando para isso padrões ocidentais. De forma global, ela se impõe facilmente como um religião própria e distinta, não devendo nada para qualquer outra religião. Possui teogonia, cosmogonia, teodócia e metafísica próprias e bem desenvolvidas. Possui uma base teológica consistente e também um oráculo completo. A relação homem-divino é bem definida e os conceitos éticos e morais bem estabelecidos seja pela religião seja pela sociedade civil.

Historicamente o entendimento disso não foi fácil assim. Os primeiros explorados europeus (católicos, anglicanos e protestantes), seja por pouco entenderem o que os africanos falavam, queriam dizer e faziam, sejam por sua própria formação restrita e preconceituosa, classificaram o que viam de muitas formas, na maior parte delas como um animismo ou fetichismo, basicamente por não entenderem ou quererem entender o que viam. O animismo faz parte de qualquer religião em algum grau. A religião católica pode facilmente ser entendida por muitos como animista. Desta forma a religião Yorùbá também tem alguns aspectos animistas, mas, jamais pode ser classificada como sendo uma religião animista.

Essa abordagem, então, impediu que a religião Yorùbá por muitos anos fosse classificada como religião. Esse desrespeito se refletia aqui no Brasil na forma como a nossa tradição era encarada, como um folclore de negros. Só mais recentemente, fins do século XX com o surgimento de alguns africanos buscando uma abordagem mais teológica para o tema, buscando resgatar a sua religião perdida no meio dos inúmeros esforços de catequização é que esse tema tomou essa abordagem de lutar pelo reconhecimento da religião africana como tal.

Mesmo assim, não é simples, a formação bastante cristã de muitos desses teólogos, dificultou a aceitação de suas teses e construções. Muitos reagiram como mais um esforço da comunidade cristã de absorver uma religião infundindo nela seus conceitos de forma a facilitar a migração gradual para o cristianismo. 

Outro ponto, já comentado, é a dificuldade em se estabelecer o reconhecimento de uma unidade ou de um aspecto comum, entre as diversas manifestações religiosas dos africanos. O culto é fortemente regionalizado e isso gera a percepção de formas distintas. 

Muitos estudioso e observadores viram e ainda vêem nesses cultos distintos e regionais uma significativa distinção e não aceitam que esse conjunto seja designado como uma unidade, como uma religião Africana. Esse aspecto em particular foi então abordado por autores, teólogos ou pesquisadores de origem africana, como Idowu, Mbit, Sato e mesmo alguns ocidentais como Parrinder. Não vou retomar essa longa discussão aqui, e quem quiser se aprofundar que procure ler o que eles escreveram, mas, no que pese a existência de variações regionais esses autores entenderam que existe sim um contexto religioso que unifica na base todas a variações. 

Vale a pena comentar que a atenção de acadêmicos e antropólogos para questões africanas sempre foi muito distante. O continente negro, ou como chamavam Dark continent, era visto como tribal, atrasado e apenas quintal das nações européias. Demorou muito tempo para esse continente “obscuro” ser analisado de forma mais séria, não preconceituosa e finalmente por pesquisadores e estudiosos africanos natos.

O entendimento que eu parto após minhas próprias pesquisas e análises, é que existe uma religião africana que deu origem ao Candomblé. Uma religião bem estruturada e consistente que originou os Orixá, Orunmila e Olodumare e toda o meta universo em que se baseia o Candomblé. A nossa base, no Candomblé, é a religião que se manifesta na região Yorùbá e ela é muita clara e bem definida, assim não esta em questão se toda a África tem a mesma religião ou não. Esse é assunto para os autores que citei. 

Apesar de toda a dificuldade em se unificar e documentar essa base religiosa devido a problemas muito elementares como a falta da escrita para a língua dele (introduzida somente na primeira metade do século 20 por europeus) e a falta de pessoas para transmitir esse conhecimento teológico devido a diáspora e o assalto religioso feito por mulçumanos e cristãos, muito do que é necessário foi documentado ao longo dos anos e é nisso que nos baseamos.

