CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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sábado, 5 de maio de 2012

Mitos de Obì II


Mitos de Obì II


Continuando a falar sobre o Ibì, a seguir mais alguns mitos, incluindo versos de Ifá, de Origem Nigeriana.  


É importante insistir nos mitos porque eles são a forma de transmissão de conhecimento desta religião.


O mito seguinte é mais um Pataki, o último que considero relevante sobre o Obi. Ele é um pouco confuso como todo pataki o é (incompleto e mal escrito). A gente tem que usar muito criatividade para transcrever.


A associação de Obì com Oxé Ireté


Certa vez Olófin, Odudua e Órunmilá vieram ao mundo para ver como andavam as coisas por aqui. depois de muito andar viram uma choça, à qual chegaram para pedir água, tocaram à porta e abriu-lhes o morador da aquela choça, que não era outro senão Oxé Bile ao qual pediram água.


O homem trouxe-lhes a água em uma cabaça e o ultimo em tomar foi Olófin, mas por meio de seus poderes, quando devolveu a cabaça esta estava cheia de água outra vez. 


Então, Olófin disse-lhe, você quer que lhe conceda um poder? 


Mas, nesse momento Órunmilá disse: só que para ter este poder, você tem que se associar a outra pessoa. 


Então Olófin perguntou-lhe: qual é teu desejo?


Oxé Bile respondeu: eu quero ter o poder de me comunicar com você e o que eu peça a você seja atendido. Concedido este desejo os três caminhantes prosseguiram o seu caminho.


Seguiram caminhando e encontraram-se com Obì e Olófin pergunto-lhe: O queque ocorre com você? 


Obì disse que, ninguém se preocupa comigo, eu quero ser útil!
Então Órunmilá lhe disse: mas alguma coisa lhe faltará. Olófin lhe disse para saudar Exu (èṣù) e eles se foram.


Pouco tempo depois eles voltaram a terra para ver como seguiam as coisas. Foram à choça ver se Oxé Bile, o homem, seguiam sem fazer nada. Seguiram caminhando e foram ver Obì, o qual seguia orgulhoso mas triste e sem fazer nada.


Passou o tempo e Obì decidiu ir ver a Órunmilá o qual lhe disse: Olófin deu-me um poder, mas não o vejo.


Então Órunmilá voltou a dizer, é que lhe falta algo.


E Obì lhe respondeu: como você pode saber mais que Olófin? E se afastou aborrecido.


Passado algum tempo Obì voltou onde estava Órunmilá outra vez e lhe disse: Órunmilá, Olófin enganou-me, pois sigo igual que antes, Órunmilá lhe respondeu: Olófin não te enganou, é que em realidade te falta algo. 


Obì disse: O que é o que me falta? 


Órunmilá lhe respondeu por aqui precisamente devias ter começado, vai por esse caminho e ao final encontrará uma choça, toca a porta e se une ao dono para que possa chegar a este mundo o que Olófin o concedeu.


Obì partiu para a choça, tocou a porta e perguntaram, quem é?
Obì respondeu, sou eu, Obì. 


Entre (lhe respondeu o morador). quando entrou Oxé Bile lhe perguntou: O que é que o senhor deseja ? 


Obì lhe respondeu, Órunmilá mando-me aqui para que eu me associasse com você e venho buscá-lo. Estão nos esperando na terra de Ifá para que você vá comigo.
Oxé Bile respondeu. eu não posso caminhar, mas se você me levar carregado, eu vou contigo.


Então Obí jogou-o em cima e partiu. Quando chegaram havia uma grande epidemia, então Obì começou a adivinhar e no que Obì falava ou explicava como curar as doenças, Oxé Bile falava com o céu onde Olófin o escutava e assim foi como o povo se salvou.


Em agradecimento fizeram-lhe uma grande festa a Obì, onde ele comeu e bebeu sem se ocupar do homem, Oxé Bile, que havia deixado atirado no solo.


Depois disso Obì se foi para outra terra onde Ogun governava e mantinha uma grande guerra com seus inimigos. quando chego ali Ogun lhe perguntou: eu vou ganhar a batalha ?


Obì lhe respondeu, pode ir com confiança e sem problemas, que a vitória sera sua.
Ogun foi à guerra confiando na palavra de Obì e perdeu a batalha, quando regressou a primeira coisa que fez foi ir buscar a Obì e o surrou de tal maneira que quase o destroça.


Foi nesse momento que Obì se lembrou de Oxé Bile e voltou para ir buscá-lo. Quando o encontrou lhe disse, perdoe-me o esquecimento mas como é que você caiu? 


Oxé Bile lhe respondeu: enquanto você se divertia e se fartava eu estava passando fome.


Então Obì voltou a pedir perdão e Oxé Bile disse: vamos fazer um pacto, antes de você falar tem que me chamar, para que o que você fale aconteça e assim não se esqueça mais de mim. Assim Obì lhe respondeu, aceito, assim sera até o final do mundo.


            Versos de Ifá sobre Obì

Saindo um pouco da tradição cubana e indo para a tradição Nigeriana de Ifá, podemos recorrer aos versos de Odù ao invés dos Patakis. Encontramos versos igualmente ricos e afirmativos sobre a importância e natureza do uso do Obì.
Retirado de Ọ̀ṣẹ́ Ìretè


O cachorro latiu e latiu
O cão não poderia fazer Obì sua comida
Os ancestrais dos cães não comem nozes de cola
Qual seria uso do Obì para o cão?
Òṣébì sílẹ́
Seu Babaláwo em Ìṣébìrún
Consultou Ifá para eles na cidade de Ìṣébìrún
A criança é quem usa um grande número de noz de cola como oferenda para Ọlọ́fin
Ifá diz que é uma questão de cortar as nozes de cola em pedaços
Eu também digo que é uma questão de cortá-las em muitos pedaços
Ifá diz que sempre que nós acordamos
Devemos usar Obì para oferecer aos nossos antepassados
O poliglota disse sempre que nós acordamos
Devemos usar noz de cola como sacrifício ao Ọ̀run para o inevitável
Porque quando os pedaços de Obì alcançam o Ọ̀run
Quando os pedaços de Obì tomam o caminho eles se tornam um todo
Quando os pedaços de Obì alcançam o Ọ̀run, eles se tornam um só
Ifá foi consultado para Abítulà
Abítulà o filho de Agbonniregun
No dia em que refletiu sobre sua vida
Ele estava chorando por causa da falta de ter todas as coisas boas da vida
Um sacrifício foi prescrito como a solução, para ele executar
Abítulà ouviu sobre o sacrifício
Ele ofereceu com presteza
Portanto Abítulà é o filho de Ikin
Isso foi quando ele dividiu o Obì que ele se tornou rico
Abítulà é o filho de Ikin
Foi quando ele dividiu Obì que ele teve uma esposa para se casar
Abítulà é o filho de Ikin
Foi quando ele dividiu Obì que ele teve um filho
Abítulà é o filho de Ikin
Foi quando ele dividiu Obì que ele construiu uma casa
Abítulà é o filho de Ikin
Foi quando ele dividiu Obì que ele teve todas as boas coisas da vida
Abítulà é o filho de Ikin
Foi quando ele dividiu Obì que ele não morreu de novo
Abítulà é o filho de Ikin


