CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O lugar de Ossain

O lugar de Ossain


Por Alexandre de Oliveira Fernandes; Manoel Santos Mota; Rosângela Fonseca do Nascimento


Este artigo quer apresentar o “lugar” de Ossain, orixá das folhas, para o culto aos orixás, com o intuito de travar uma discussão entre a lógica ocidental capitalista (SANTOS, M. 2006, p.100) e a lógica dos rituais nagôs.

Entende-se que a primeira busca a utilização da natureza por meio de uma visão imediatista pautada pelo mercado e o consumo, enquanto a segunda, vê a natureza como permeada pelo axé dos Orixás e, assim, devendo ser preservada, uma vez que nela se deposita e se veicula o axé. Para tanto, utilizaremos os textos mitológicos referentes ao orixá Ossain, conforme apresentados pelo professor Reginaldo Prandi em seu Mitologia dos Orixás (2001)

A discussão dos textos mitológicos se justifica, vez que os terreiros reproduzem os mitos em seus rituais.

Nossa metodologia também procura ouvir outras vozes como Pierre Verger (2002, 1995), Ordep Serra (2006), Juana Elbein dos Santos (1986), a fim de que, parafraseando Geertz (1989), ao conversarem dialeticamente produzam um discurso simbólico que possa ser interpretado semioticamente desvelando os significados mais profundos do culto.


Palavras-chave: desenvolvimento sustentável, culto aos orixás, Ossain, rituais, plantas.


1. O lugar do culto aos orixás e o consumismo. Ou de como as coisas precisam estar claras: diferenciando as lógicas


Òsányìn!


Nkò da se,


Eléwé me dà se,


Baba aròni me dà se,


Wa fún mi.


Eléwé wá fun mi, l’àse o.


Òsányìn wá fun mi, l’àse o.


Mé dà se.


Òsányìn mé dà se.


Ossain,


não faço nada sozinho.


Ó senhor das folhas,


ó Pai Aròni, não faço nada sozinho.


Venha me dar,


ó senhor das folhas, venha me dar axé.


Ossain, venha me dar axé


Não faço nada sozinho.


Ossain, não faço nada sozinho.


(SÀLÁMÌ, 1991, p.58)


A epígrafe que propomos em nosso texto, por si só, é suficiente para expressar o sentimento dos interlocutores de Ossain, o “senhor das folhas”, e o nosso. A ele é solicitado o axé, e, muito humildemente, neste orín ou cantiga de orixá, seus adoradores se curvam, entendendo não ser possível nada se fazer sem ele, sem o poder das folhas e da natureza. Em outras palavras, que nos parecem muito apropriadas: Kosi ewé, kosi orixá / Sem folhas não há orixá. Ângela Lühning (2006, p.317)


Traçando um paralelo ilustrativo entre mitologia grega e culto aos orixás, o interlocutor de Ossain diferencia-se de Odisseu, o rei de Ítaca, uma vez que este teria desafiado os deuses e assim sofrido as conseqüências de sua atitude, enquanto aquele rende graças ao orixá, dizendo depender dele para tudo. Odisseu retorna à Ítaca apenas quando consegue harmonizar-se com os deuses, religando-se ao sagrado. Cremos que o proposto pela contemporaneidade é um desafio constante de “estar no mundo”. Há duas lógicas sobre as quais queremos nos debruçar: (i) a lógica atual, produzida pela dinâmica do capital e pelos governos financeiros globais, o Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial (SANTOS, M. 2006, p.100) que impele o homem ao desarmonizar-se, distanciando-o da natureza e do sagrado; (ii) a lógica da dinâmica do culto aos orixás nagôs, que prescreve a preservação da natureza, o ebó, as oferendas, o contato com o sagrado como forma de reestabelecer a harmonia entre os homens, os deuses e a natureza.


