CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O DESAFIO DE OSAIN





Aquilo que te cura é o que te escraviza.

Veneno e remédio são irmãos e moram no axé da mesma folha.

É desta forma que Ifá nos esclarece sobre a natureza do orixá Osain, o senhor das plantas medicinais e litúrgicas das matas cerradas e densas florestas.


Meditar sobre Osain coloca o homem diante de perguntas das mais pertinentes sobre a nossa condição e relação com o mundo: determinada coisa é a minha cura ou a minha condenação?

Me liberta ou escraviza?

Quem é o verdadeiro escravo, o cativo ou o seu dono?


Dizem que Osain - que vivia pelas matas ao lado de seu escravo Aroni - recebeu o poder de Olodumare para conhecer o mistério das folhas.

Guardou as folhas todas numa cabaça pendurada no galho de uma árvore.

Um dia Iansã, muito curiosa, enfeitiçou os ventos para que eles derrubassem o galho da árvore e espalhassem as folhas sagradas pela floresta.

Os demais orixás, então, recolheram determinadas folhas e passaram a considerá-las como suas.


Esse conto de Ifá, o corpo literário e filosófico dos iorubás que está em pé de igualdade com os mais belos sistemas de pensamento que a humanidade concebeu, é uma poderosa alegoria sobre a difusão do saber pelo mundo.

A curiosidade espalhou o conhecimento e difundiu o segredo.


Havia, porém, um problema.

A folha, para se transformar em remédio, tem que ser potencializada pela palavra e o canto.

Só o encantamento pelo verbo é capaz de dotar a folha de seus atributos de cura.

A ausência da palavra não potencializa a folha.

A utilização da palavra errada transforma em veneno o que era para ser o bálsamo.


Os orixás, então, mesmo tendo recolhido as folhas que o vento de Iansã distribuiu, precisavam ainda de Osain, porque só a ele Olodumare dera o conhecimento das palavras e dos cantos capazes de dotar as folhas do axé.

E é essa a função de Osain desde então, potencializar a folha pela palavra e dotar a planta da capacidade de vida e morte.


Osain é, portanto, dos orixás mais perigosos, sedutores e desafiadores.

É o senhor da expressão certa que nos cura e o conhecedor da palavra que, mal colocada, pode nos matar.

Veneno e remédio, afinal, são irmãos.


Osain mostra o poder da palavra que vira poema, canto, evocação do mistério, libertação e vitalidade.


Osain alerta para o poder da palavra que desarmoniza, é declaração de guerra, dureza de pedra, escravidão e perda do axé - a morte.


Osain ri e zomba dos homens que não sabem o que fazer com o verbo.

São estes, curiosamente, os que mais falam.

Encanta a folha com a tua palavra, mas não faz do teu verbo a serpente que envenena o mundo.

Eis o desafio poderoso que Osain nos lança todos os dias e está expresso em um dos seus mais famosos orikis.


É por isso, segundo a filosofia nagô, que os Babalosain [sacerdotes de Osain e conhecedores dos atributos do encantamento das plantas] são os mais calados dentre os sábios.

Eles sabem exatamente que o homem que diz sou, não é.

Por conhecer o teor de veneno e remédio que cada palavra guarda, os que reverenciam o senhor das folhas, se não podem encantar o mundo, preferem silenciar.

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