O que Ifá diz aqui é que tudo aquilo que falta a um homem ele poderá, através de uma oferenda diária de um Obì para os seus ancestrais, pedir pela ajuda destes para ajudá-lo a obter e ter uma vida melhor.


Esse verso mostra como é importante a presença e participação dos ancestrais, egun, na vida e no culto religioso dos Yoruba. 


Aqui na diáspora, isso ficou abandonado e substituído pelos Orixá (òrìṣà). 


Em parte esta atitude é justificada porque os laços ancestrais foram quebrados no diáspora, as famílias e aldeias separadas. 


Por outro lado também é um aspecto da religião que se perdeu.


Retirado de Ọ̀ṣẹ́ Ìretè
Adegúnjú é o Babaláwo de Aláràán
Ìtámùjẹ́ é o sacerdote de Ìtàmupo
Ọ̀kọ́ é a que trouxe Obì para o mundo
Gbagi é a que encontrou Obì no caminho
Ifá foi consultado para centenas de divindades
No dia em que todos resolveram enviar Obì em uma missão
Portanto Adegúnjú saltou e configurou-se em quatro
Obì também saltou para formar um formato de quatro
Aláràán saltou e formou ele mesmo em quatro
Obì também saltou e se formou em um formato de quatro
Mas é somente Obì que irá transmitir a mensagem corretamente
Daí a missão que enviaram Obì
Deixe Obì contá-la bem
A mensagem que enviamos através de Obì


Tanto os Pataki da tradição cubana como os versos de Ifá da tradição Nigeriana caracterizam muito bem o papel único e especial de Obi na transmissão de mensagens das divindades. 


O papel de mensageiro da verdade cabe apenas a ele. Não será uma Cebola ou um coco que irá substituí-lo. Assim, que perdoem aqueles que acreditam que pedaços de coco, cebolas ou búzios colados em casca de coco podem substituir um Obì. 


Para acreditar nisso a gente tem que ignorar essas histórias e versos e se isso pode ser relativizado qualquer outra coisa pode.


Somente Obì  tem a missão de trazer a verdade absoluta. 


Somente nele é que podemos confiar que a verdade esta sendo dita. 


No que diz respeito ao Candomblé usando a cebola eu tenho certeza disso, porque qualquer pessoa pode manipular ela para obter o que quer.


Outro aspecto que as pessoas de Ifá devem ter atenção é o vínculo entre Obì e o Odù Oxé Irete (Ọ̀ṣẹ́ Ìrẹ̀tẹ̀). 


Ele sempre deve ser invocado antes do uso do Obì. Existem outros Odù que também o devem e explicarei mais adiante.




Para os que estão acompanhando essa série, no próximo texto vou fazer uma avaliação de cada livro sobre o assunto.



Livros sobre Obì


Livros sobre Obì


Vou relacionar a seguir os livros disponíveis sobre Obì e a minha opinião sobre eles:


1 - Awo Obi - Obi divination in theory an practice - Baba Osundiya


Sem dúvida o melhor livro sobre Obì. Um trabalho bem completo, com linguagem clara e conteúdo bastante extensivo. Explica sobre o uso do Obì e também sobre o oráculo em geral. Obra de referência e único livro que vale a pena ser comprado.


Explora todos os aspectos de se consultar o Obi, em detalhes. Explica isso gradativamente adicionando mais detalhes e complexidade.


Ele coloca ainda explicações sobre outros aspectos ligados à consulta de Ifá que tem utilidade mais ampla, como a interpretação dos estados de Ire e Ibi e ebós. Ele inclui a melhor explicação sobre o uso do opon que eu conheço, muito diferente da coisa inutil e sem objetivo que o Epega faz.


O livro é bem editado e impresso. É um livro útil para quem quer entender também Ifá. Quem le o livro não só aprende bem a base da interpretação como aprende outras coisas ligadas a Ifá. 




Todos os aspectos que uma pessoa precisa entender e que estão envolvidos em uma consulta com o Obì ele explica. Não é preciso perder muito tempo aqui elogiando, o livro é muito bom.


O único problema é que esta em Ingles.


2 - New World Obi Divination - Awodele Ifayemi


Livro em formato digital, um PDF. Pode ser adquirido diretamente no sítio do autor o Ileifa.org.
É apenas uma cópia descarada do livro do Baba Osundiya. Exatamente igual, mas, como menos detalhes em alguns pontos. Na maioria dos trechos é uma cópia literal. Eu não vejo problema em se produzir material usando outros autores como referência uma vez que o conhecimento da religião é o mesmo, mas, aqui é cópia mesmo.


Tem mais figuras o que facilita a explicação.  Não adiciona nada mas é um material bom porque copia o melhor livro.


Também em Inglês.


3 - Obì - Oracle of Cuban Santería - Ocha ni lele


Foi o primeiro livro que li. É um bom livro, bem voltado para a tradição Lukumi. as explicações são um pouco extensa e prolixas o que cansa (é o jeito do Ocha ni lele), parece mais para encher conteudo, mas, a abordagem é decente. 


É diferente do livro do Baba Osundiya, aqui ele e se limita a explicar as 5 posições básicas e o método de Apere ti que é a associação de resposta com a formação gráfica da caída.


A forma como ele explica, como eu disse, é bem voltado para a interpretação lukumi que é realizada com a casca de coco, por isso ele não explora Obi como Obi, é mais um livro voltado para usar as cascas de coco.


Também em Inglês.


4- Obi divination - Afolabi A. Epega


Sem dúvida o pior livro já feito sobre Obi. Uma enganação. Não explica nada, muito fechado com receitas prontas. Feito para idiotas. Esse é o tipo de livro que me faz pensar que esses Nigerianos acham que nós somos todos idiotas.


É um livrinho fino que não faz falta a ninguém. Aliás esse Epega é co-autor de outra pérola do mau gosto que é o livro que fez com o Newmark.


Também em Inglês.


5 - Obi, O Orixa da boa sorte - Orlando J. Santos


Único livro em portugues. Certamente qualquer coisa que eu escreva aqui que não seja um elogio vai me dar um trabalho danado depois.


O autor tem seu mérito. Fez uma produção própria e bem apresentada graficamente. Acompanha um CD com catingas e rezas. Isso torna um livro mais caro.


Ele fez um bom trabalho de organização e estruturação. Reuniu os mitos e conduziu o assunto de forma adequada. Ele tem a característica de ser muito autoral e encher o livro com seus comentários pessoais sobre situações do dia a dia da religião e até pessoas (não nomeadas) o que nada tem haver com ensinar o oráculo.Mas é o jeito dele. Tanto aqu como no outro livro sobre Ori, estão cheios de "opiniões".


Ele se deu ao trabalho de reunir as rezas que considera adequadas e suas traduções fazendo um bom trabalho nisso. O livro também tem fotografias que facilitam o entendimento do texto.


Na minha opinião ele se engana em 2 pontos. O primeiro foi basear o seu livro no do Epega (nesse mundo nada se cria), que é uma referência ruim. Se tivesse usado o livro do Baba Osundiya como base (como fez o Ifaiyemu) teria feito um trabalho muito melhor porque o Epega fez um trabalho ruim.


Assim ele não explora alguns aspectos relevantes do uso do Obì que o Epega não o faz.


O segundo foi ter focado muito em relacionar as caídas com Ifá, como o Epega faz também, com igual importância como o Epega fez. Ou seja, ele segue o que o Epega fez. Existe de fato a indicação de que se pode tirar Odù através do Obì, mas, Obì não foi feito para ser usado com Odù. É justamente o contrário é para ser usado sem invocar Odù e por pessoas que não sejam de Ifá, pessoas comuns mesmo. Para mim essa é uma abordagem inadequada.


Ele dedica metade do livro a essa abordagem enquanto deveria ter se concentrado no que é comum e simples e que qualquer pessoa teria a propriedade de fazer. Não entende que se distribua como sendo de uso comum coisas que fazem parte da atribuição do Babalawo.


Se um babalawo precisar de usar Odù vai usar o seu Opele. Não vai usar Obì para definir um Odu. Uma pessoa que não seja de Ifá não tem sentido em interpretar como se fosse Odù. 


O Osundiya foi muito mais cuidadoso em explorar o assunto Obì com a finalidade de explicar e incluiu a questão do Odù sem dar nenhuma enfase a isso e fez um livro ótimo.


Para quem não sabe ler Inglês sem dúvida esse livro, esse livro é uma opção de compra porque é a única em portugues, mas eu não usaria ele livro para aprender nada.



Exu no Candomble III A bibliografia


Exu no Candomble III
A bibliografia




Dando segmento ao assunto, quero abordar rapidamente alguma referencias bibliográficas. Eu lamento muito a ausência de novos textos no BLOG, mas, como faço isso por devoção e prazer e não por comércio, eventualmente tenho menos disponibilidade em escrever.


Lembro a todos que até o momento não abordei o que é Exu no Candomblé. Eu, até o momento, falei o que não é Exu no Candomblé, justamente para poder caracterizar a baixaria e até mesmo patifaria que se faz com este tema hoje em dia.


Muita gente se interessa em fontes para que elas mesmas possam fazer seus estudos e interpretações, para estas pessoas, seguem dicas.


Avaliando a literatura nacional sobre Candomblé temos poucas referências. Iniciando por Verger, nos livros "Orixás" e "Notas sobre o culto de Voduns e Orixás" ele faz um trabalho sem significância. É uma abordagem boba, com poucas informações e que nada acrescenta ao entendimento do que seja a figura de Exu na religião Yoruba. Assim, não adiante procurar em Verger este entendimento.


Os demais livros de Candomblé, que não são muitos, sendo de autorias de babalorixás (os piores, com raras exceções) ou de antropólogos (herméticos e não feitos para o público comum entender), não valem a pena listar, uma vez que são igualmente sem relevância para quem busca entendimento. No máximo o que aparece é o lugar comum de comparar Exu a um arteiro inconsequente, incluindo o mito em que Exu aparece com o tal chapéu vermelho e preto. Esta é uma história tão conhecida como também boba e mal interpretada. Assim esqueçam.


A melhor referência, em português, ainda é o livro Os Nago e a Morte, de Juana Elbein, na minha opinião, é claro, porque tem uma abordagem ampla e equivalente as abordagens estrangeiras. Outro livro bom é "o duplo e a metamorfose", de Monique Augras. Contudo este livro é bastante influenciado pelo Os Nago e Morte.


O livro de da Juana, é um acontecimento no Candomblé. Todo mundo conhece ou fala. Pouca gente comum de Candomblé leu. Os acadêmicos ligados ao assunto não gostam, mais por conta da relação que tem com a autora. O título do livro tem pouco haver com seu conteúdo, ela se dedica na realidade a falar de Orixás, analisando e interpretando o seu simbolismo, provavelmente na primeira abordagem feita dessa maneira o que causou a ira (ou ciúme) de Verger e de Exu no qual ela se alonga quase todo o livro. Do significado da morte para os Yoruba (ou Nago) muito pouco ou nada e de Egungun um pouco.


Verger estrutura muito bem suas críticas, assim como Juana estruturou muito bem o seu livro, como o Próprio Verger reconhece. A questão é que parte das críticas esta ligada a aspectos pessoas da Juana que não conhecemos, uma vez que ele questiona o método que ela usava para obter depoimentos que confirmassem suas teses. Verger por sua vez se colocava angelicalmente como o antropólogo dedicado a apenas relatar o que pesquisava da forma como ouvia. Não tenho elementos para dizer se ele era assim, mas, se o fosse certamente será o primeiro antropólogo que assim procede, deve então receber um busto no Hall da Fama.


Certamente Juana procurou no sue trabalho fazer uma abordagem distinta da de outros. Verger também assim o fez quando procurou de fato as informações corretas e destruiu teses erradas que se alastravam aqui no Brasil no Candomblé. Por exemplo um dos expoentes do assunto Candomblé já foi Nina Rodrigues que era descrito como uma pessoa preconceituosa em relação aos negros. Dessa forma Verger fez um excelente trabalho para nós, um marco. Teve que dedicar a maior parte do seu tempo trazendo esclarecimento.


