Nos últimos tempos surgiram numerosas reflexões, estudos e informações sobre a África negra.
É como se existisse um acordo tácito para pôr a negritude em moda.
Talvez se trate, por outro lado, de fazer justiça, dado que até épocas muito recentes quase não se tinha falado da África, quer fosse pela negligência de muitos pesquisadores ou porque quase não se sabia grande coisa da sua história e da sua cultura.
No entanto, na atualidade, muitos historiadores e etnólogos nos falam da África com verdadeira paixão. Explicam que, para a melhor compreensão do mundo negro, é necessário conhecer os seus aspectos geográficos e físicos, dado que ambos incidem substancialmente sobre o aspecto histórico e até o determinam.
E, assim, interpretam o mundo africano de forma minuciosa e sob uma perspectiva nova até a essa altura -embora talvez os seus estudos e reflexões possam conduzí-los a uma espécie de determinismo geográfico-, e inédita, dado que se concede prioridade ao estudo, por exemplo, de dados climáticos, orográficos e hidrográficos sobre considerações do tipo histórico. Tudo isso leva a considerar o continente negro como um espaço fechado, no qual os seus povoadores rejeitariam qualquer tentativa de influência alheia a eles; com o qual se encontrariam destinados a certa classe de impenetrável ostracismo étnico. Não obstante, os diferentes povos e tribos que se encontravam espalhados pelo território africano, certamente tinham limitado o seu espaço por uma espécie de muro de areia que apontava, de forma expeditiva, para a fronteira norte da África negra: tratava-se do hoje célebre deserto do Saara.
Mas isto nem sempre foi assim, dado que essa franja desértica denominada "deserto do Saara" era antes um verdadeiro vergel, pleno de abundante vegetação, com árvores e prados, planícies e colinas. Mas isso sucedeu há já seis mil anos, quando já em outras zonas da África os primeiros homínideos tinham deixado gravados -nas paredes rochosas das covas que usavam para abrigar-se- signos carregados de simbolismo emblemático e pinturas esquemáticas, cujo valor como documento social, político, ritual e estético é incalculável.
Essa espécie de jardim natural que foi o atual deserto do Saara foi assolado por uma grande seca que teve a sua origem quatro milênios antes da nossa era. A grande dissecação durou quase dois mil anos e as conseqüências diretas dos seus efeitos estão aí, nessa enorme franja deserta que se estende do ocidente para o oriente na zona norte do continente africano e que, segundo alguns historiadores, constitui o limite que a própria natureza impôs ao mundo negro.
Já em tempos das glaciações, nos finais do período terciário -há aproximadamente seiscentos mil anos-, o território africano tinha sido lugar de residência dos primeiros homínideos. Nalgumas partes da sua zona sul encontraram-se, junto de utensílios de pedras sem lavrar e pedras rodadas ou eolitos, restos humanos de grande antiguidade. Também se conseguiram dados e provas que permitiram aos especialistas e investigadores afirmar que aqueles primeiros homínideos conheciam o fogo. Essas zonas africanas estão consideradas, na atualidade, como centros de importantes achados pré-históricos.
UMA NOVA TERRA
Os povoadores das zonas desérticas estenderam-se, e emigraram, para o norte, o sul e o este. No seu afã de procurar uma nova terra onde lançar raízes, por assim dizer, toparam com outras tribos que, desde épocas remotas, habitavam nas zonas tropicais do continente africano.
Ante a ausência de provas fidedignas para catalogar com exatidão os diferentes povos que se achavam disseminados por terras africanas, se avançaram hipóteses que afirmam que existiram tribos primitivas "paleo-negríticas" que praticavam a caça e conheciam técnicas rudimentares para trabalhar a terra; especialmente se esforçavam em conseguir que o terreno pobre e ermo de zonas extremas e montanhosas chegasse a ser fértil. Para isso contavam com o conhecimento do cultivo intensivo, mediante o qual conseguiam, além do total abastecimento de todos os tipos de produtos hortícolas, algo mais importante, a saber: a coesão social necessária para tornar possível o auge populacional e, além disso, o assentamento definitivo numa determinada zona; deste modo chegariam à formação de núcleos ou grupos sociais com uma densidade de quase cinqüenta habitantes por quilômetro quadrado.