O Candomblé como religião

O Candomblé não é a manifestação original e exata dessa religião, é uma tradição religiosa originada dessa religião depois do processo da diáspora negra. Como tradição religiosa, representa uma evolução da religião original, uma especialização que estabeleceu a religião africana no Brasil. Esse mesmo processo ocorreu em outros lugares do novo mundo e temos tradições distintas para o Candomblé, para o Lukumi (santeria cubana) e para o Voodoo (Haitiano). São tradições similares, mas não iguais, variando na forma como preservaram aspectos da sua origem africana e no formato como se apresentam na sua prática, mas sem dúvida, todas elas, são muito próximas uma das outras. 

O conceito de “tradição religiosa” suporta perfeitamente esse processo e, desta maneira, estamos tratando então, no novo mundo, de religiões e não apenas seitas e cultos, como pejorativamente as religiões não abraamicas são classificadas. O candomblé é assim uma religião completa como a Yorùbá, usa a mesma base teogônica e cosmogônica, mas, sofreu modificações, adaptações e modernizações, seja pela seu estabelecimento aqui como também devidos a distância da África e necessidade de integrar em uma só tradição correntes de cultos de regiões distintas.

Para ficar bem claro esse ponto da tradição brasileira, a religião mantêm os mesmos mitos, ritos, liturgias, cantos, objetos sacros e materiais litúrgicos. A língua Yorùbá é preservada através de orações e cantigas. As liturgias de iniciação são as mesmas ou equivalentes. As mudanças que se fizeram necessárias foram principalmente em tipos de folhas, animais e alimentos que devem ser associados à disponibilidade local. Outras alterações dizem respeito ao conjunto de divindades cultuadas. A cosmogonia foi basicamente respeitada, mas houve simultaneamente uma simplificação, uma padronização e uma unificação no conjunto de divindades que são cultuadas.

Contudo, essas não foram alterações aleatórias, houve um processo estruturado de africanização e localização conduzido pela nação ketu com a ida para África e também a vinda de pessoas com o objetivo de estruturar isso.

Apesar disso, a nossa tradição de fato não reflete exatamente a religião africana, como já foi afirmado. Alguns cultos não vieram na diáspora e só tardiamente foram trazidos e introduzidos, não necessariamente integrados ao Candomblé (que se desenvolveu sem eles), como por exemplo o culto de egungun e Ifá. Outro caso é Gélédé que não existe aqui e acho muito difícil existir, porque ele esta baseado em uma natureza social e ancestral que não não faz parte da nossa sociedade. Vemos práticas ou cultos relacionados a Ajé mas de maneira muito comercial e não como parte da estrutura metafísica de forças.

Alguns tipos de divindades como Ikú e os Ajogun são vagamente compreendidos mas não estão de fato incorporados dentro do culto, as funções de muitas dessas divindades da teogonia foram substituídas por Orixás, que é um tipo especial de divindade. Assim no Candomblé quase tudo é Orixá.

Existem conceitos éticos e morais que não foram incorporados sendo usados uma mistura pouco clara de africanismo, catolicismo e até mesmo de libertinismo (ausência de ética e moral). Esse conteúdo ético e moral foi a maior perda da religião na medida em que não se estabeleceu um padrão que refletisse a base moral da religião original. O que ficou foi uma bagunça com margem para qualquer tipo de interpretação. Dessa maneira a ética e a moral existem na religião, mas, são pobre ou confusamente representados na tradição brasileira, isso é um problema real.

A aceitação africana da nossa tradição bem como das demais tradições do novo mundo também não foi fácil. Podemos dizer que hoje o Candomblé se impõe, mas, inicialmente, a questão de ancestralidade pesou em uma visão cética dos africanos em relação a nossa capacidade de representar um culto real aos Orixás.

Nesse ponto façamos uma revisão do que já foi aqui colocado até aqui. Em primeiro lugar existe uma religião completa, rica e estruturada na África que serviu de base para o Candomblé. Essa religião tem origem na região Yorùbá e esta muito longe de ser apenas um animismo, sendo uma religião completa até mesmo para os padrões ocidentais, comparável ou superior a formas abraamicas.

O Candomblé é uma tradição dessa religião, que sofreu modificações mas preservou a religião em si, assim, o Candomblé, é uma religião independente e completa sem nenhum vínculo, ligação ou dependência com as religiões abraamicas. O Candomblé é uma religião afro-brasileira porque, se originou de uma religião africana mas desenvolveu padrões locais para o seu culto.

