No Candomblé existe uma estreita relação entre a Natureza e todos os ritos a serem seguidos. Cada elemento está devidamente representado, uma cantiga muito interessante é a seguinte:
Agbè lo laró Ki raun aro
Alukò lo lósùn Ki raun osùn
Lékeléke ki lo léfun Ki raun efun
Emi ni yio léke òta mi o
Agbé tem penas azuis, Que nunca lhe falte o az
Alukò possui penas vermelhas, Que nunca lhe falte o vermelho
Lékeléke tem as penas brancas, Que nunca lhe falte o branco
Que eu fique acima de meus inimigos
Outra versão:
Agbe ló l’aro, ni rárà o kò l’aro…
Àlùkò ló l’ósùn, ni rárà o kò l’ósùn…
Leke-leke ló l’efun, ni rárà o kò l’efun…
Emi ni yio léke òta mi o
Agbè que colhe azul (wají) dificilmente ficará sem azul (wají)
Àlùkò que colhe osun dificilmente ficará sem osun
Leke-leke que colhe efum dificilmente ficará sem efum
Que eu fique acima de meus inimigos
Essa cantiga (que era uma das preferidas de Mãe Senhora) costuma ser associada à Osun, orixá que por excelência rege a maternidade e o nascimento. Osun foi a primeira a realizar a iniciação de um iyawo, pintando seu corpo com diversos elementos retirados da natureza: Osùn (de cor vermelha), wàji (de cor azul) e efun (de cor branca). Cada cor é revestida de um simbolismo, que revela o que se deseja para o novo iniciado: o vermelho indica boas notícias, o azul a bondade e o branco a paz.
As pinturas no corpo do iyawo revelam ainda aspectos muito importantes do ritual de Ìbèrè (Iniciação). As marcas coloridas no orí do iniciado servem como medida de proteção contra as Iyami Ajé (Mães Feiticeiras), evitando que o pássaro eleye pouse sobre a cabeça do neo-iniciado. Eleye é a ave responsável por espalhar os sortilégios invocados pelas Ajé, caso ele consiga pousar no orí da Iyawo isso representaria um risco muito forte para a mesma.
Os desenhos também revelam que a partir daquele momento aquele iniciado faz parte daquele Egbé (comunidade), estando submetido às regras e tabus instituídos para todos. Através dessas pinturas podemos identificar a qual Nação pertence o novo iniciado: Ketu, Jeje, Angola, por exemplo.
A cantiga que iniciamos o nosso texto pode ser entendida de diversas formas: ela nos diz que Olorun criou cada um diferente do outro azul, vermelho ou branco. Não devemos ter inveja de nossos irmãos, pois se agbé tem penas azuis, que nunca lhe faltem penas azuis. Se Àlùkò possui penas vermelhas que elas nunca sejam perdidas. Que Leke-leke possa sempre ostentar as suas penas brancas. Cada iniciado dentro do Egbé possui características e virtudes que são suas. Não devemos querer parecer com quem não somos, pois somos únicos.
Ainda, poderíamos substituir as cores por suas atribuições: Agbé terá sempre o azul (a bondade), pois sempre procurou por ela. Dessa forma fica entendido que devemos sempre alimentar boas notícias, bondade e a paz, para que elas estejam sempre presentes em nossas vidas. Se seguirmos o exemplo de Agbé, Àlùkò e Leke-leke ficaremos sempre acima de nossos inimigos, evitando que esses possam nos fazer qualquer tipo de mal. Asé!!!
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