Contudo, tenho que concordar com a tese de Juana em sua resposta à Verger quando ele o acusa de relegar a religião africana a um primitivismo ingênuo e desorganizado. Somente recentemente vi o texto de resposta da Juana a Verger, mas, tenho que reconhecer que minha visão sobre a abordagem e críticas a Verger que ela fez são as mesmas que tenho. A religião  Yoruba é uma religião sofisticada sim, está longe de ser uma coisa rural, animista e desordenada. Essa estruturação traz admiração a todos que a conhecem. Vi o livro de um autor que analisava religiões africanas em geral e a pessoa quando comentou sobre a religião Yoruba teve que reconhecer que, mesmo sem ser profundo conhecedor (não poderia o ser) ela estava muito acima do patamar que o seu nível de observação notava das demais.


Idowu e Mbit são exemplos de africanos que passando por uma dificuldade absurda conseguiram publicar livros que buscavam trazer esta visão sistêmica. É natural que pessoas aqui no Brasil, a partir do trabalho esclarecedor de Verger, busquem um outro rumo para suas abordagens, um rumo que ou Verger não teve tempo de fazer ou não teve motivação. Por exemplo cito o trabalho de Verger sobre o culto de Iyami que até hoje é a melhor obra sobre o tema. Neste trabalho ele além de citar os versos ele faz analises excelentes. Gostaria que ele tivesse dedicado mais tempo ao tema, mas, mesmo assim nada que preste foi feito depois dele.


Juana pode ter sido a precursora de outros autores que deram um rumo um pouco diferente buscando um entendimento estrutural e sistêmico que toda religião tem que ter. Sempre vai existir uma distância entre a verdade, o fato e o que um Antropólogo escreve. Sempre foi assim e sempre será. Ainda hoje ocorre o mesmo, com gente ruim escrevendo, com gente que não entende sobre o que escreve, com gente que estabelece sua ideologia e procura fontes para justificar isso.


Para as pessoas da religião que querem entendê-la de uma maneira que seja útil para o dia a dia, deve se ter sempre um cuidado muito grande com o que se lê, seja de Verger, seja da Juana seja de quem for.


Considerando que fiz algumas críticas a autores de livros sobre Candomblé eu preciso fazer alguns comentários. Dos autores nacionais, além dos já citados, Reginaldo Prandi tem uma obra ampla com livros muito bons, gosto muito do trabalho que ele faz. José Flávio, já falecido, é outro com livros bons, mas muito pontuais em alguns assuntos. José Beniste, que não é acadêmico é sem dúvida o melhor autor nacional sobre o tema. Além de ser uma pessoa que faz parte ativa da religião é dedicada e muito cuidadosa, tudo dele é bom.


Saindo da lingua nativa, "Olodumare, God in Yoruba Belief", de Idowu, traz uma abordagem reduzida, porém sem a influência ruim da diáspora e já traz Exu como um elemento importante do cosmo Yoruba. "Yoruba beliefs and sacrificial rites",  de Omosade,  também segue a mesma linha, mas o seu conteúdo é muito influenciado pelo livro do Idowu.


Os livros mais antigos sobre a religião, feitos por Idowu, Mbiti, Omosade e Parrinder são muito similares entre si. Cada um acrescenta novas informações ao contexto religioso, mas entre si, parecem ser referencias cruzadas.


A melhor abordagem para Exu, vem com o livro do Wande Abimbolá, "Ifa an exposition of Ifa literary corpus". Nele, no estilo de Ifá, através de versos de Odu, Abimbolá explica a real natureza de Exu. O filho dele, Kola Abimbola, escreveu um livro chamado "Yoruba Culture", no qual mostra o cosmo Yoruba. Esta é uma visão moderna e integrada do Cosmo, compartilhada com seu pai.


Na coleção "Ifism", Osamaro Ibie, também traz uma visão muito mais lúcida de Exu. No que pese ele ter, pessoalmente, ainda uma visão de Exu fortemente influenciada pelo Cristianismo, o que ele coloca nos livros traz uma visão distinta e lendo as histórias a gente passa a compreender o papel de Exu e adquire uma visão distinta da que ele expressa quando comenta.


Uma referência interessante existe no livro Yoruba Thelogy and tradition: The worship, de Ayo Salami.


Seguindo esta ordem na qual eu relacionei os livros em Inglês, você vai ter um bom auto-entendimento da posição de Exu na religião Yoruba.


Se a única opção é ler em português, então se concentre no livro da Juana. Mas tenha calma, leia devagar e várias vezes os últimos capítulos ligados a individualização, que são os ultimos. 


A partir do próximo texto eu vou passar o meu entendimento sobre a figura de Exu no cosmo Yoruba. Tenham certeza de que será a minha visão e não simplesmente um copiar e colar de trechos dos livros que eu já li. Certamente esta visão estará baseada no que eu li no que eu considero a melhor visão e a mais consistente.



Exu no Candomblé II Catiços e o conceito de ancestralidade



Exu no Candomblé II
Catiços e o conceito de ancestralidade


Em um comentário feito sobre o texto anterior sobre a presença de catiços de Umbanda no Candomblé, uma pessoa fez uma excelente colocação sobre uma das formas como as pessoas de Candomblé procuram se justificar para colocar dentro de uma casa de Candomblé um Catiço de Umbanda.


Existem muitos Pais de Santo - PDS  (não vou me referenciar a estes como Babalorixá ou Iyalorixá), que dizem para frequentadores e filhos de santo que os catiços de Umbanda devem ser considerados como ancestres e por isso podem ou podem ser cultuados em uma casa de Candomblé. Esta seria a justificativa deles estarem presentes em uma casa de Candomblé.


Vejam, esclarecendo esta não foi a colocação da pessoa, apenas ela fez uma citação que me lembrou este aspecto e resolvi abordar neste segundo texto esta questão. Mas se as pessoas afirmam isto, tem que existir uma explicação teológica para esta questão. Sim, qualquer questão dentro da religião deve ser respondida com dogmas, conhecimento da cosmogonia, etc..  Não se responde teologicamente dizendo o que a gente acha ou usando bom senso.


Os catiços de Umbanda, exus, pombo-gira e preto-velhos JAMAIS podem ser considerados enquadrados ou tratados em uma casa de candomblé, como uma ancestralidade ou parte de uma ancestralidade. Isto não é consistente com a religião Yoruba. Mas para isso vamos falar um pouco da questão de ancestralidade.