O Candomblé e suas nações

Contudo, depois da questão da religião africana de referência nos deparamos com a própria diversidade do Candomblé. Não podemos nos referir ao Candomblé como uma coisa única, quando falamos Candomblé, infelizmente não estamos nos referindo a uma tradição religiosa homogênea e isso sempre torna complexo o assunto. Chamar o complexo Jeje-Nago como Candomblé é de fato uma grande simplificação.

O Candomblé tem uma origem bastante diversa e esta longe de representar uma unidade, sendo chamado de culto de “Nação”. O termo esta relativamente sendo pouco usado hoje em dia para nomear o Candomblé, mas ele significa o reconhecimento de que o Candomblé é de fato uma tradição composta por várias nações diferentes e que cada uma dela preservava uma identidade étnica com uma distinta origem africana. Esse conjunto é coberto aqui no Brasil pela denominação comum “Candomblé”. 

Essa diversidade já foi muito forte, hoje em dia, lamentavelmente essas manifestações distintas da tradição que refletiam características também distintas de cultos de acordo com a nação original dos negros esta muito perdida. Houve um sincretismo interno e as práticas da nação Nago Ketu, que foram melhor estruturadas, documentadas e divulgadas tem se tornado um padrão de referência, fazendo desaparecer as características próprias das demais nações. É o que a gente chama de “ketunização”. 

Com o passar dos anos, as pessoas antigas de cada nação vão falecendo e são substituídas por outras sem apego a essa distinção. A liturgia e ritos do Ketu, tão conhecidos, complexo e vistoso, acaba sendo absorvido e adotado. Um exemplo clássico disso é a liturgia de raspar a cabeça, que sempre foi padrão no Ketu mas não em todas as demais nações. Hoje em dia é difícil uma casa que não raspe.

Devido a esse processo, por um lado, o Candomblé perde um pouco a sua riqueza cultural e, por outro, se unifica. Podemos definir que existem 3 grandes grupos de nações, o Nagô, o Jeje e o Angola. Muito pode ser dito sobre as suas distinções e variações mas como mencionei no início, isso não interessa aqui, de maneira que quando estivermos falando de Candomblé estamos nos referindo ao Candomblé Nago e as Nações que compartilham a mesma teologia. Entretanto não custa deixar um comentário polêmico sobre esses grupos.

O Candomblé de Angola parece apenas uma cópia do Candomblé Nago no qual houve uma mudança de língua, substituindo o Yorùbá por alguma forma de Bantu. Mas a estrutura da religião é equivalente. Trocar os nomes não cria uma nova religião. Se o Candomblé de Angola for aceito como um referência autêntica (o que acho questionável) então a tese dos africanos que existe uma única base para a religião africana estará comprovada. A região do Congo-Angola é bem distante da Yorùbá para ter um culto tão similar. Outro ponto é que alguns pesquisadores não encontraram no Congo-Angola qualquer manifestação similar a essa aqui, nem mesmo as divindades. Dessa maneira o Angola parece longe de ser um manifestação autêntica e original e eu nem considero ela em qualquer abordagem religiosa.

No caso do Grupo Jeje é distinto. A gente vai encontrar, contudo e principalmente no norte-nordeste do Pais, e no recôncavo bahiano, manifestações Jeje muito originais e distintas do Ketu. As práticas litúrgicas são bem diferenciadas apesar de conservar uma estrutura similar. A teogonia e cosmogonia são bem distintas de maneira que o Jeje se parece mesmo como um grupo distinto e autêntico. Contudo, no sudeste, existe uma manifestação de que é como a de Angola, apenas um traço do jeje de fato e uma cópia de Ketu. Geralmente é formado por pessoas que eram de Ketu e depois mudam de nação. Não conseguem aprender de fato como é o Jeje e passam a praticar uma mistura maluca.

Concluindo esse assunto, o que foi explicado é que a denominação Candomblé para a nossa tradição religiosa na realidade é um guarda-chuva para diversos grupos distintos, as nações o que tornava bastante complicado falar sobre Candomblé porque alguns desses grupos como o Jeje e Nago são bastante distintos. 

