Aquilo que te cura é o que te escraviza.
Veneno e remédio são irmãos e moram no axé da mesma folha.
É desta forma que Ifá nos esclarece sobre a natureza do orixá Osain, o senhor das plantas medicinais e litúrgicas das matas cerradas e densas florestas.
Meditar sobre Osain coloca o homem diante de perguntas das mais pertinentes sobre a nossa condição e relação com o mundo: determinada coisa é a minha cura ou a minha condenação?
Me liberta ou escraviza?
Quem é o verdadeiro escravo, o cativo ou o seu dono?
Dizem que Osain - que vivia pelas matas ao lado de seu escravo Aroni - recebeu o poder de Olodumare para conhecer o mistério das folhas.
Guardou as folhas todas numa cabaça pendurada no galho de uma árvore.
Um dia Iansã, muito curiosa, enfeitiçou os ventos para que eles derrubassem o galho da árvore e espalhassem as folhas sagradas pela floresta.
Os demais orixás, então, recolheram determinadas folhas e passaram a considerá-las como suas.
Esse conto de Ifá, o corpo literário e filosófico dos iorubás que está em pé de igualdade com os mais belos sistemas de pensamento que a humanidade concebeu, é uma poderosa alegoria sobre a difusão do saber pelo mundo.
A curiosidade espalhou o conhecimento e difundiu o segredo.
Havia, porém, um problema.
A folha, para se transformar em remédio, tem que ser potencializada pela palavra e o canto.
Só o encantamento pelo verbo é capaz de dotar a folha de seus atributos de cura.
A ausência da palavra não potencializa a folha.
A utilização da palavra errada transforma em veneno o que era para ser o bálsamo.
Os orixás, então, mesmo tendo recolhido as folhas que o vento de Iansã distribuiu, precisavam ainda de Osain, porque só a ele Olodumare dera o conhecimento das palavras e dos cantos capazes de dotar as folhas do axé.
E é essa a função de Osain desde então, potencializar a folha pela palavra e dotar a planta da capacidade de vida e morte.
Osain é, portanto, dos orixás mais perigosos, sedutores e desafiadores.
É o senhor da expressão certa que nos cura e o conhecedor da palavra que, mal colocada, pode nos matar.
Veneno e remédio, afinal, são irmãos.
Osain mostra o poder da palavra que vira poema, canto, evocação do mistério, libertação e vitalidade.
Osain alerta para o poder da palavra que desarmoniza, é declaração de guerra, dureza de pedra, escravidão e perda do axé - a morte.
Osain ri e zomba dos homens que não sabem o que fazer com o verbo.
São estes, curiosamente, os que mais falam.
Encanta a folha com a tua palavra, mas não faz do teu verbo a serpente que envenena o mundo.
Eis o desafio poderoso que Osain nos lança todos os dias e está expresso em um dos seus mais famosos orikis.
É por isso, segundo a filosofia nagô, que os Babalosain [sacerdotes de Osain e conhecedores dos atributos do encantamento das plantas] são os mais calados dentre os sábios.
Eles sabem exatamente que o homem que diz sou, não é.
Por conhecer o teor de veneno e remédio que cada palavra guarda, os que reverenciam o senhor das folhas, se não podem encantar o mundo, preferem silenciar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário