CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

* Padê de Exu Libertador

Exu



ao bruxoleio das velas


vejo-te comer a própria mãe


vertendo o sangue negro


que a teu sangue branco


enegrece


ao sangue vermelho


aquece


nas veias humanas


no corrimento menstrual


à encruzilhada dos


teus três sangues


deposito este ebó


preparado para ti


Tu me ofereces?


não recuso provar do teu mel


cheirando meia-noite de


marafo forte


sangue branco espumante


das delgadas palmeiras


bebo em teu alguidar de prata


onde ainda frescos bóiam


o sêmen a saliva a seiva


sobre o negro sangue que circula


no âmago do ferro


e explode em ilu azul






Exu-Yangui


príncipe do universo e


último a nascer


receba estas aves e


os bichos de patas que


trouxe para satisfazer


tua voracidade ritual


fume destes charutos


vindos da africana Bahia


esta flauta de Pixinguinha


é para que possas chorar


chorinhos aos nossos ancestrais


espero que estas oferendas


agradem teu coração e


alegrem teu paladar


um coração alegre é


um estômago satisfeito e


no contentamento de ambos


está a melhor predisposição


para o cumprimento das


leis da retribuição


asseguradoras da


harmonia cósmica


Invocando estas leis


imploro-te Exu


plantares na minha boca


o teu axé verbal


restituindo-me a língua


que era minha


e ma roubaram


sopre Exu teu hálito


no fundo da minha garganta


lá onde brota o


botão da voz para


que o botão desabroche


se abrindo na flor do


meu falar antigo


por tua força devolvido


monta-me no axé das palavras


prenhas do teu fundamento dinâmico


e cavalgarei o infinito


sobrenatural do orum


percorrerei as distâncias


do nosso aiyê feito de


terra incerta e perigosa


Fecha o meu corpo aos perigos


transporta-me nas asas da


tua mobilidade expansiva


cresça-me à tua linhagem


de ironia preventiva


à minha indomável paixão


amadureça-me à tua


desabusada linguagem


escandalizemos os puritanos


desmascaremos os hipócritas


filhos da puta


assim à catarse das


impurezas culturais


exorcizaremos a domesticação


do gesto e outras


impostas a nosso povo negro


Teu punho sou


Exu-Pelintra


quando desdenhando a polícia


defendes os indefesos


vítimas dos crimes do


esquadrão da morte


punhal traiçoeiro da


mão branca


somos assassinados


porque nos julgam órfãos


desrespeitam nossa humanidade


ignorando que somos


os homens negros


as mulheres negras


orgulhosos filhos e filhas do


Senhor do Orum


Olorum


Pai nosso e teu


Exu


de quem és o fruto alado


da comunicação e da mensagem






Ó Exu


uno e onipresente


em todos nós


na tua carne retalhada


espalhada por este mundo e o outro


faça chegar ao Pai a


notícia da nossa devoção


o retrato de nossas mãos calosas


vazias da justa retribuição


transbordantes de lágrimas


diga ao Pai que nunca


no trabalho descansamos


esse contínuo fazer


de proibido lazer


encheu o cofre dos exploradores


à mais valia do nosso suor


recebemos nossa


menos valia humana


na sociedade deles


nossos estômagos roncam de


fome e revolta nas cozinhas alheias


nas prisões


nos prostíbulos


exiba ao Pai


nossos corações


feridos de angústia


nossas costas chicoteadas


ontem


no pelourinho da escravidão


hoje


no pelourinho da discriminação


Exu


tu que és o senhor dos


caminhos da libertação do teu povo


sabes daqueles que empunharam


teus ferros em brasa


contra a injustiça e a opressão


Zumbi Luiza Mahin Luiz Gama


Cosme Isidoro João Cândido


sabes que em cada coração de negro


há um quilombo pulsando


em cada barraco


outro palmares crepita


os fogos de Xangô iluminando nossa luta


atual e passada


Ofereço-te Exu


o ebó das minhas palavras


neste padê que te consagra


não eu


porém os meus e teus


irmãos e irmãs em


Olorum


nosso Pai


que está


no Orum


Laroiê!






Abdias do Nascimento


Búfalo, 2 de fevereiro de 1981
 
 

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