Os antropólogos dividem as nações da seguinte maneira, No grupo Nago ou Yorùbá de nações encontramos: Ketu, Efon, Ijexá, Egba, Batuqte e Xambá. No grupo jeje ou Daomeano temos: Fon, Ewe, Mina, Fanti e ashanti. No grupo islamizado temos: Fulas, Mandingas, Hauça, Tapa, Bomu e outros menores. O grupo Angola é composto por um agrupamento de nações congo-bantu-Angola

Mas o objetivo aqui não é abordar os grupos étnicos e sim a religião de maneira que o foco de interesse é somente as que adotam a teologia Yorùbá, o grupo dito Nago. Na nossa abordagem não vamos entrar em aspectos práticos e litúrgicos 

Teogonia Yorùbá

O Candomblé pode ser classificada como uma religião Henoteísta, na qual existe um Deus supremo, regulador e originador de tudo e outras divindades e espíritos que são aspectos de sua manifestação. Essa denominação difere muito do termo politeísta mas nesse texto aqui não vamos abordar a comparação com monoteísmo, essa é outra discussão.

A divindade suprema tem várias denominação, basicamente títulos para o mesmo e por isso mesmo foi confundido pelos invasores ocidentais como se fossem muitos. Olodumare é o seu nome mais clássico. Abaixo dele temos todo o resto teogonia, na qual temos que destacar Exu, como uma força positiva, portador da energia de olodumare (axé) e fiscalizados da retidão com o culto; Orunmila a divindade do oráculo que conhece o destino das pessoas; Os Orixás que são as divindades que protegem a vida dos homens e são sempre positivas; os ancestres que também protegem as suas linhagens e são uma força positiva; As ajé que são uma força neutra podendo ser usadas para o bem e para o mal e os ajogun que são uma força negativa de equilíbrio.

A religião é re-encarnacionista, acreditando que vivemos e voltamos a viver de novo. O mundo físicos em que vivemos, o Àiyé é o reflexo de um mundo espiritual, o Òrun. Tudo o que existe no mundo físico possui um duplo no mundo espiritual. Como toda a religião ele se centra na figura humana, o divino existe para suportar a sua existência no mundo físico e para essa pessoa atingir os seus objetivos na vida que encarnou. Alguns consideram esses objetivos como seu destino, mas não creio que possamos atribuir esse um caráter tem determinista, considero que toda a existência tem um objetivo a ser alcançado.

Cada pessoa possui um duplo no Òrun que zela por sua vida e esta acima de qualquer outra divindade. As divindades Orixá existem para apoiar e ajudar as pessoas na vida no Àiyé sendo que cada um possui um Orixá que faz parte íntima da sua vida, ele e seu Orixá são feitos dos mesmos elementos, mas permanece o caráter que a determinação desse Orixá é feita para apoiar no destino que ele escolheu para si. Entretanto, apesar da pessoa ter apenas um Orixá próprio, com elementos comuns, todos os Orixá podem ser chamados para ajudá-lo ou podem espontaneamente se prontificar para ajudá-lo.

O oráculo de Ifá existe para estabelecer a comunicação entre o homem e o divino entre o homem e o seu destino. O sentido do uso do oráculo é para a pessoa se orientar em relação ao seu destino e pedir ajudar quando esta tendo dificuldades. Quando isso ocorrer ela recebe ajuda do próprio olodumare através da divindade do Oráculo, Orunmila e de Exu.
Não existe o conceito de Karma e a re-encarnação é feita dentro da mesma família. A linhagem familiar é a coisa mais importante e a pessoa vive para sempre através de seus filhos e netos.

Os Orixá não são elementos da natureza, mas se identificam e usam forças e elementos que estão na natureza. Essa imagem enganosa de que Orixá são elementos da natureza é um desconhecimento e parte do sincretismo negativo, uma associação com cultos europeus ou mesmo o politeísmo greco-romano. Esse engano é inadvertidamente adotado pelos candomblecistas descompreendidos de plantão.

