Elas têm presença marcante na literatura, no teatro, cinema, televisão, nas artes plásticas, na música popular, sem falar do carnaval e suas escolas de samba, da culinária originária da comida votiva, e, sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo, frisa José Reginaldo Prandi
Por: Thamiris Magalhães
Ao assinalar a importância das religiões afro-brasileiras para o Brasil, José Reginaldo Prandi diz, em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, que a importância dessas religiões de origem africana não pode ser medida simplesmente pelo minúsculo tamanho de seus contingentes, mas pela sua participação na formação da cultura nacional não religiosa. E enfatiza: “Com isso, têm ganhado visibilidade, prestígio social e respeito”. Talvez seja isso, segundo Prandi, uma das razões pelas quais o candomblé tem atraído adeptos brancos de boa renda e alta escolaridade, que se juntam nos terreiros aos extratos mais pobres da população brasileira, os negros, conforme atestam os dados do censo demográfico de 2010.
Em resumo, a umbanda, para José Reginaldo Prandi, é religião típica da classe média baixa, sempre foi. “O candomblé era religião exclusiva de negros, pobres, mas não é mais. No candomblé há os mais pobres, sim, sobretudo os segmentos negros, dada a origem étnica dessa religião, mas também expressivo contingente de não negros de alta escolaridade e renda. Essa presença branca de elevada extração social faz das religiões afro-brasileiras um grupo cujo perfil de escolaridade e renda somente é superado pelos espíritas”.
José Reginaldo Prandi tem graduação em Ciências Sociais pela Fundação Santo André, e mestrado, doutorado e livre-docência em Sociologia pela Universidade de São Paulo – USP. É professor sênior do Departamento de Sociologia da USP e pesquisador do CNPq. Dentre seus livros publicados citamos Os Candomblés de São Paulo (São Paulo: Hucitec, 1991); Um sopro do Espírito (São Paulo: Edusp, 1998); e Mitologia dos orixás (São Paulo: Companhia das Letras, 2000).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – No Censo 2010, as religiões afro-brasileiras, tanto a umbanda como o candomblé, mantiveram-se no eixo de 0,3% de declaração de crença. O que isso demonstra?
José Reginaldo Prandi – Significa estagnação, o que contraria o que os sociólogos pensavam no período de 1960 até começo dos 1980. A umbanda chegou a ser vista como opção ao pentecostalismo, como duas alternativas sacrais para a sociedade brasileira que mudava muito rapidamente e ia deixando o catolicismo para trás. Hoje, a umbanda mal se mantém nas pernas, mas como o candomblé tem crescido, as perdas umbandistas são compensadas pelos ganhos do candomblé, o que deu ao conjunto das religiões afro-brasileiras a marca de 0,3% nos dois últimos censos.
Perda
Mas se calcularmos até os centésimos, veremos que o grupo como um todo continua perdendo adeptos. Enfim, o quadro é desolador para o conjunto. Em resumo, a linha das religiões afro-brasileiras tem os seguintes pontos nos anos censitários de 1980 a 2010: 0,57%, 0,44%, 0,34% e 0,30%. E ainda devemos considerar que esses números, a cada censo, são melhorados, não somente pelo crescimento real dos adeptos, mas também pelo aumento continuado da liberdade de escolha religiosa no Brasil e dos movimentos de dessincretização, que levam cada vez mais afro-brasileiros a deixarem de se declarar católicos ou espíritas, declarando-se umbandistas ou de outras religiões afro-brasileiras aos recenseadores. Com esse devido desconto, o declínio ficaria bem acentuado.
IHU On-Line – No novo censo, de que maneira é retratado o aumento ou a diminuição dos praticantes da umbanda e do candomblé? O que isso significa?
José Reginaldo Prandi – A estagnação ou declínio afro-brasileiro está ancorado na queda de seguidores da umbanda, que sofre uma dupla ofensiva. De fora, a umbanda é corroída pela campanha evangélica que visa à conversão de seus seguidores e que chega ao ponto de se valer da invasão de templos e perseguição física dos umbandistas, como numa guerra. De dentro, sofre pelo avanço do candomblé sobre suas fileiras. Grande parte dos seguidores do candomblé, nas religiões em que ele avançou, além das fronteiras tradicionais étnicas, teve a umbanda como religião anterior.
IHU On-Line – O que diferencia o candomblé da umbanda? Quais são os membros de cada uma dessas religiões? Como podemos descrever os que frequentam a umbanda? Qual o perfil dos praticantes? E dos que frequentam o candomblé?