O professor Milton Santos já nos advertiu sobre as maldades do consumismo e da competitividade, inerentes à lógica capitalista. Não competir, não lucrar à qualquer custo é perder oportunidades de crescimento, no cenário estabelecido pela lógica atual, que "leva ao emagrecimento moral e intelectual da pessoa, à redução da personalidade e da visão do mundo, convidando, também, a esquecer a oposição fundamental entre a figura do consumidor e a figura do cidadão". (SANTOS, M. 2006, p.49)


Assim, vez que não há mais condições de se continuar com a “sanha” desenvolvimentista sem agredir ainda mais a natureza e colocar em xeque gerações futuras, um questionamento paradoxal tem se estabelecido: como colocar em prática uma lógica social de desenvolvimento pautada pelo desenvolvimento sustentável? Ora, como colocar em prática uma forma outra de lidar com a natureza se o homem contemporâneo está pautado por uma lógica na qual, os fins justificam os meios? "A necessidade real ou imaginada de buscar mais dinheiro, e, como este, em seu estado puro, é indispensável à existência das pessoas, das empresas e das nações, as formas pelas quais ele é obtido, sejam quais forem, já se encontram antecipadamente justificadas (SANTOS, M. 2006, p.56) Para responder a esta questão, nosso discurso que pretende propor a lógica do sagrado no culto aos orixás como premissa para o desenvolvimento sustentável, se coaduna com o de Mircea Elíade, parafraseado por Nicolescu, "O sagrado é, antes de mais nada, uma experiência que é transmitida por um sentimento -o sentimento ‘religioso’- do que liga seres e coisas e, consequentemente induz, no mais profundo do ser humano, a um absoluto respeito para com os outros aos quais ele está ligado por partilhar uma vida em comum na mesma Terra". (NICOLESCU, 2002, p.60).




Na verdade, o homem tem progressivamente se distanciado do contato com o sagrado, desumanizando-se. Em contrapartida, segundo Elíade (1992, p.88), “o comportamento religioso dos homens contribui para a santidade do mundo”. A fim de promover o contato do homem com o sagrado, e concomitantemente com a natureza em uma outra consciência ambiental , propomos a dialética do culto aos orixás, propomos a pedagogia do culto de Ossain, patrono das folhas para o candomblé.


2. Trocando em miúdos


Axé é uma dádiva dos deuses, mas é preciso conhecer as fórmulas rituais corretas, perfeitas, para se chegar a ele. “Ah, mas qual é a folha certa?” - pergunta-se o venerando Idérito de Oxalufã. (Prandi: 1991, p.103) O candomblé de denominação ketu, é religião iniciática e de possessão predominante na Bahia. É dedicado aos orixás e tem destinado rica contribuição à religiosidade de cunho afro-brasileiro.Orixá, termo derivado do iorubá òrìsà, indica divindade que se destaca entre os homens, no mundo da natureza, tendo seu domínio no mundo do transcendente (SERRA, 2006:290) No Brasil, comumente são encontrados dezesseis orixás, sendo cultuados nas casas de axé, dentre eles: Exu, Ogum, Ifá, Oxalá, Ossain, Xangô, Iansã, Oxum, Obá, Iemanjá, Oxosse, Logun-Edé, Oxumaré, Omolu, Ibeji, Obaluaê; interessando-nos mais propriamente o orixá Ossain, vez que nos diversos candomblés é concebido como o “portador do axé das folhas” (SÀLÁMÌ, 1991, p.56) O candomblé tem como referência as divindades africanas, os orixás e seu axé. Em seus rituais, há as chamadas cerimônias privadas, como os ebós, boris e orôs, e as cerimônias públicas, em que os não iniciados têm acesso. As chamadas “festas” de candomblé correspondem a este espaço aberto, momento em que se dá o “toque” aos orixás e toda a comunidade é convidada a viver com os orixás um outro tempo: o Tempo Primordial: tempo em que os orixás estavam sobre a terra e conviviam com os homens. Todo o ritual, seja ele privativo ou social, lega ao mundo um momento de re-ligação com o sagrado, a fim de que a harmonia entre o mundo do “real” e o mundo do “espiritual” seja efetivada.


Mircea Elíade nos propõe o Tempo sagrado como um Tempo mítico, Tempo Primordial, “não identificável no passado histórico, um Tempo original, no sentido de que brotou “de repente”, de que não foi precedido por um outro Tempo, pois nenhum Tempo podia existir antes da aparição da realidade narrada pelo mito. (ELÍADE: 1992, p.66) É o axé dos orixás que nos coloca em contato com este Tempo Primordial. O axé, como toda força, é manipulável, podendo aumentar ou diminuir a depender de como os rituais estão sendo produzidos. No culto aos orixás, tudo veicula axé. Os textos sagrados, mitológicos, as festas, os símbolos, os diversos rituais. Segundo Elbein dos Santos (1986, p.40), a força do axé é transmitida para os seres e os objetos a partir de determinados elementos materiais, de certas substâncias. Ali, o axé se mantém e se renova, de modo que, torna-se fundamental preservar esses “elementos materiais”, a fim de se preservar o axé; de modo que, é sine qua non ao culto aos orixás estar ligado à constante restituição e redistribuição do axé.


É desta lógica que pretendemos tratar em nosso texto. Uma lógica que vai de encontro com os ditames capitalistas e com a forma positivista de entender o mundo (COTRIM, 1991) O mundo capitalista propõe um mundo utilitário, consumista, imediatista, ao passo que a espiritualidade propõe uma outra postura diante do mundo. Estamos convencidos de que o culto aos orixás, prescinde a outra lógica que é a de se relacionar com a natureza, com as folhas, com o Ser no tempo e no espaço, discurso que se coaduna com a permanente e necessária construção do axé. É aqui que Ossain se faz presente.


3. Da presença de Ossain: os mitos e os rituais


Sem folha não tem vida
Sem folha não tem nada
Ewé, Ewé!
Vem salvar as folhas
Vem salvar a natureza
(Maria Bethânia)


Nada se faz no culto aos orixás sem a natureza, sem as folhas que, amparadas por Ossain, deus da vegetação, das folhas e de seus preparados, tem finalidade mágica e medicinal. Ossain está tão ligado às folhas, que é como se o vocábulo “folhas”, fosse-lhe um sinônimo, sua metonímia, seu símbolo. Sem Ossain não há folhas, sem folhas não há orixás. Não á toa é Ossain quem vai dar “uma folha para cada orixá”, permitindo-lhes o uso, mas guardando para si os segredos mais profundos. “Ossain não conta seus segredos para ninguém,/Ossain nem mesmo fala./Fala por ele seu criado Aroni./Os orixás ficaram gratos a Ossain/e sempre o reverenciam quando usam as folhas (PRANDI, 2001, p.153) Ossain é um orixá de trato extremamente delicado, uma vez que está intimamente ligado ao culto dos ancestrais femininos e masculinos, além de ter contato permanente com Orunmilá, o deus do destino. É ele um grande feiticeiro, que mora nas profundezas das matas e conhece os des-caminhos da alta magia. É senhor da vegetação e da floresta, seu defensor, profundo conhecedor das plantas. Seus mitos dão conta de que desde muito pequeno Ossain “andava metido mata adentro./Conhecia todas as folhas e seus segredos./De cada qual sabia o encantamento apropriado./Sabia empregá-las na cura de doenças e outros males. (PRANDI, 2001, p.155) É Ossain quem dirá a Orunmilá quais plantas podem ser cortadas e quais têm valor medicinal, miraculoso.Orunmilá acaba por interessar-se pelas folhas e pela sabedoria de Ossain, “e assim Ossain ajudava Orunmilá a receitar/e acabou sendo conhecido como o grande médico que é. (PRANDI, 2001, p.152) Seu emblema é uma barra central de ferro, rodeada de outras seis, com um pássaro de ferro sobreposto simbolizando uma árvore de sete ramos com um pássaro acima. Outro mito que nos faz lembrar a relação de Ossain com os pássaros e a alta magia daí proveniente, conta-nos que após subir em uma árvore de obi -sagrada para os cultuadores de orixá-, produz “um canto irresistível, de um passarinho das matas de Ossain./Mas o canto era de Ossain, imitando o pássaro/(...) Ossain desde então é identificado com o pássaro. (PRANDI, 2001, p.156)