Os Orixás para se manifestarem em terra ajudando as pessoas precisam de médiuns, de “montarias” como os africanos dizem. O Orixá monta do seu elegun. A pessoa para poder incorporar um Orixá passa por um longo processo de preparação e limpeza espiritual e física. A iniciação é uma mudança profunda na vida da pessoa com rituais e liturgias complexas.
Os Orixá se manifestam no Àiyé somente através dos seus Elegun, pessoas especialmente preparadas para isso. É a presença deles aqui que viabiliza a transmissão e transformação da energia vital de olodumare para nosso benefício (o axé). As palavras são muito importantes para os Yorùbá. As rezas e pedidos devem ser ditas e não pensadas. A palavra tem energia e conduz o que precisamos. Os tambores do Candomblé, usados nos chamados Xire são os elementos que criam uma zona cinzenta entre o Òrun e o Àiyé permitindo o transito dos Orixás entre os 2 mundos espirituais.

O sincretismo do passado entre o Candomblé e o Catolicismo

Como ocorreu com outras tradições da diáspora, o Candomblé foi obrigado a realizar um sincretismo de imagens com a Igreja católica. Os motivos históricos são muitos simples, proibidos de praticar sua religião ou provavelmente de ter o seu espaço religioso e ritos, as imagens de santos católicos foram sincretizados com seus deuses.

O mito diz que o Negro fazia o seu altar, colocava o santo em cima e debaixo do santo coloca o igba ou apenas o okuta do seu Orixá. Assim pensavam que ele estava ali rezando para São Jerônimo mas ele estava rezando para Xango. Acho essa visão bastante romântica e simples mas útil para explicar o motivo do sincretismo. Imagens católica sincretizavam Orixás que não são representados por imagens, mesmo na África.

Referenciando ao início o objetivo aqui não é antropológico de maneira que não vou desenvolver o assunto com suas dezenas de variações, mas, sob o ponto de vista religioso, o processo de sincretismo sempre foi historicamente incentivado pela igreja católica como parte do processo de substituição dos cultos religiosos da população. No caso do Candomblé a origem esta ligada a um interesse dos africanos e descendentes de ter objetos sacro aceitáveis, mas como em todos os casos com o tempo, as gerações seguintes iam perdendo esse sentido e acabavam de fato misturando as coisas.

No século XX, já com escravos libertos a organização do Candomblé como religião ainda enfrentava obstáculos terríveis. Não era aceito como uma religião e sim enquadrado como folclore ficando então sob o âmbito de controle da polícia civil. Os terreiros tinham muita dificuldade para funcionar buscando ficar o mais afastado que podiam da zona urbana, mas mesmo assim, com o crescimento da cidade isso ficou anulado e não se pode simplesmente mover um terreiro.

De novo se recorreu ao sincretismo se espalhando imagens católicas pelos terreiros para descaracterizar uma religião africana e sim um culto católico inibindo assim uma ação direta contra o seu funcionamento. Todos os terreiros tinham nomes de Santos católicos.
Mas esse tempo acabou e hoje em dia existe um movimento muito claro de de-sincretização. Somente pessoas mais antigas que passaram a vida cultuando aquele sincretismo ainda o mantêm mas a grande maioria entende que esse sincretismo não tem utilidade e não tem motivo para existir. É falha qualquer abordagem que suponha que o Candomblé se sincretizou com o catolicismo ou que tenha evoluído dessa maneira. O Candomblé não é a consagração do sincretismo, isso foi, temporário, para uma utilidade específica e já plenamente superado. Quem pensa assim ou repete isso é acima tudo tudo um idiota. Em mais alguns anos com a passagem das pessoas mais antigas é provável que não exista mais nenhum lugar de Candomblé com imagens católica ou referências sincréticas.

O único motivo que pode levar a continuidade dessas imagens ligadas ao Candomblé são pessoas da Umbanda que vem de um culto completamente confuso no que diz respeito a sincretismo, trazerem de volta isso. Mas esse movimento nocivo não representa nada a não ser ignorância e estupidez.

A prática do candomblé

O Candomblé não possui nos seus ritos a pratica de incorporação como método ou rotina. Pelos padrões Nago (Ketu) e que são usados por quase todos as demais variações (nações), os Orixás quando no Àiyé pouco se comunicam verbalmente. A presença deles é feita junto com os cânticos e um Orixá se manifesta através de sua dança quando da realização de um Xire, que é quando eles fazem o seu trabalho de transporte de transformação de axé. 

