A Iniciação de Crianças nos Cultos Afro-brasileiros
Por iniciativa da Iyalorixá Angélica de Oyá, em parceria com o Jornal A GAXÉTA e com o Babalorixá Flávio de Yansan, um debate foi proposto para discutir com advogados e interessados, a confusa situação da INICIAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES perante a Lei, e assim, perceber caminhos de como defender ou garantir o direito de iniciar e da participação de jovens, nos Cultos Afros.
A Reunião aconteceu no dia 15 de novembro de 2010, nas dependências da Casa de Pai Flávio. O Jornal A Gaxéta, que é pioneiro na socialização de questões polêmicas, nas tradições religiosas de legado africano, e que ferem os Direitos Humanos, se propôs a publicar a conclusão do debate.
Os Advogados Dr Anivaldo dos Anjos Filho e Dra Fátima Emilia dos Anjos foram os técnicos que administraram a reunião, oferecendo os parâmetros legais da questão em pauta.
O tema central das discussões foi a interferência dos Conselhos Tutelares durante o período de iniciação, em jovens e crianças. Inicialmente, as Comunidades Tradicionais de Terreiros, estão entendendo a ação dos Conselhos Tutelares, como uma atitude discriminatória apoiada na visão pessoal dos conselheiros, e também de Intolerância Religiosa.
Os argumentos apresentados foram:
1- Necessidade de uma interferência espiritual em casos de urgência ou doenças;
2- A Liberdade e o direito dos pais de levarem seus filhos aos cultos de suas preferências;
“Eu tenho meu filho. Ele nunca participou literalmente de uma Casa de Axé. Agora, se meu filho participasse desde pequeno, o Culto dos Orixás seria natural para ele.
E seria meu direito, levar meu filho para a minha religião, pois o evangélico leva, o católico leva, o judeu leva, desde criança. Por que nós não podemos?”, argumenta Mãe Angélica.
Para Pai Flávio, não há porquê de uma ‘marcação tão rigorosa’ dos Conselhos Tutelares, nos Terreiros, se as milhares crianças estão abandonadas na rua, principalmente na Cracolândia. “Os Conselhos Tutelares deveriam estar mais atentos às crianças e jovens e cumprir o real papel, para o qual foram criados”, diz Pai Flávio.
As explicações Jurídicas – A Lei, perante as crianças e jovens, nos Terreiros.
Dra Fátima diz: “De acordo com o que me foi dito em nosso contato inicial, você estava precisando saber se existia alguma solução para a iniciação de crianças e adolescentes.
Baseado nisso, eu cheguei até a conversar com o Dr. Sérgio Marrina, Juiz da Vara da Infância e Juventude, já que existe um confronto muito grande entre a casa de Candomblé e a Legislação, que segundo o magistrado não há nenhum caso de interferência dos conselhos tutelares em atos religiosos, na Vara da Criança e do Adolescente.
A gente tem o principio da liberdade religiosa. A Constituição Federal nos garante isso. Agora, nós encontramos alguns confrontos: Temos o problema do recolhimento. Essa criança tem que ficar incomunicável a não ser com pessoas da religião que podem ter contato com ela.
Então se você tiver acesso à legislação, o artigo 148 (Código Penal) traduz esse recolhimento como cárcere privado, ou seja, já há um choque muito grande aí.
Aparece um outro que menciona ‘Lesão Corporal’ (as curas que são feitas no Iyawo). Se você confrontar com a legislação, trata-se de uma lesão corporal – de natureza leve – mas é uma lesão corporal.
Existe uma outra situação que pode ser atribuída ao Pai – de- Santo: onde tem três ou mais pessoas reunidas, pode-se interpretar como formação de quadrilha. E em uma cerimônia de feitura, há sempre três ou mais pessoas reunidas.
Esse é um confronto que se apresenta entre a religião e a legislação, apesar da Constituição Federal garantir que todos têm liberdade religiosa. Se você tiver acesso ao ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), ele também te mostra esse confronto em determinados momentos. Porém, cita que é obrigação e dever de todo o pai trazer orientação educacional e também religiosa à criança (Art 82).
Nós começamos a encontrar alguns problemas a partir do artigo V (ECA), em que ele fala em violência, crueldade, opressão. Por exemplo, se uma mãe trás seu filho para ser iniciado no Culto Afro-Brasileiro, e o pai não pertence à religião e por isso entra com uma denúncia, será utilizado o artigo V, em decorrência das curas, falta de comunicação com a criança, que está ‘trancada’ dentro de um quarto. Percebe-se então que o ECA também se confronta com a religião.