Alguns destes grupos populacionais ocuparam a região norte do território africano, lugar próximo da ribeira oriental do Nilo; tal é o caso da tribo dos dogones, que se caracterizava porque entre os seus membros e a própria envolvente geográfica se estabeleceu um vínculo tribal difícil de quebrar.
Também o grupo dos bassari é outro dos denominados "povos nus" da África, os quais se encontravam espalhados por diferentes zonas. A sua antiguidade se remonta a perto de seis mil anos e terminaram assentando-se na Guiné. Na Costa de Marfim se estabeleceram os "lobis". Os "sombas" ocuparam a região de Togo. E as terras de Nigéria viram-se povoadas por tribos de "angus" e "fabis". Todos os grupos enumerados foram conformando as grandes zonas étnicas da África.
Mas também nos territórios desérticos e nas zonas equatoriais se foram assentando populações de tradição étnica como os "mandinga" e os "bambara". Também os "yoruba", em união dos "hausa" e os "ibos", se iriam assentando pela zona da Nigéria até se constituírem na massa de população mais rica de todo o continente africano.
Segundo todos os pesquisadores, as diferentes tribos apontadas mantinham entre si uma clara diferenciação social e sucedia a mesma coisa no terreno político ou religioso. A autonomia estava garantida, assim como os costumes milenários de cada tribo e a sua idiossincrasia própria. A variedade de crenças, de história, de lendas e de mitos, que confluem nas mencionadas populações, faz com que o continente africano se mostre muito atraente e interessante. Se se acrescenta a tudo isso que foi na Núbia -território situado no fértil, e maravilhoso, vale do Nilo- onde teve a sua origem uma das primeiras civilizações do continente africano, que recebeu precisamente o nome de civilização dos núbios -na atualidade quase toda a zona é território sudanês-, que provinha provavelmente da Ásia, dado que a cor da sua pele era muito similar à dos povoadores desse continente e, durante um milênio, manteve todo o seu esplendor.
O SUL
A região situada mais ao sul do lugar de assentamento dos egípcios era denominada por estes com o nome de "Kus"; os nativos desta zona tinham a pigmentação da sua pele mais escura do que os do norte, pois eram de raça negra. Tinham estabelecido a capital de toda a região numa zona muito próxima a um enorme canto do rio Nilo e, no seu subsolo, se encontravam as mais fabulosas reservas de ouro de todos os tempos.
Esta capital recebeu o nome de Napata e teve dirigentes que a fizeram crescer demasiado, até ao ponto de que o próprio Egito foi submetido. As margens do Nilo também foram conquistadas pelos reis de Napata. Naquele tempo -há quase três mil anos- toda a extensa ribeira de ambos os lados do Nilo estava formada por vales e pastos sempre férteis; atualmente há grandes zonas ermas e terrenos baldios.
A riqueza da população da zona do Kus -os "kusitas"- se viu incrementada pelo descobrimento, no subsolo mais próximo da cidade de Napata, de grande quantidade de mineral de ferro. A tudo isso há que acrescentar, além disso, as produtivas transações de marfim que os povos limítrofes lhes forneciam.
Mas este grande império "kusita" encontrava-se submetido à rapina e ao furto de numerosas tribos nômadas. Já desde o século III, antes da nossa era, os ladrões assaltavam as caravanas "kusitas" que transportavam ouro e marfim pelas rotas comerciais abertas para o efeito.
O resultado final é que o imperador do poderoso reino de "Axum", situado mais ao sul, nas proximidades da meseta da Etiópia, submeterá todas as populações do "Kus" e se apropriará das suas ricas minas de ferro e ouro.
ARTESÕES E FERREIROS
Tudo o que se acaba de dizer serviu para que alguns investigadores exprimam, com contundência, as suas teses favoráveis à muito provável influência das grandes civilizações norte-africanas sobre as culturas
desenvolvidas no mundo negro e sobre a sua estrutura social. Alguns achados relevantes vêm avalar a tese exposta. Por exemplo, encontraram-se pérolas de vidro egípcio em áreas do território do Gabão, e também pequenas representações e efígies do deus Osiris em zonas situadas ao sul do rio Zambeze e nos territórios do oriente do Congo. Talvez tudo isso não signifique uma prova concluinte da incidência da civilização egípcia no mundo negro mas, no entanto, se abrem expectativas pelas quais pode afirmar-se que, no campo artístico e técnico, existiu certa relação; o caso mais claro é a utilização, por ambos os povos, da técnica da fundição com cera. Não obstante, já desde o ano 3000 (aC), as tribos da zona do Níger, por exemplo, conheciam a metalurgia do ferro e, desde épocas muito remotas, já tinham formado uma espécie de grêmios, ou sociedades, de ferreiros, que se constituíam em castas e trabalhavam o estanho e a metalurgia do ferro.
