A Mãe de Todas as Cabeças
(O Bori)
Yemanjá é sempre relatada nos mitos como uma grande mãe, surgindo agora como a protetora das cabeças dos mortais. Esta dádiva, recebida de Olodumaré, se dá pelo fato de Yemanjá preocupar-se em ser generosa e respeitar a hierarquia divina.
Dotada de grande poder de justiça, Yemanjá sabe retribuir atos generosos do outro. Sua primeira aparição na guarda dos oris (cabeças) precede a criação da humanidade, pois quando todos os Orixás estavam sendo cobrados por Olodumaré acerca de seus afazeres na Terra, Yemanjá foi a única que, antes de falar com o Deus Supremo, preocupou-se em levar-lhe uma oferenda.
Ofereceu-lhe uma cabeça de carneiro e, em gratidão, Olodumarê deu-lhe o cuidado de todas as cabeças, mesmo antes do homem ter sido criado.
Os Yorubás acreditam que, ao nascer, cada ser humano escolhe sua cabeça (seu ori), de tal modo que seu destino, assim como sua sorte e muito de suas características pessoais dependem da individualidade de cada um. O ori tem uma existência própria e por isto deve ser alimentado e cultuado, de modo que possa assim funcionar adequadamente e dar felicidade ao seu portador.
Tendo natureza divina, o ori de cada pessoa pode ter seu assentamento, isto é, sua representação material e espiritual. Quando da iniciação ao Orixá, é no ori que este é fixado. É necessário preparar a cabeça para recebê-lo de acordo. Trata-se da cerimônia chamada bori (comida à cabeça). Na África considera-se a divindade Ajalá como aquela que fabrica os oris. No Brasil, ele foi esquecido e Yemanjá tomou seu lugar.
Caracterizado pela linguagem utilizada e por uma forma estética de realização, o culto às cabeças denota uma preocupação primeira que é de fazer emergir a personalidade profunda do ser humano, ligada ao seu destino pessoal. Por outro lado, o ritual do bori também tem o intuito de “notificar à morte” que seu tempo será sempre depois. No bori, estar vivo, é motivo de louvação.
O indivíduo é incitado a estabelecer um movimento cíclico com a morte: deve driblá-la constantemente, pois na visão do Povo-de-Santo, o bom é estar vivo e aqui. O papel reservado ao ritual do bori em alguns Terreiros Afro-Brasileiros, principalmente naqueles que passaram por algum processo de africanização, toma uma característica bastante ortodoxa. A cabeça é considerada uma divindade, que após o Culto a Exu e aos Orixás da Criação, ganha grande importância, conforme o seguinte oriki:
“Orí pélé atété níran
Atété gbeni kòòsa
Kòòsa ti ida ni egbé
Leyin orí eni”
“Você é aquele que não esquece dos seus devotos
Quem abençoa seus devotos, antes de qualquer outra divindade
Nenhuma divindade abençoa seu devoto sem o consentimento da sua cabeça”
Num outro mito, quando Olodumaré fez o mundo, repartiu entre os Orixás vários poderes, dando a cada um deles um reino para cuidar. Para Yemanjá, Olodumaré destinou os cuidados da casa de Oxalá, Orixá Velho e alquebrado, assim como a criação de seus filhos e de todos os afazeres domésticos. Yemanjá trabalhava e reclamava da sua condição de menos favorecida, pois, afinal, todas as outras divindades recebiam oferendas e homenagens enquanto ela vivia como escrava.
Durante muito tempo Yemanjá reclamou dessa condição e tanto falou, tanto falou nos ouvidos de Oxalá, que este enlouqueceu. O orí de Oxalá não suportou os reclamos de Yemanjá. Caindo Oxalá enfermo, Yemanjá deu-se conta do mal que fizera ao marido e tratou de curá-lo, arrependida e temerosa. Em poucos dias, utilizando-se de banha vegetal, de água fresca, de obi (fruta conhecida como noz-de-cola), pombos brancos, frutas deliciosas e doces, curou Oxalá que, agradecido, foi a Olodumaré pedir para que atribuísse a Yemanjá o poder de cuidar de todas as cabeças. Desde então ela recebe oferendas e é homenageada quando se faz nos Terreiros de Candomblé o bori e demais ritos à cabeça. Yemanjá é sempre lembrada nos Terreiros. Em todos os momentos os filhos-de-santo a saúdam e agradecem como mãe das cabeças. Durante sua dança ritual, faz-se movimentos circulares que lembram as ondas do mar e tocando a fronte e a nuca, saúda-se Iemanjá, fazendo referência a seu domínio sobre suas cabeças.
Fonte: A Grande Mãe Africana do Brasil
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