José Reginaldo Prandi – Ambas são religiões iniciáticas, organizadas em pequenos grupos que se congregam nos terreiros ou centros em torno de um pai ou mãe de santo. Os seguidores são chamados de filhos de santo. De alto conteúdo mágico, procuram resolver problemas dos filhos e também de uma larga clientela que vão aos terreiros em busca de auxílio.
Candomblé é religião de culto aos orixás nos moldes africanos, com a devida adaptação ao Brasil. É religião sacrificial e oracular que supõe a comunicação com os deuses orixás pelo transe dos iniciados, mas as divindades só se manifestam no transe para se congratularem com seus fiéis por meio de danças ao ritmo de tambores e sob cantos em língua ritual africana. Orixás não dão consultas nem fazem aconselhamento. O pai ou mãe de santo, sacerdote-chefe do terreiro (grupo ou local de culto), usa o oráculo do jogo de búzios para se comunicar com os orixás e resolver problemas dos seguidores e da clientela sem vínculo religioso. Para se alcançar os favores dos deuses, eles devem ser agraciados com oferendas, em geral alimentares, como é próprio das religiões politeístas antigas e clássicas.
Umbanda
A umbanda também louva os orixás, cantando para eles em português, mas o cerne do ritual consiste na manifestação pelo transe de espíritos de mortos mitológicos – segundo o modelo dos guias kardecistas –, que são os caboclos, pretos velhos e outros tipos característicos, que se encarregam de falar com os presentes, dar conselhos, orientar e oferecer tratamento ritual para a cura da doença e outros males. Tanto a umbanda como o candomblé apresentam muitas variações internas e também se entrecruzam, adotando cada uma elementos da outra.
Ambas contêm também muitos elementos do catolicismo e, às vezes, de outras religiões. Por conta disso, os orixás são sincretizados com santos católicos. A umbanda se originou do encontro do candomblé com o kardecismo, mantendo elementos dos dois. O rito sacrificial foi quase apagado na umbanda, que incorporou do espiritismo a prática sistemática da cura.
Para se ter uma ideia das diferenças sociais presentes nos diversos ramos religiosos e o lugar ocupado pelas religiões afro-brasileiras, podemos estabelecer o seguinte alinhamento: os brancos representaram 69% dos espíritas, 49% dos católicos, 47% dos afro-brasileiros e 41% dos pentecostais. Para o conjunto da população brasileira de 10 anos ou mais de idade, verifica-se que 22% dos espíritas estão concentrados na faixa até um salário mínimo mensal per capita, enquanto que na mesma faixa estão 44% dos afro-brasileiros, 56% dos católicos e 64% dos evangélicos pentecostais. No outro extremo, têm rendimento mensal per capita acima de cinco salários mínimos 20% dos espíritas, 7% dos afro-brasileiros, 5% dos católicos e 2% dos pentecostais. Em termos de educação, 32% dos espíritas têm nível superior completo, taxa que cai para 13% entre os afro-brasileiros, para 9% entre os católicos e que despenca a 4% entre os evangélicos pentecostais. Tomando-se a outra ponta da escala, apenas 2% dos espíritas não tiveram nenhuma instrução formal, número que sobe para 3% entre os afro-brasileiros e 6% para os católicos e os pentecostais.
Umbanda, religião típica da classe média baixa
Em resumo, a umbanda é religião típica da classe média baixa, sempre foi. O candomblé era religião exclusiva de negros, pobres, mas não é mais. No candomblé há os mais pobres, sim, sobretudo os segmentos negros, dada a origem étnica dessa religião, mas também há expressivo contingente de não negros de alta escolaridade e renda. Essa presença branca de elevada extração social faz das religiões afro-brasileiras um grupo cujo perfil de escolaridade e renda somente é superado pelos espíritas.
Importância das religiões afro-brasileiras para o Brasil
Em termos de Brasil, a importância dessas religiões de origem africana não pode ser medida simplesmente pelo minúsculo tamanho de seus contingentes, mas pela sua participação na formação da cultura nacional não religiosa, com presença marcante na literatura, no teatro, cinema, televisão, nas artes plásticas, na música popular, sem falar do carnaval e suas escolas de samba, da culinária originária da comida votiva e, sobretudo, da sua especial maneira de ver o mundo. Com isso têm ganhado visibilidade, prestígio social e respeito. Talvez seja isso uma das razões pelas quais o candomblé tem atraído adeptos brancos de boa renda e alta escolaridade, que se juntam nos terreiros aos extratos mais pobres da população brasileira, os negros, conforme atestam os dados do censo demográfico de 2010.
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José Reginaldo Prandi já concedeu artigo à IHU On-Line. Confira:
• Sincretismos do Brasil. Artigo de Reginaldo Prandi, publicado no sítio do IHU, no dia 06-05-2007
http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4593&secao=400
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