A ancestralidade é um elemento muito importante na religião Yoruba. Contudo esta visão e prática não foi incorporada no Candomblé pelo fato de que as linhagens de descendência terem se perdido com o processo escravagista. As famílias não eram trazidas ou mantidas juntas e fazia-se questão inclusive de dispersar a etnia e regionalidade, segundo creio.


Assim, era impossível se falar de ancestralidade ou se lembrar de ancestralidade, simplesmente porque isso se perdeu com a vinda deles para cá. Já foi um grande milagre os Orixá terem sido preservados.


Grande parte do Candomblé como conhecemos hoje foi estruturado pela nação Ketu e tardiamente, bem depois do término da escravidão. Não foi um processo simples, foi feito com o suporte de idas à africa e da vinda para cá da familia de Bangboxe. O culto foi estruturado e adaptado a nossa realidade, as liturgias foram re-constituidas, folhas e animais substituidos, cantigas, rezas, etc....


A estrutura que o Ketu montou, consistente e completa foi então copiada por outras nações, algumas delas, que NÃO tinham culto a orixá, inventaram divindades equivalentes aos Orixá e fizeram adaptações linguisticas para se estabelecerem criando assim uma nação artificial.


Mas este processo não trouxe o culto à ancestralidade, como se fazia na Nigéria, para o Candomblé. Esses laços se perderam e a família espiritual ou a família do terreiro veio a substituir a ancestralidade original criando uma nova raiz. Mesmo esta nova raiz não se manteve consistente porque a fidelidade de pessoas com terreiros não era perene.


Não foi possível manter a agregação das famílias em torno da religião. O culto não seguiu como sendo uma opção familiar e os membros da familia se dividiram em outras religiões. Além disso as casas filhas das matrizes principais nunca se caracterizaram por preservar a família e reunir debaixo de um terreiro mulher, marido e filhos. Os motivos torpes para isso não importam aqui, mas, o fato é que o Candomblé esta muito longe de ser uma religião estruturada em torno da família e da linhagem, como era a religião na Nigéria.


Por esta razão é que as pessoas aqui no Candomblé nunca entenderam o real sentido da palavra ancestralidade dentro desta religião. Ancestralidade não significa egungun. Ancestralidade é a soma de toda a nossa ascendência familiar, são todos os nossos ancestres familiares. Ancestralidade significa conhecer e honrar os antepassados recentes e distantes baseado nos laços de família e na relevância do seu papel para a família e sociedade.


Na estrutura Yoruba o Ori cuida da pessoa, o Orixá cuida da Famíla e os ancestres através dos egungun cuidam da sociedade contida na vila. Parece uma visão antiga, simplista e meio limitada, mas é assim mesmo.


Este conceito vem inclusive ao encontro de um outro conceito muito sofisticado na religião que é o da reencarnação. A religião Yoruba prevê que a pessoa reencarnará NA MESMA FAMILIA. Assim uma linhagem significa a preservação da família e os descendentes são o meio para se voltar a viver em família no aiye.


Ancestralidade esta ligada a vinculos familiares diretos com as pessoas envolvidas e não com alguém ter vivido e morrido. A visão da vida desconectada é uma coisa kardecista, que dizem que você pode reencarnar em qualquer lugar. Não basta ter vivido para se dizer ancestre. O ancestre implica na existência de laços familiares.


Os Yoruba entendem que a família se preserva e vive unida, tanto na vida como após a morte. A reencarnação é uma forma de volta a viver junto no Aiye e assim as pessoas reencarnam na linhagem de uma mesma família.


O conceito de ancestralidade foi de fato perdido e o de reencarnação não entendido em função de sincretismo inadequado com o conceito de reencarnação de outras religiões, notadamente essa maluquice que é o kardecismos que prega uma coisa distinta.


Este é o conceito de ancestre e linhagem que existe na religião Yoruba é o que deve ser entendido e cultuado no Candomblé. Não se cultua mortos quaisquer. Se cultua a FAMÍLIA.


Lembro que a religião Yoruba é uma religião de FAMÍLIA e esta questão da família e ancestralidade é uma dos fatores fortes que fizeram com que os Yoruba não respeitassem o culto de Orixá fora da Nigéria. Eles não aceitam e não respeitam que pessoas que não sejam descendentes e participem da sua linhagem possam ter Orixá e serem equivalentes a eles.


O culto de egungun é distinto de orixá porque preve a incorporação de ancestres no aiye. Isto não pode ocorrer no candomblé, porque onde tem orixá não terá Egun, assim como também em casas de egungun não se permitem Orixá. Não podemos misturar essas coisas todas sem entender.


Uma coisa é o conceito de ancestralidade, linhagem e reencarnação que pertence ao Candomblé, ao culto de Orixá. Outra coisa é o culto de egungun que se dedica a materializar no aiye os baba egun e eguns de outras hierarquias.


A ancestralidade esta presente em ambos mas de forma sutilmente diferentes. Não se vai ter egungun em casa de Orixá.


Dentro do conceito de ancestralidade que é comum, uma casa de egungun jamais vai permitir dentro dela que catiços de umbanda trabalhem incorporados.


Aliás este é um ponto importante. Se Catiços de Umbanda pertencem ao Candomblé não estariam eles exclusivamente dentro de uma casa de egungun?  Sim, porque, voltando no culto de orixá cultuamos e lembramos de nossos ancestre, nós não damos caminho para que esses ancestres incorporem nos eleguns, que pertencem somente aos ORIXÁ. No culto de egungun eles cultuam ancestres e dão passagem para que estes ancestres incorporem nos seus membros.


Se Catiço tivesse alguma ligação com o conceito de ancestralidade ele deveria estar em uma casa de egungun e não em uma casa de Orixá.  Mas catiço não é ancestre de ninguém e JAMAIS deve ser considerado assim.


Eu nunca ouvi falar em casa de egungun onde catiço de Umbanda trabalha, mas certamente esta será a próxima fronteira da indignidade humana.


Assim, concluo de novo dizendo que Catiço de Umbanda NÃO pertence ao Candomblé. Repito que os catiços de Umbanda que se apresentam na forma de Exu não tem qualquer vínculo com Orixá e nâo tem qualquer tipo de equivalência com o Orixá Exu.


Se alguém esta recebendo assentamento de Tranca-Rua como se fosse o seu exu Bara, esta recebendo uma mentira. Pior, já ouvi gente que recebeu assentamente da "sua Bara". Sim, a indignidade humana não tem limite e tem gente tranformando Maria Padilha e Bara.


Se isso aconteceu com você, peça o seu dinheiro de volta, porque a pessoa que fez isso não entende nada do que faz ou esta enganando você.