Importa-nos, sobretudo, atentar para os seguintes pontos (i) a relação de Ossain com o pássaro, que simboliza seu alto poder de magia e de contato com as senhoras da procriação, as mães sagradas. No mito, é através de seu transformar-se no pássaro que ele consegue seu objetivo, casar-se com a filha do rei, signo de nobreza. Por outro lado, arriscamos, parafraseando Verger (1992, p.24), a compreender o alto poder construtivo/destrutivo de Ossain, graças às suas relações com as mães sagradas. Salta-nos o texto “Ossain vinga-se dos pais por o deixarem nu”, no qual Ossain manipula o ebó para agredir seus familiares, mata seu próprio filho com receio de que ele o ataque, queimando-o até obter um pó preto e, com esse pó, cura o rei de uma enfermidade. Com isso, Ossain recebe a proteção do rei, que com ele divide suas riquezas. (PRANDI, 2001, p.156-7); (ii) a relação de Ossain com o ferro, símbolo do “sangue” preto ligando-o a este axé; (iii) sua simbologia de procriado, que descende da relação folha-pena (SANTOS, 1986, p.92); (iv) o número seis formado pelas astes -símbolo do par, valor da ordem, do equilíbrio; (v) a aste central que, somada as seis outras astes, alude ao número sete, ímpar, signo do desequilíbrio, da passagem, da transformação, da transmutação, da alta magia (SERRA, 2006 , p.296); (vi) sua ligação com outros orixás caçadores e signos de alta magia, como Oxossi e Ogum; (vii) sua ligação com Exu, uma vez que ambos configuram-se como extremos manipuladores da magia e do axé. Há um texto mitológico que nos leva a apontar esta ligação: “Ossain vem dançar na festa dos homens”. Seus versos finais são esclarecedores: “Ele viera dançar com os homens/e quem sabe, levaria os seus pedidos aos outros orixás.” (PRANDI, 2001, p.158) Essa qualidade de “levar pedidos”, a princípio é de Exu, o orixá Elebó -carregador de ebó- que, sem Ossain, vê esta empreita dificultada.


Mais acima nos remetemos às celebrações públicas no culto. Poderíamos agora fazer um recorte sobre a poética de Ossain nestas festas. Em diversos terreiros podem ser vistas, quando se canta para este orixá, folhas devidamente preparadas sendo lançadas no barracão, e os cultuadores pegando-as antes que caiam no chão e passando-as no corpo, solicitando a proteção de Ossain, pedindo-lhe que permita que as folhas emanem seu axé e assim, restituindo-se o poder dos homens e dos orixás. Há, neste sentido, um profundo respeito pela natureza sendo construído. Verger (1992, p.85-90), ao apresentar texto do Odu Òsé óyèkú corrobora com nossa afirmativa:


Obarixá ama o efun (pó branco).


Obaluaê ama o osun (pó vermelho).


Ogum ama o carvão,


Odudua ama a lama.


Obarixá pega a cabaça de efum.


Desde aquele tempo, com sementes de kola brancas e sementes de kola vermelhas, eles adoram Odù. (grifos nossos).


Os orixás “necessitam” da natureza para reformular suas atividades, e dialeticamente, os cultuadores “necessitam” da natureza e de seus “elementos materiais” para invocar seus deuses. É no território dos reinos animal, vegetal e mineral que o axé re-nasce, pois são elementos portadores de axé. Segundo Elbein dos Santos, estes “elementos de fundamento” podem ser divididos em três categorias: “sangue vermelho”, “sangue branco”, “sangue preto”, sem os quais, o culto aos orixás simplesmente se desconstrói (1986, p.41) O candomblé, portanto, é uma religião ágil, mutante, dinâmica, sendo seus saberes transmitidos oralmente ao longo dos anos e da prática dos iniciados no culto (VERGER, 1995, p.20) É por meio da oralidade que se transmite o axé, o poder dos orixás e de suas plantas. Ou como quer Silveira (2004), educa-se pelo silêncio.