Mas Orixás não são mudos, se comunicam com o babalorixá quando necessário.

Os Orixá podem falar, dar orientações e conselhos, isso é feito em algumas nações, principalmente Jeje e afins. Mas, como o modelo de referência usado nesse trabalho é o Yorùbá onde os padrões Nago são os mais adotados e copiados, não vou considerar mais a condição de Orixá falante para simplificar a linha de pensamento evitando assim ter que citar exceções junto com cada consideração que for feita. Normalmente no Nago um Orixá se comunica com as pessoas e a comunidade através do seu Ere. Assim encerrada aqui a não relevância para o nosso tema de Orixás falantes.

A comunicação entre o divino e as pessoas no Candomblé é através do Oráculo. A religião entende que devemos viver nossa vida por nós mesmo, com ética e caráter, o Oráculo nos orienta e nos ajuda mas não interfere no que queremos fazer. Traz as mensagens e orientação de nosso Ori, nosso guardião ancestral que fica no Orun e é o nosso duplo, e nos trás a ajuda de Olodumare através de Orunmila ou dos Orixá. Não existe então no Candomblé o procedimento de pessoas baterem na porta de uma casa para se consultarem com um Orixá. Não vão sentar em uma assistência e receber fichas.

A forma de se comunicar é através do Oráculo e a palavra é sempre do Babalorixá da casa. Ele transmite as mensagens e o conhecimento. É ele que ensina, orienta, dirige as casas, trabalhos e transmite as mensagens do Orun através do seu oráculo. Não existe casa de Candomblé sem Oráculo, assim como o que o Babalorixá diz representa o que é dito naquela casa, seja isso para o bom ou para o mal. Um Babalorixá deve então se preparar para a função, ser uma pessoa escolhida pelo Orixá para isso.

Nenhum Orixá vai aparecer para substituir a palavra do Babalorixá ou falar por ele, é justamente o contrário, o Babalorixá fala pelo Orixá.

É senso comum que a incorporação do Orixá é bem mais sutil do que em outros cultos, é uma incorporação de expressão e não de dominação, mas esse entendimento e práticas podem variar. Contudo o que não varia é que o dirigente de uma casa, o Babalorixá ou Iyalorixá são as pessoas que diretamente se comunicam, agem e transmitem a sua comunidade o que deve ser feito. Fora dentro de um Xire o trabalho em uma casa de Candomblé, seja no oráculo ou seja nos trabalhos determinados pelo Oráculo, é feito com as pessoas não incorporadas. O dirigente deve ter conhecimento do que tem que transmitir, orientar e ensinar às pessoas que frequentam a casa.

Como é o dia a dia de uma casa de Candomblé, já que não existem seções diárias ou semanais para consulta com os Orixás? 

Bom, bem chata para muitos. 

Um terreiro reúne seus Orixá quando faz o seu Xire, é nesse dia em que o Axé circula na casa. Fora dessa data as atividades se concentram na manutenção normal da casa, suporte a obrigações de iniciados (membros da casa) que estejam em andamento, atendimento pelo babalorixá à pessoas que o procurem, etc...

Uma casa de Candomblé se movimenta através do trabalho de obrigações dos seus membros, dos Xires periódicos e nos ebós e oferendas designados pelo Oráculo.

Adicionalmente, existe um dito que onde tem Orixá não tem egun, ou seja, em casa Lésé Orixá não pode ou deve existir a presença de eguns, espíritos de pessoas passadas, ara orun. 

A manifestação do Orixá no Àiyé exclui a manifestação de espíritos ancestres ou mesmo dos guias de Umbanda. Uma casa de Orixá é preparada e cultuadas para manter esses espíritos em uma área delimitada e fora de seus espaço principal. Não se trata de um impedimento verbal e sim espiritual. 

A energia de uma casa de Lésé Orixá mantêm a casa preservada para os Orixá e afasta os demais espíritos. 

Em uma casa Lésé Orixá em pleno funcionamento não haverá condições de Guias de Umbanda se manifestarem.


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