O que dirá então essas histórias de terror que a gente ouve e ve foto de saída de Yawo na qual depois do Orixá vem a pessoa vestida com a Maria Padilha dela, fazendo assim uma quarta saída??


Veja, a pessoa faz as 3 saídas de orixá e depois, ainda de preceito e com tudo aquilo da saída recebe uma pombo-gira fantasiada de Orixá, e ainda com olhinho fechado e adê preto e vermelho.


Isso, para quem não sabe esta errado. Não existe. É uma mentira.



Exu no Candomblé os catiços da Umbanda


Exu no Candomblé  e os catiços da Umbanda !!!


Este é um tema bem interessante. 


Não é nada difícil de ser tratado como muita gente gosta de complicar para não ter que explicar. 


Sendo Exu uma divindade elementar na religião e todo  Bàbáláwo ou Bàbálòrìxà tem que explicar a sua função com muito poucas palavras. 


Mas tem que fazer isso sem usar adjetivos em excesso, chavões e expressões feitas.


Dessa maneira, para contribuir com essas pessoas, assim como já fiz aqui na questão de como responder à pergunta idiota sobre sacrifícios de animais, vou escrever alguns textos.


Neste primeiro texto, pós-carnaval, não vamos muito profundos no tema, vamos primeiro falar sobre o que não é verdade.


Tranca-rua, sete encruzilhadas, maria padilha e demais marias NÃO fazem parte do Candomblé.  Estas entidades, não são Exu. 


Elas, todas, pertencem somente e exclusivamente à Umbanda. 


Não existe nenhum motivo e nenhuma razão para qualquer pessoa de Candomblé incorporar esses guias e muitos menos ter e fazer assentamentos para eles.


Observem que quando digo que estas entidades não são Exu estou me referindo sob o ponto de vista do Candomblé. 


O fato de a Umbanda ter se apropriado inadequadamente do nome "Exu" para nomear uma de suas entidades não vai significa que elas sejam de fato Exu.


O sincretismo feito pela Umbanda ao usar o mesmo nome que o Candomblé usa para nomear um Orixá importante, para nomear estas suas entidades, não seguiu qualquer similaridade funcional. 


O Orixá Exu não tem qualquer paralelo com o Exu de Umbanda.


No Candomblé, o tipo de entidade que mais se aproxima do Exu de Umbanda seria Ajé, porque é uma entidade sem ética que pode tanto fazer o bem como o mal, dependendo da forma como é invocada.


Assim, não dá para falar de Exu no Candomblé sem primeiro limpar o terreno em relação a  2 aspectos.


O primeiro é que existem pessoas ignorantes, desinformadas ou malintencionadas que se dizem do Candomblé, dizem que tem casas de Candomblé e ficam incorporando com Exus e pombo-giras de umbanda, dão consultas ou festas, não importa. Isso é tudo um erro. 


No Candomblé não existe lugar para essas entidades e eles não são Exu, são uma invenção mal feita da umbanda, são eguns.


Não existe lugar em uma casa de Candomblé para Exu e Pombo-gira.


Entendam, essas entidades se encaixam perfeitamente na Umbanda. 


Pertencem a Umbanda. 


Mas, se estamos falando de religião Yoruba e de Candomblé essas entidades não  podem existir. 


Como eu disse, pessoas ignorantes ou mal-intencionadas estão trazendo elas para o Candomblé e fazendo as pessoas acreditarem que estas entidades fazem parte do Candomblé..


Assim o fato de muita gente estar encontrando casa de Candomblé com Exu de Umbanda trabalhando incorporado pode trazer uma certa confusão, mas, definitivamente esqueçam isso.


O segundo e talvez até pior é o fato de pessoas de Candomblé estarem recebendo assentamentos de Exu de Umbanda substituindo os assentamentos do Orixá Exu e também fazendo oferendas para esses Exus, chamados de catiços, substituindo às oferendas ao Orixá Exu.


Não usarei mais a expressão Exu de Umbanda. 


Eles são catiços e serão assim nomeados.


Eu digo que esta caso é pior porque no primeiro é a inclusão de um apêndice inadequado, uma invenção, uma entidade externa que passa frequentar casas de se dizem de Candomblé, mas não são, fingindo ser. 


Mas a sua manifestação nessas casas bastardas se faz como se fosse uma Umbanda mesmo.


No segundo caso existe de verdade um sincretismo litúrgico.


Faz parte de Candomblé o Yawo receba Igbas, assentamentos de seu Orixá, juntó e orixás importantes do seu enredo. 


Além disso existe a necessidade dele também receber um assentamento do Exu que acompanha o seu Orixá. 


Este é o chamado Bara do seu Orixá.


O sentido disto será explicado em outro texto, neste momento o que temos que entender é que dentro do Candomblé Exu tem muitas denominações, mas, existe um Exu chamado Bara (bárá) que esta viceralmente ligado ao Orixá da pessoa, sendo chamado de Bara do Orixá. 


Ele representa o aspecto do dinamismo, do movimento e da transmissão do Axé.


O assentamento de Exu Bara, assim como os Igbas dos Orixás da pessoa, intensifica a presença e participação de Exu na vida da pessoa criando um ponto de concentração de energia e de ligação. 


Um Yawo deve receber em algum momento de sua formação sacerdotal este assentamento do seu Bara.


Não existe regra para ele receber isso. 


Pode receber na sua iniciação ou pode receber nas obrigações de 1, 3 ou 7 anos. 




Depende apenas do Babalorixá da pessoa decidir quando isso será feito.


Mas muito Babalorixá e Iyalorixá que tem casa aberta e muitos filhos-de-santo, não recebeu este assentamento e também nem sabe como fazer.

Assim, como ele tem que fazer um assentamento de Exu para seus Yawos,  ele acaba fazendo o assentamento de catiços de Umbanda para o Yawo.


Dessa maneira aparecem Yawos com catiços como Tranca-Rua e Maria Padilha assentados  substituindo o assentamento do seu Exu Bara. 


Essas pessoas chegam a confundir esses catiços como o Exu Bara e até o próprio Orixá Exu.


Isso é ridículo e lamentável.


Então, fechando esta explicação, catiços como Tranca-Rua e Maria Padilha NÃO são assentados como Exu Bara de Orixá. 


Mais ainda, esses catiços não são escravos de Orixá. Esta expressão, escravo de Orixás, que é usada para enquadrar esses catiços como se fossem parte do Candomblé, NÃO tem nenhuma base. 


Os catiços não são escravos de orixá e não existe na religião Yoruba e no Candomblé esta expressão e referência. Isso pertence à sempre e somente a Umbanda.


A Umbanda não é uma religião africana é uma religião brasileira.


Assim, se alguém chamar os catiços de Umbanda de escravos do Orixá e dizer que esta é a posição deles dentro do Candomblé, isso é mentira. 


Isso não existe no Candomblé! 


Essas pessoas são mal-informadas ou estão usando isso para enganar as pessoas, justificando assim os seus desvios de conduta.


Para poder entender o Orixá Exu do Candomblé, a primeira etapa é esquecer tudo de errado que é falado, todos esses desvios de conduta, todas essas mentiras que são ditas para justificar erros, mal-feitos e ignorância.



A vingança de Exu.


A vingança de Exu.


Um baiano dono de engenho tinha como prazer criar galinhas; para muitas aves, apenas um galo. Quando o chefe do galinheiro era pintinho, andava azucrinando o engenho. Num desses dias, o dono mal humorado desabafou: 
"__Esse bicho parece Exu. De pinto, só tem a aparência".
Exu (quando é mal cultuado faz maldade) sentiu-se ofendido.
Preparou a vingança. Passou a comandar o pinto.
Ao virar galo mostrou sua valentia. Ganhou apelido de "Maioral" do zelador do galinheiro, pois se sentia o próprio rei do terreiro. Todo galo que aparecesse por lá ele expulsava; caso insistisse, teria a morte decretada. As galinhas submissas o respeitavam como filhas de pai bravo. O medo era tanto que não conseguiam manter a postura de ovos de antes. Enraivecido o dono chama o zelador: 
"Ôh bichinho! Me diga aí o que está acontecendo com a produção de ovos? Houve uma queda bastante acentuada!
__A culpa é do galo.
__Ah! então é do valentão. Compre um galo bom de briga, vou conferir sua valentia". 
Conseguiram um galo da raça "índia", de postura de bicho brigão. Maioral, ao ver seu rival, nem se tocou: ciscou, bateu asas, ergueu o pescoço e partiu para briga. Bicada vem, esporada vai. Maioral preparou o ataque fatal, uma bicada na crista, causando o tombo letal do inimigo. Estufou o peito cacarejando: 
"__Akukó mêji kósókó ni bôdi (dois galos não cantam no mesmo terreiro)". 
O dono sentiu-se desafiado. Mandou matar o brigão, mas ele desapareceu. 
"__Alguma urucubaca (feitiçaria tem protegido esse galo endiabrado, - desconfiou o dono - qual será? 
__Não sei - respondeu o zelador - na casa do Oluwô sabe. É só jogar os búzios. 
__Vá saber! 
Chegando lá o zelador ouviu do velho: 
"__Mê fi, diz a sê sinhô, ki u ki êci galú tem ni koripú, é Exu. Pregunte a êli, se num lembra diki galú era píntú, ki pintava kumo tudo mininu pinta a ki êli dici uma vez pra pintú: Ocê é um Exu. Di galú ocê só tem u forimáto. Puriço. Exu dêxo pintú crêcê, agora di galú gazeno êci brinkadêra pra si vingá delê, pra ki êle nunka maio pintú, nem di Exu. Si êle kê fazê ebó (sacrifício), pidindo perdão pra Exu, êli paga o nêgo, nêgo fazê trabaio. Exu peridôa, num atrapaia mai êli e galú vai fazê têreru vóritá ki éra anti". 
Diante da resposta do babalaô, o dono do engenho lembrou-se da ofensa que fizera a Exu. Mandou o pai-de-santo fazer ebó, pedindo perdão ao Exu. 
Conta a lenda que, após o despacho, o galo deixou seu orgulho ferido de lado, não mais malinava, reinando a normalidade no galinheiro. Até as galinhas passaram a botar regularmente.



Caminhando entre orixás



Revista USP

versão ISSN 0103-9989

Rev. USP  n.73 São Paulo maio 2007

 

LIVROS

Caminhando entre orixás


Heloisa Mara Luchesi Módolo
Psicóloga e mestre em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie



Candomblé e Umbanda: Caminhos da Devoção Brasileira, de Vagner Gonçalves da Silva, São Paulo, Selo Negro, 2005, 149 p.
Ao abrirmos o livro de Vagner Gonçalves da Silva, Candomblé e Umbanda: Caminhos da Devoção Brasileira, deparamos com um universo particular e curioso, anunciado logo na introdução, onde o autor declara seu intento de responder às seguintes perguntas: o que são e como se originaram as religiões afro-brasileiras? Quais as diferenças entre elas? Quem são as pessoas que as praticam? Além disso, propõe-se a fornecer uma visão histórica do desenvolvimento dessas religiões. O texto nos surpreende, pois, em cerca de 150 páginas - um livro relativamente pequeno - o pesquisador consegue fornecer rico e minucioso conteúdo sobre os dois modelos mais conhecidos de religião afro-brasileira: o candomblé e a umbanda.
Silva reconstitui o processo histórico sobre a formação das religiões afro-brasileiras, "o que não é uma tarefa fácil", logo nos previne. Tais religiões, originárias de segmentos marginalizados de nossa sociedade, os negros, os índios e os mais pobres, foram muito perseguidas. Os escassos documentos ou registros históricos sobre elas ou foram produzidos por órgãos e instituições que as combateram, ou estão nos relatos de viajantes estrangeiros que não as compreendiam, produzindo, por isso mesmo, material preconceituoso ou equivocado. Um desafio ao pesquisador!
Ao percorrer a trajetória histórica dessas religiões o estudioso encontra outras dificuldades em razão das suas características particulares: seus princípios doutrinários são passados oralmente já que não possuem livros sagrados; sua organização não é institucionalizada; os terreiros são autônomos, estabelecendo cada chefe sua própria doutrina. Assim, deparamos com uma história construída anonimamente, sem registro escrito.
Silva evidencia que, por apresentarem características muito diferentes do modelo oficial de religião dominante na sociedade brasileira, os cultos afro-brasileiros, tanto na sua prática (transes, sacrifícios de animais), quanto na sua ética, que não se baseia na visão maniqueísta, são associados a estereó-tipos como "primitivas" ou "atrasadas", o que o autor enfaticamente alerta não ser o ponto de vista adotado em seu estudo.
O livro é dividido em quatro capítulos. O primeiro nos apresenta a descrição do universo social e religioso do Brasil colonial, fundamentado no catolicismo português ao qual os índios e negros foram "convertidos". Desde a chegada dos portugueses os índios que aqui viviam foram sendo progressivamente dizimados. Os que sobreviveram foram catequizados pelos jesuítas, mas, mesmo aparentemente convertidos, não abandonavam totalmente suas tradições e crenças, associando seus deuses aos santos e ao deus católico. O autor descreve os ritos e o sincretismo indígenas, aparentemente controlado pela igreja oficial.
Para discutir as religiões africanas o autor examina preliminarmente o problema da origem dos negros que foram trazidos ao Brasil. A classificação dos escravos se dava pela localização dos portos em que embarcavam na África, embora tivessem, de fato, várias procedências. Silva aponta duas principais etnias africanas que aqui desembarcaram: os sudaneses e os bantos. Suas diferenças e semelhanças, os contatos entre si e com os brancos, sua condição como escravos e sua catequização são aspectos tratados pelo autor, que evidencia a ação do catolicismo no controle da religiosidade africana. Apesar de participarem de missas e festejos públicos, os negros eram sempre discriminados, cabendo-lhes nos autos e teatralizações religiosas os papéis de inimigos da fé, de mouros e pagãos. Como eram impedidos de participar das irmandades dos brancos, criaram irmandades próprias, como a de Nossa Senhora do Rosário, em que havia a devoção aos santos de cor preta. Também promoviam, através dessas mesmas irmandades, auxílio mútuo e obtinham benefícios, como enterro cristão e alforria, além de construírem igrejas para seus santos de devoção. Embora houvesse tentativa de controle por parte da igreja dominante, a cultura religiosa africana estava sempre presente nas suas cerimônias festivas.
Apesar da enorme separação social entre os brancos, negros e índios, o autor observa que as culturas religiosas ligadas a esses segmentos não ficaram impermeáveis umas às outras, mas na verdade se mesclaram e originaram novas formas: as religiões afro-brasileiras.
No segundo capítulo, "O Candomblé e a Reinvenção da África no Brasil", encontramos a descrição histórica das principais influências que a religião africana sofreu. Preocupa-se o autor em esclarecer que o calundu foi a forma urbana do culto africano até o século XVIII, antecedendo às casas de candomblé do século XIX (há relato sobre esses encontros, com muita música e dança, datado de 1728). Para Silva, esses cultos englobavam uma grande variedade de cerimônias, misturando elementos africanos, católicos e espíritas. Relatos da época sobre esses eventos revelam um enorme sincretismo. Com a Constituição brasileira de 1824 garantiu-se a liberdade de culto para todas as religiões, desde que as fachadas de seus templos não as identificassem. Com a Abolição da Escravatura e a Proclamação da República, 1888 e 1889, respectivamente, instala-se uma nova ordem político-econômica no Brasil. O autor esclarece as muitas conseqüências e interferências desses fatos na vida e no mundo religioso do negro e prossegue descrevendo a organização social dos terreiros e de dois modelos de ritos, chamados de nações do candomblé: o rito jeje-nagô e o angola.
No terceiro capítulo, as influências e denominações regionais das religiões afro-brasileiras, a correspondência entre os deuses africanos e os santos católicos, bem como o calendário das festas religiosas sincréticas, foram organizados pelo autor em três quadros comparativos, destacando com clareza as principais características de um mundo religioso tão complexo. Ainda nesse capítulo, preocupado em detalhar o processo de associação sincrética entre deuses africanos e santos católicos, expõe em outros dois quadros o panteão das religiões afro-brasileiras, com a classificação dos orixás, especificando sua cor, oferenda alimentar, sacrifício animal e o dia de preferência.
O quarto e último capítulo evoca a importância dos movimentos artísticos - literatura, artes plásticas, música -, das teorias socioantropológicas e da historiografia brasileira na ratificação da visão depreciativa e preconceituosa da qual o índio e o negro foram historicamente vítimas ao evidenciar as suas contribuições para a formação da cultura brasileira. Além de atrair os intelectuais e estudiosos brasileiros, o candomblé também atraiu pesquisadores estrangeiros. Todos se encarregaram de divulgá-lo e muitos, encantados com a nova crença, a ele se converteram.
A participação mais efetiva dos brancos de classe média nos cultos que até então eram freqüentados predominantemente pelos negros e pobres provocou uma nova "mistura", principalmente dos kardecistas, que assistiram às suas práticas se mesclarem aos elementos das tradições religiosas afro-brasileiras, nascendo assim a umbanda.
O autor apresenta as principais contribuições da doutrina kardecista e da interferência de seus métodos e explicações científicas para a legitimação e constituição da umbanda, que se desenvolveu como religião organizada e reconhecida. Silva expõe resumidamente, em outro quadro, as diferenças rituais entre o candomblé e a umbanda, abarcando seu panteão, finalidades do culto às divindades, bem como a concepção e a finalidade do transe. Ele também faz distinção entre a iniciação e os modos de comunicação com os deuses, sua hierarquia religiosa e, finalmente, destaca as diferentes músicas e danças rituais.
O autor concluiu que o desenvolvimento de religiões estranhas à religião oficial, como a dos africanos e a dos indígenas, também eles formadores da sociedade brasileira, deu-se pelo processo contínuo de negociação entre seus participantes e as semelhanças estruturais existentes entre esses sistemas religiosos e o dominante, promovendo intercâmbio e sincretismo. Observa, contudo, que com o grande interesse despertado pelos intelectuais, pesquisadores e artistas, o candomblé passou a ser visto com mais tolerância entre os brancos e, ao se tornar símbolo da cultura religiosa brasileira, popularizou-se para além dos limites iniciais. De sua parte, a umbanda, nascida no Brasil exatamente do casamento do "embranquecimento" dos valores religiosos da macumba com o "empretecimento" dos valores kardecistas, proporcionou uma nova síntese de valores religiosos, patrocinando a integração de todas as categorias sociais.
Se com a valorização do candomblé houve uma forte "folclorização" da religião, na umbanda a ênfase na organização burocrática e sua busca por legitimação social provocou, além do acolhimento espiritual, o reconhecimento de segmentos marginalizados, tornando-se, dessa forma, uma das forças mais expressivas das atividades assistenciais no Brasil.
O vasto conteúdo apresentado no livro surpreende-nos não só pela competência do autor, que "caminha no meio do mundo dos orixás com intimidade", mas também por trazer, de maneira clara e eficiente a um leitor ainda que inexperiente nessa linguagem religiosa, a história de um povo, suas crenças, deuses, ritos e mitos, enfim, trechos da história do Brasil.


©  2012  Revista USP


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