Elbein dos Santos (1986, p.91) nos conta que "As folhas nascidas das árvores, e as plantas constituem uma emanação direta do poder sobrenatural da terra fertilizada pela chuva e, como esse poder, a ação das folhas pode ser múltipla e utilizada para diversos fins. Cada folha possui virtudes que lhes são próprias e, misturadas a outras, formam preparações medicinais ou mágicas, de grande importância nos cultos, onde nada pode ser feito sem o uso das folhas".Vejamos como as lógicas são diferentes: para a medicina ocidental, o conhecimento dito válido é o do nome científico das plantas e suas características farmacológicas, enquanto que para o culto dos orixás o fundamental é o conhecimento dos ofó (as encantações) e as misturas. Amarrando esta idéia com o texto mitológico, “Ossain, contudo, deu algumas folhas para cada orixá,/deu algum ewé para cada um deles./Cada folha com seus axés e seus ofó,/que são as cantigas de encantamento,/sem as quais as folhas não funcionam. (PRANDI, 2001, p.154) O “sangue” das folhas, portanto, é sagrado, e como tal traz consigo o poder do que nasce, sendo um dos mais poderosos axé dos iorubás. Lühning (2006, p.304) uma das principais pesquisadores de Pierre Verger no Brasil, também se reporta a classificação das plantas dicotomizando o saber da botânica oficial, seu Systema Naturae e aquele produzido pelo “sistema nativo iorubá”. Os iorubás entendem as plantas pautadas em suas características: (i) de acordo com sua superfície (áspera, lisa, cheia de cabelos que queimam, seu cheiro, cor, se solta tinta); (ii) se a folha se fecha a noite; (iii) se a planta produz sementes que grudam; (iv) de acordo com seu sabor característico. Lühning (2006, p.313) inclusive acresce que há uma separação entre o saber oficial e o popular, sendo que o primeiro goza de privilégios sobre o segundo. Todavia, entende a pesquisadora, ser esta uma lógica questionável, “inadmissível”, principalmente em um país como o Brasil, em que as pessoas são excluídas do saber dito erudito. Importa à dinâmica dos orixás o saber empírico-popular, a relação com as forças da natureza e com os deuses, sobretudo, com Ossain (VERGER, 1995, p.23) Assim, a manipulação das energias presentes na natureza não se dá sem se conhecer o axé, sem a ele estar apto. Há também que se conhecer as encantações, percebendo as folhas como sendo representantes e representadas pelo procriado (SANTOS, 1986, p.91) Como nos ensina o babalaô: "Essas encantações-jogos de palavras têm uma grande importância nas civilizações de tradição oral. Sendo pronunciadas em orações solenes, podem ser consideradas como definições e com freqüência são as bases sobre as quais o raciocínio é construído.Servem também como conclusão e prova final nas histórias transmitidas de geração a geração de babalaôs, e expressam o ponto de vista da cultura iorubá e o senso comum de seu povo.(VERGER, 1995, p.24)


4. Pensando em concluir: por uma outra consciência ambiental.


Ewé n’jé


Oógún n’jé

Oógún tikò jé

ewé rè ní kò pè


As folhas funcionam


Os remédios funcionam


Remédio que não funciona


é que tem folhas faltando.


