CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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segunda-feira, 26 de setembro de 2011

27 de Setembro: O costume de Ibeji


O costume é assim: sete meninos são convidados de honra para abrir os trabalhos - a lenda diz que havia sete irmãos: Cosme, Damião, Doú, Alabá, Crispim, Crispiniano e Talabi.



Em seguida, os adultos e as demais crianças são servidos pelos anfitriões, que fazem prato por prato, começando pela iguaria de quiabo picado, que dá o nome à celebração, e acrescentando uma variedade infinita de acompanhamentos: vatapá, efó, xinxim de galinha, frigideira de camarão, siri mole, pipoca, amendoim, farofa de azeite-de-dendê, cana picadinha, banana frita, arroz branco, abará, abóbora, acarajé, milho branco, coco em pequenos pedaços, galinha ao molho pardo e ovo cozido.


Geralmente, a iniciativa parte de famílias em que nasceram filhos gêmeos, tudo no bom estilo afro-brasileiro, em casas de pobres e de ricos. Mas o melhor do costume é que, em cada celebração, os anfitriões deixam, na panela de caruru, três pequenos quiabos inteiros, que são servidos ao acaso aos convidados. Quem é premiado com um desses quiabos herda a obrigação de oferecer outra festa igual no ano seguinte, e de convidar todos os presentes.


Por suprema dádiva da providência, nem mesmo os mais ferrenhos agnósticos ousam quebrar esse encanto - afinal, com santo não se brinca - multiplicando cada comemoração por três, numa virtuosa corrente.


Quanto à origem européia da devoção, os católicos acreditam que em casa onde existam imagens de São Cosme e São Damião não entra epidemia, feitiço, bruxaria, mau-olhado e espinhela caída. A vida dos santos gêmeos está mergulhada em lendas. Dizem que eram árabes e viveram na Silícia, na Ásia Menor, por volta do ano 283. Praticavam a medicina e curavam pessoas e animais, sem nunca cobrar nada. Como viveram no auge das perseguições aos cristãos, eles foram torturados e degolados por ordem do imperador romano Diocleciano.


O culto aos dois irmãos é muito antigo. Há escritos sobre eles desde o século V. Em certas igrejas havia um óleo santo de São Cosme e São Damião, que tinha o poder de curar doenças e dar filhos às mulheres estéreis. E, durante séculos, foram comuns na Europa as Irmandades de Cosme e Damião, que congregavam os médicos e os cirurgiões.


No Brasil, a devoção trazida pelos portugueses misturou-se com o culto aos orixás-meninos da tradição africana, em que são associados aos rituais de fertilidade. No candomblé, os ibejis também representam o aspecto criança de cada um dos demais orixás.


Muitas vezes aparecem com um irmão menorzinho, o Idowu, que cuida das criancinhas pequenas. Na Bahia, é comum encontrar em uma capela católica as imagens dos santos gêmeos, tendo, ao lado, pequenos potinhos dourados com água e "manjares africanos". Voltando para a culinária, a grande celebração começa desde a véspera, porque muitas pessoas são envolvidas na preparação de cardápio tão extenso.


Cozinheiras e cozinheiros experientes, sempre acompanhados por uma horda de aprendizes, empenham-se para oferecer aos comensais o mais saboroso caruru. Após a escolha de tenros quiabos, bem lavados e enxutos, eles são cortados em cubinhos (exceto os do preceito). Também são selecionados os camarões secos, o puro azeite da flor de dendê, as pimentas e tantos outros temperos (ver a receita).


Um mês depois, no dia 25 de outubro, as cerimônias se repetem, embora com menor intensidade. Nesse dia, comemora-se São Crispim e São Crispiniano, também gêmeos e confundidos na crendice popular com Cosme e Damião. Por via das dúvidas, é melhor reverenciar esses dois também...

Os cultos afro-brasileiros celebram sábado os Santos gêmeos, Cosme e Damião. Enquanto na Igreja Católica é um dia antes (sexta-feira 26); porque, segundo o calendário católico, 27 de setembro já é dia de São Vicente de Paulo.



Só para lembrar, os nomes originais dos santos eram Acta e Passio. Viveram na Síria e na Armênia, pregando o cristianismo e, segundo eles próprios, "curando as doenças em nome de Jesus Cristo e pelo seu poder". Passaram depois a ser conhecidos como Cosme (O Enfeitado) e Damião (O Popular).


Perseguidos e mortos por Diocleciano (303), acabaram padroeiros de cirurgiões, físicos, farmacêuticos e faculdades de medicina em geral. Além de barbeiros e cabeleireiros. Ontem e hoje - em missas, procissões e festas nos terreiros - mais uma vez vivenciamos essa mistura sagrada de hábitos que integram nossas três culturas: a portuguesa, a africana e a indígena.


A devoção nos foi trazida pelo colonizador português, tendo sido a primeira igreja, em honra deles, construída em Igaraçu, Pernambuco (1530). Os escravos que aqui vieram, todos da África Ocidental (Angola, Costa do Marfim, Guiné, Congo), mantiveram os rituais religiosos e a fé nos deuses de sua terra distante. Inclusive nos orixás-meninos (Ibejís). Mas aprenderam a sincretizar com os santos católicos, cujos cultos lhes eram impostos.


Na festa manda a tradição distribuir brinquedos e doces com a criançada; porque, segundo se acredita, só assim serão atendidos os pedidos feitos aos Santos. Mas em alguns lugares, especialmente na Bahia, a celebração se faz sobretudo em torno de mesa farta.


Usando pratos preparados "com azeite" (de dendê, claro), usado sobretudo em peixes, mariscos e vegetais, próprios para dias de abstinência e jejum. Entre eles abará, acarajé, bobó de camarão, efó, frigideiras, maxixadas, moquecas, vatapá, xinxim de galinha; e, principalmente, o Caruru. Segundo a tradição, deve ser primeiro servido a sete crianças que o comem com as mãos, sentadas no chão.


O nome do prato vem de caá (folha) ruru (inchada), receita indígena feita originalmente apenas de ervas socadas com pimenta, no pilão. Guilherme Piso, o médico de Nassau, fez referência a ele: "A hera vulgar cararu que nasce nos campos e hortos parece mais uma espécie de bredo branco do que vermelho...Come-se esse bredo com legume e cozinha-se em lugar de espinafre".


Depois, os escravos africanos foram acrescentando novos ingredientes: amendoim, azeite de dendê, camarão seco, castanha de caju, cebola, gengibre, quiabo. E quanto mais quiabo tenha o caruru, mais importante é o prato. O Caruru que Jacira de Odô Oyá ofereceu a Iansã, por exemplo, levava doze grosas deles - segundo Jorge Amado, no seu O Sumiço da Santa.


A receita foi depois levada de volta para África, em cada lugar recebendo nomes diferentes: calulu em Moçambique, Congo, Cabinda e São Tomé; funji de peixe, em Luanda; obbé em Nigéria e Daomé. Passa o tempo e outros pratos são, hoje, também servidos nessa festa. "Frangos, perus assados, pernis de porco, postas de peixe frito para algum ignorante que não apreciasse o azeite de dendê" - segundo o mesmo escritor baiano, agora em Dona Flor e seus Dois Maridos.


Como acompanhamentos dos pratos, arroz de hauçá, farofa de dendê e feijão fradinho. Faltando só dizer que, segundo a crença popular, em casa onde existam Cosme e Damião e seja servido Caruru no seu dia, não entram doenças, feitiços, mau olhado, esterilidade nem espinhela caída. Por via das dúvidas, portanto, melhor preparar logo o prato. Enquanto é tempo. Mesmo quem não acredite nisso.


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