FORÇAS PODEROSAS
Recentes escavações deixaram ao descoberto figuras de terracota -como as achadas na zona de Nok (Nigéria)- cuja antiguidade se remonta a quase dois mil quinhentos anos. Algumas destas estátuas estão realizadas de tal modo que a cabeça é muito maior do que o corpo; semelhante desproporção era uma característica dos artistas africanos e com isso queriam dar a entender que não só representavam seres humanos mas também que a sua arte pretendia chamar a atenção sobre certa classe de significação simbólica, afastada de qualquer naturalismo.
Neste sentido, o achado das denominadas "figuras de Jano" -chamadas assim porque recordam a deidade romana Jano, que aparecia representada com duas cabeças contrapostas, dado que personificava a vigilância e a custódia-, realizado no vale de Taruga, é um claro exemplo cheio de conotações míticas e emblemáticas. Além disso,
algumas das estátuas encontradas na aldeia de Nok representam, e simbolizam, as forças sobrenaturais e poderosas que apareciam relacionadas com a produção de alimentos e a satisfação das primeiras necessidades.
Outros achados, nos quais apareciam até média dúzia de cabeças de terracota, foram relacionados com a existência de santuários, templos ou lugares de culto e rito nos bosques considerados, pelo mesmo motivo, como sagrados.
Afirma-se, além disso, que "a técnica da fundição guarda certa relação mítica e ritual com as figuras de terracota dos fornos do vale de Taruga".
Acontece a mesma coisa com a arte estatuária de Benin, que conseguiu a sua plenitude entre os séculos XI e XV da nossa era. "Nesse sentido as figuras de animais, como o leopardo, simbolizam o poder dos seus reis que, às vezes, portavam máscaras realizadas em marfim, as quais levavam incrustadas, por sua vez, pequenas figurinhas dos colonizadores europeus com o objeto de apropriar-se do seu saber e a sua inteligência e, deste modo, não serem dominados por eles".
Os povos africanos tinham para com os fenômenos naturais, o Sol, a Lua, as estrelas, as montanhas, os rios, mares e árvores, um certo respeito sagrado. Tudo estava personificado e vivo -do mesmo modo- e, por todos os lados surgiam ídolos, fetiches, talismãs, bruxos, feitiços e magos.
O primitivismo das lendas dos povos da África meridional entronca com uma espécie de animismo, que os faz adorar as árvores porque pensavam que, num tempo muito longínquo, foram os seus antepassados. Sucedia a mesma coisa com os animais; acrescentando-se, além disso, que eram associados com uma certa classe de esoterismo que conduzia à crença de que os mortos apareciam aos vivos, precisamente, em forma de animais. O culto aos mortos encontrava-se muito estendido e se considerava obrigatório fazer-lhes oferendas. Deste modo, a morte que sempre era tabu -isto é, algo que não devia mencionar-se nem citar-se pois, caso contrário, poderiam sobrevir terríveis castigos aos infratores de tais preceitos-, adquiria uma importância capital entre os componentes duma determinada tribo e o seu modo de comportar-se. Quando alguém morria, todos os outros abandonavam o lugar de questão, para que a desgraça não os alcançasse como ao finado. São muito freqüentes, de resto, as lendas sobre a morte, e existem vários mitos acerca da origem de tão tremendo mal em algumas das tribos africanas da zona que estamos descrevendo.
No vale do rio Níger, o fetichismo encontra-se muito estendido e, entre os seus povoadores, surgem muitos magos e feiticeiros que são os encarregados de dirigir o culto ao ídolo e de oferecer-lhe os diferentes sacrifícios; também têm o dom de predizer o futuro e de pronunciar oráculos.
COSTUMES ANCESTRAIS
O longo caminho da hominização não foi, no entanto, tão linear como pode parecer à primeira vista. Muitos horrores, que o acesso das civilizações iria corrigindo, marcaram o tempo e o espaço históricos. Algumas das tribos que povoam os territórios do ocidente africano conservaram, até épocas muito recentes, costumes que têm muito pouco que ver com o programa social e político de outros grupos humanos.