Numa outra citação, o ECA menciona que a criança não pode adentrar hotéis, motéis ou estabelecimentos similares, se desacompanhado dos pais. Então se questiona: e se essa criança vier a ser recolhida com a mãe ou junto com o pai? Você pode entender então que estando o pai ou a mãe, ou ambos, em companhia de uma criança em sua iniciação, não haveria problema algum em se dar prosseguimento ao ato religioso. Esta pode ser a defesa para que a Casa Religiosa possa seguir.
Ou na ausência dos pais, estes assinam uma autorização pormenorizada: nome dos pais, qualificação completa, o nome da Entidade, firma reconhecida das duas assinaturas. Isso evitaria que se sofresse uma denúncia? Não, não evitaria, porém, trata-se de uma defesa, de um documento comprobatório.
No caso de pais separados, se o responsável pela guarda da criança estiver acompanhando o momento religioso, não haveria problema também. No caso da criança estar acompanhada de um dos pais que não tenha a guarda, será necessária a permissão daquele que é o responsável por esta guarda.”
Ao ser indagada a respeito da autoridade dos Conselhos Tutelares ser superior a de Juízes no sentido de tomar uma decisão sobre interromper uma iniciação sob a alegação dos direitos da criança estarem sendo infringidos, Dra. Fátima afirmou que estes não tem esse poder, mas sim de encaminhar o caso, baseado em denúncia e constatação, ao juiz.
Dr. Anivaldo alertou que, em caso de invasão de um Templo, por um Conselho Tutelar, no sentido de coibir ou interromper um ato religioso aplicado em uma criança ou adolescente, a situação deverá ser comunicada de imediato à Vara da Infância por aquele Conselho, pois caso não o faça, pode-se agir no sentido de dissolver este conselho.
Não existe, segundo Dra. Fátima, como evitar a denúncia, ou como evitar abertura de inquérito para investigar todo esse passo, mas existem defesas com base no ECA. “Hoje eu diria para quem quer recolher: peça uma autorização.” Ela elaborou um termo de autorização bem pormenorizado com o nome dos pais e sua qualificação (casado, solteiro, etc), RG, CPF, se o casal vive junto em um mesmo endereço, se não, o endereço de cada um.
Deverá ser reconhecida firma, pois este documento permanecerá na casa. Deverão ser citados os dados da criança, o número do RG, já que em sua maioria, as mesmas já possuem este documento.
Portanto os pais estarão autorizando o menor a participar da iniciação ao culto religioso “candomblé”, a ser realizado no (nome da casa), situado (endereço completo) pelo Sacerdote (nome completo), no período compreendido entre (citar datas de inicio e término), ou seja, X dias.
Dra. Fátima entende ser de extrema importância que o seguinte texto também seja incluído no termo: “Estamos cientes que durante o período acima mencionado, o menor deverá permanecer incomunicável com pessoas alheias à religião, autorizando inclusive o procedimento dos banhos, curas, respeitando-se assim a liturgia pertinente ao culto religioso.”
Conclusão: Não há parâmetros que impeçam objetivamente a iniciação de crianças e adolescentes.
Inibir a invasão por Polícia ou Conselho Tutelar, embasados em possíveis denúncias por parte da comunidade, pode não ser possível pelo repente da situação. Mas, caso a permanência do menor em recolhimento religioso, esteja devidamente autorizado, como anteriormente citado, medidas legais poderão ser adotadas pelo Líder Religioso, ou as partes que foram constrangidas.
O que após discussão entre os presentes pareceu estar ocorrendo, é que, pelo fato de Delegados de Polícia e o próprio Conselho Tutelar terem o poder de inibir a população, os mesmos, adentram os locais religiosos, interrompem os atos, retiram a criança e não dão prosseguimento ao assunto, ou seja, têm o objetivo de inibir um ato sagrado, que não pode ser interrompido, baseado em denúncias, e que por sua vez são embasadas em preconceito e Intolerância Religiosa.
Através de diversas ocorrências que vem sendo observadas em diversas áreas do país, em que o Poder Público passa a inibir situações baseadas ou ligadas aos Cultos Afro-Brasileiros, percebe-se claramente que a própria lei, estatutos, regimentos e outros, nunca tiveram em sua redação, itens que fossem favoráveis a Religiosos Afro-Brasileiros.
Um exemplo bastante presente é o próprio ECA, que possui itens que, se chocam com os procedimentos ligados à iniciação de crianças nos Cultos Afro, como citado acima.
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