Estamos convencidos de que enquanto metafísica, o culto aos orixás está muito mais apto a responder às necessidades de proteção ambiental e de desenvolvimento sustentável do que a lógica capitalista ocidental. São os diversos orixás que respondem a esta necessidade: sem as folhas, sem o desenvolvimento sustentável do mundo, não há orixá, não há natureza, não há axé. Na medida mesma em que os orixás são a natureza, sendo dela elementos, tornam-se seus protetores, guardiões, fiscais. A força dos orixás reside em uma dialética: manipulação do axé da natureza, para restituir a natureza humana e seu próprio axé. É este axé revivificado através dos diversos rituais produzidos com as folhas, que conduz o homem em direção ao transcendente, propondo-lhe outra consciência diante do mundo, da natureza, da sociedade. A vida no culto aos orixás adquire sentido à medida que seus cultuadores se apropriam dos mecanismos materiais e simbólicos dos vegetais, respaldados em seus mitos e rituais, veículos de transmissão, manutenção e apropriação de saberes. São diversos os momentos em que isto ocorre nos terreiros. A conexão entre os adoradores dos orixás e seus deuses se dá pela trituração das folhas para compor banhos rituais -os amacis, omierô, abôs-, com os quais os filhos de santo e os objetos do culto são sacralizados. Os filhos de santo também são colocados para dormir durante suas obrigações em esteiras cobertas com folhas características de seu orixá e/ou do “fundamento” que está sendo manipulado. Os alimentos são envolvidos em folhas, é através delas que os compostos mágicos são potencializados (SILVA, 1995, p.208) Assim, por meio de um contato dinâmico de restituição do axé, os cultuadores dos orixás vão promovendo um novo diálogo com a natureza. É dela que se extrai e nelas e devolve elementos significativos para a manutenção do sistema ritualístico. É na natureza, na floresta, em suas plantas que se dá o encontro com Ossain, com Oxóssi e Ogum. É através deste mecanismo ritualístico que se processa o encontro do homem com o ser transcendental, caminhos para uma outra consciência ambiental.


Referências Bibliográficas


ANDRADE, Sueli Amália de. Bases filosóficas do pensamento ambiental. In: Educação Ambiental: curso básico à distância: questões ambientais: conceitos, história, problemas e alternativas. LEITE, Ana Lúcia Tostes de Aquino, MININI-MEDINA, Naná (orgs.), 2000, 4v.


COTRIM, G. Fundamentos da filosofia para uma geração consciente. São Paulo: Saraiva, 1991.


ELÍADE, Mircea. O sagrado e o profano. São Paulo: Martins Fontes, 1992.


GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.


LÜHNING, Ângela. Ewé: As plantas brasileiras e seus parentes africanos. In: CAROSO, Carlos. BACELAR, Jéferson (orgs.). Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. 2.ed. Rio de Janeiro: Pallas; Salvador, BA: CEAO, 2006.


MININI-MEDINA, Naná. Relaciones históricas entre sociedad, ambiente y educación. In: Apuntes de Educación Ambiental 4. Montevideo, 1989.


NICOLESCU, Basarab. Fundamentos Metodológicos para o Estudo Transcultural e Transreligioso. Conferência proferida no II Encontro Catalisador do CETRANS da Escola do Futuro da USP, realizado no Guarujá, São Paulo, de 8 a 11 de junho de 2000. In: Educação e transdisciplinaridade, II/coordenação executiva do CETRANS. -São Paulo: TRIOM, 2002.




PRANDI, Reginaldo. Os candomblés de São Paulo: a velha magia na metrópole nova. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, HUCITEC, 1991.


. Mitologia dos Orixás. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

SÀLÁMÌ, Síkírù. Cânticos dos orixás na África. São Paulo: Oduduwa, 1991.


SANTOS, Juana Elbein dos. Os Nagô e a morte: Pàdê, Àsèsè e o culto Égun na Bahia. Petrópolis: Vozes, 1986.

SANTOS, Milton. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro: Record, 2006.


SERRA, Ordep. A etnobotânica do candomblé nagô na Bahia: Cosmologia e estrutura básica do arranjo taxonômico. O modelo da liturgia. In: CAROSO, Carlos e BACELAR, Jéferson (orgs.) Faces da tradição afro-brasileira: religiosidade, sincretismo, anti-sincretismo, reafricanização, práticas terapêuticas, etnobotânica e comida. 2.ed. Rio de Janeiro: Pallas; Salvador, BA: CEAO, 2006.


SILVA, Vagner Gonçalves da. Orixás da metrópole. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.


SILVEIRA, Marialda Jovita. A educação pelo silêncio: o feitiço da linguagem no candomblé. Ilhéus, BA: Editus, 2004.


VERGER, Pierre. Orixás: deuses iorubás na África e no novo mundo. Salvador: Corrupio, 2002.


. Artigos. Salvador: Corrupio, 1992.

. Ewé: o uso das plantas na sociedade iorubá. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Nenhum comentário:

Postar um comentário