A este respeito, o grande investigador Frazer, na sua qualificada obra A Rama Dourada, repete as seguintes palavras que um missionário deixou escritas -quando já o século XIX chegava ao seu fim- depois de conviver com algumas tribos do África negra: "Entre os costumes do país, um dos mais curiosos é indubitavelmente o de julgar e castigar o rei. Se ele mereceu o ódio do seu povo por exceder-se nos seus direitos, um dos seus conselheiros, sobre o qual recai a obrigação mais pesada, requer ao príncipe que vá dormir, o que significa simplesmente envenenar-se e morrer".
Ao parecer, no último momento, alguns monarcas não estavam dispostos a tirar-se a vida de um modo tão expeditivo, o qual era interpretado pelos súditos mais chegados como uma falta de coragem. Então, pedia-se a ajuda de um amigo que, no instante supremo, se encarregaria de dar-lhe um último empurrão, por assim dizer; o importante era que o povo não chegasse a conhecer a falta de coragem do seu soberano. Quanto ao método escolhido para levar a cabo tão abominável magnicídio, se louvava a sua predisposição e se agradecia o serviço prestado à sua tribo.
A NOSSA PRÓPRIA HISTÓRIA
Hoje, em consequencia das escavações e estudos que se levam a cabo em toda a África -muito especialmente em zonas que, até o presente e não se sabe com que critérios, tinham sido relegadas-, se detectaram provas suficientes para concluir que foi neste território onde começou o processo de hominização. Em qualquer caso, os achados dos especialistas e investigadores nos levam a concluir que a África foi um dos mais importantes focos de cultura pré-homínidea. Os elos da cadeia que nos une aos nossos mais ancestrais antepassados se encontram no continente negro. Outro fator a ter em conta, no momento de julgar o escasso avanço dos estudos levados a cabo no continente negro, é aquele que se refere às condições adversas do seu solo; a acidez do solo africano desgasta com prontidão qualquer vestígio, especialmente os restos fósseis. No entanto, hoje se sabe que foram os primeiros homínideos do continente africano os que, devido às suas peculiaridades físicas e somáticas -por exemplo a sua pele sem pêlo, a sua produção de melanina que lhes dará a adequada pigmentação, a sua abundância de glândulas sudoríparas, o seu cabelo encaracolado, etc.-, iniciaram o denominado processo de adaptação ao meio, com o qual começará, sem nenhuma dúvida, a hominização propriamente dita. A importância deste processo é capital pois, num princípio, o hominídeo se caracteriza pela sua atitude prática, dado que pretende primordialmente construir toda uma série de artefatos que o levam a dominar as técnicas da pesca, a caça, a agricultura e a ganadaria. Como para isso deve contar com ferramentas diversas, transforma-se em "homo faber" e "homo habilis", daqui a constituir o nosso seguro antepassado, o "homo sapiens", há apenas uma mínima distância.
MITO DAS DUAS LUMINÁRIAS
Entre as numerosas lendas do continente africano sobressai a dos negros de Senegal, dado que talvez sejam os únicos que têm uma cosmologia digna de tal nome.
As suas fábulas mostram que as duas luminárias, isto é, tanto o Sol como a Lua, estavam já consideradas como superiores aos outros astros. O mito cosmogônico pretende estabelecer as diferenças de ambos os corpos astrais e se propõe explicar -de uma maneira muito simples, embora carregada de conotações míticas e emblemáticas- as grandes diferenças entre a Lua e o Sol. O brilho, o calor e a luz que se desprendem do astro-rei impedem que sejamos capazes do olhar fixamente. Em compensação, podemos contemplar a Lua com insistência sem que os nossos olhos sofram mal algum. Isso é assim porque, em certa ocasião, estavam banhando-se nuas as mães de ambas as luminárias. Enquanto o Sol manteve uma atitude carregada de pudor, e não dirigiu o seu olhar nem um instante para a nudez da sua progenitora, a Lua, em compensação, não teve reparos em observar a nudez da sua antecessora. Depois de sair do banho, foi dito ao Sol: "Meu filho, sempre me respeitaste e desejo que a única, e poderosa deidade, te bendiga por isso. Os teus olhos se afastaram de mim enquanto me banhava nua e, por isso, quero que, desde agora, nenhum ser vivo possa olhar para ti sem que a sua vista fique danificada".
E à Lua foi dito: "Minha filha, tu não me respeitaste enquanto me banhava. Olhaste para mim fixamente, como se fosse um objeto brilhante e, por isso, eu quero que, a partir de agora, todos os seres vivos possam olhar para ti sem que a sua vista fique danificada nem se cansem os seus olhos".
O BERÇO DO "AUSTRALOPITHECUS"
A figura de um pai protetor e poderoso também aparece entre os povos africanos. E, com respeito à sua cosmologia, numerosas lendas marcam a própria idiossincrasia das diferentes tribos. Todos os povoadores da África negra julgaram que a terra não tinha idade e que existia desde sempre. E, segundo opinião de muitos historiadores insuficientemente documentados, isto é, que baseavam mais os seus assertos e conclusões em fátuas declarações de eruditos pensadores do que no trabalho de pesquisa e estudo pessoais, se chegou a dizer que os africanos formam parte dos denominados "povos sem história". O qual quer dizer que não contribuíram para o desenvolvimento da humanidade, nem muito nem pouco; e que, entre os negros africanos foi desigual a sua evolução e, com certeza, nenhum criou uma cultura autóctone que o caracterize. No entanto, descobrimentos arqueológicos de grande importância -entre outros o do primeiro hominídeo, conhecido com o nome de "australopithecus", pois os seus restos foram achados, há pouco mais de meio século, concretamente no ano 1924, na zona austral do continente africano-, assim como o profundo estudo das inumeráveis mostras de arte rupestre que se encontram em toda a África, levaram a reconsiderar os errôneos critérios que se tinham até há muito pouco do continente negro.
CIDADES DEBAIXO DE ÁGUA
Também havia uma bela mulher que aparecia plena de juventude e viçosidade. Chamava-se Haraké e o seu poder de atração era tal que não se sabia se era deusa ou se pertencia à espécie dos humanos mortais. A lenda mais estendida afirmava que Haraké tinha os cabelos tão transparentes como as próprias águas que lhe serviam de morada. Ao atardecer, a bela rapariga tinha por costume descansar mesmo à beira do Níger, e esperar assim até que chegasse o seu amante. Assim que este se reunia com ela, ambos entravam nas profundidades
daquelas águas encantadas e profundas; a jovem levava o escolhido no seu coração através de maravilhosos caminhos que conduziam a faustosas e desconhecidas cidades. Nos seus esplêndidos recintos, e entre o som do tam-tam e dos tambores, teria lugar a ostentosa cerimônia que uniria o feliz casal para toda a vida.
Todas as narrações da fábula exposta sublinham que foi Haraké quem conduziu o seu amante, e não vice-versa. Com isso se quer dar a entender que a mulher era muito respeitada entre certas tribos da África negra. Os seus privilégios provinham da sua consideração como mãe e esposa.
Embora, ao mesmo tempo, apareçam representações femininas em atitude submissa mas, se se reparar no seu rosto, observar-se-á certa classe de serenidade que, no dizer de investigadores e antropólogos, indicava a importância concedida a essa espécie de mundo anímico, ou vida interior, com que devia vestir-se a mulher negra, sob pena de pôr em questão a sua condição feminina.
PEQUENOS GÊNIOS E GIGANTES
A variedade de lendas da África negra é devida à diversidade de tribos que a habitam. Em muitas populações tinha-se em grande estima tudo o ancestral dos seus antepassados e, ainda que o seu território fosse invadido por outros povos de costumes e ideias diferentes, nunca deixaram que os seus ritos e mitos se perdessem. É o caso de algumas tribos de pescadores e camponeses que moravam nas proximidades do Níger, que viram invadida a sua própria idiossincrasia por outros povos, especialmente muçulmanos. No entanto, as crenças e a força dos seus mitos quase não perderam personalidade. Continuaram adorando os espíritos e GÊNIOS que moravam na natureza e que se tornava necessário aplacar, e manter contentes, para que as colheitas não se esgotassem e para que a pesca fosse abundante.
O ar, a terra e o rio, estavam cheios de espíritos -o que implica o conceito animista que tinham os negros africanos da natureza-, aos quais se acudia, e se invocava, quando se necessitava de uma ajuda superior. Havia também certas lendas onde aparecia o polífago gigante Maka que, para satisfazer o seu voraz apetite, necessitava de devorar animais tão enormes como os hipopótamos; e quando se dispunha a saciar a sua sede, alguns dos lagos próximos se viam seriamente afetados.
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