Trabalhar no sentido da preservação do meio ambiente é dever de todos, pois osseres viventes precisam de água, ar e ervas para a manutenção da vida. Todos os seres racionais e irracionais são apegados a ela, todos têm o dever e o direito de preservar a vida, por isso devemos cuidar da natureza e tudo que a ela pertence.
Os orixás são representados pelas forças da natureza: água, terra, fogo e ar. Sem esses elementos e sem as folhas, não tem orixá; em conseqüência, os que cultuam essas forças, têm o dever de preservar a natureza acima de tudo. As folhas e as águas doces e salgadas representam a natureza; não só para adeptos do candomblé, mas para todos os seres viventes do reino animal e vegetal.
Os cultuadores dos orixás trabalham, celebram, vivem e morrem manuseando folhas e águas. Por este motivo, a natureza é de essencial importância para o funcionamento da religião. Segundo Nanã, Ebami,(pessoa com mais de sete anos no culto), do terreiro Opô Afonjá, localizado no São Gonçalo do Retiro; “No culto aos orixás, a natureza é força maior, e sua preservação se fez absolutamente necessária. Todos os seres do mundo homem, animal ou vegetal, precisam de água para todos os fins; com água e folhas fazem-se remédios, mesmo nos produtos químicos, alguma porcentagem mesmo que mínima de erva faz parte, o que nos torna defensores da natureza”.
No terreiro visitado, Opô Afonjá, há como em todo terreiro uma grande área de vegetação, composta de árvores e plantas de várias espécies, destas são retiradas às ervas para os cultos, remédios e trabalhos espirituais.
Não tem como falar de vegetação sem falar do orixá responsável pelas matas e florestas, o detentor do poder de cura através das ervas, Ossain, o chamado de o rei das folhas. Este orixá é conhecido como o protetor dos médicos, farmacêuticos e de todos que fazem remédios que tratam da saúde.
O autor Reginaldo Prandi, em seu livro Mitologia dos orixás nos conta uma pequena história sobre este Orixá:
Ossain dá uma folha para orixá - Um dia Xangô que era deus da justiça, julgou que todos os orixás deveriam compartilhar o poder de Ossain, conhecendo o segredo das ervas e dom da cura. Xangô sentenciou que Ossain dividisse suas folhas com os outros orixás, mas Ossain se negou a dividir suas folhas. Logo Xangô ordenou que Iansã, deusa da tempestade soltasse o vento e trouxesse ao seu palácio todas as folhas das matas de Ossain para que fossem distribuídas aos orixás. Iansã fez o que Xangô determinara. Gerou um furacão que derrubou as folhas das plantas e as arrastou para o palácio de Xangô. Ossain percebeu o que estava acontecendo e gritou: “Euê uassá! – As folhas funcionam!”. Ossain ordenou as folhas que voltassem as suas matas e as folhas obedeceram às ordens de Ossain. Quase todas as folhas retornaram para Ossain. As que estavam em poder de Xangô perderam o axé, perderam o poder de cura.
O orixá rei, que era justo, admitiu a vitória de Ossain. Entendeu que o poder das folhas devia ser exclusivo de Ossain e que assim devia permanecer através dos séculos. Ossain, contudo, deu uma folha para cada orixá, deu uma a euê para cada um deles. Cada folha com seus axés e seus ofós, que são cantigas de encantamento, sem as quais as folhas não funcionam. 0ssain distribuiu as folhas aos orixás para que eles não mais o invejassem. Eles podiam realizar proezas com as ervas, mas os segredos mais profundos ele guardou para si. Ossain não conta seus segredos para ninguém, Ossain nem mesmo fala. Os orixás ficaram gratos a Ossain e sempre o reverenciam quando usam as folhas.
Apesar de Ossain ter uma grande importância no candomblé o IroKo (orixá representado por uma árvore, gameleira branca) também é muito importante. Pois no seu pé é assentado após o termino das obrigações, todas as oferendas de outros orixás, e o tronco é enfeitado com um ÒJÁ FUNFUN - pano branco.
Edson Eder, ogãn da Casa Branca, conta a importância e a história deste orixá. “Iroko representa o tempo. Foi a primeira árvore da terra. Existe desde o princípio dos tempos a tudo resistiu e a tudo resistirá... Este orixá traz fertilidade para as mulheres. Tem uma lenda mesmo que diz que uma mulher pediu um filho a Iroko e que ela daria a criança como oferenda. Iroko lhe deu o filho que tanto queria, mas a mulher por amor ao seu filho não cumpriu com a promessa. Um dia quando a criança brincava a mãe foi buscá-la e Iroko a lembrou de sua promessa, Iroko pegou a criança para si. A mãe desesperada consultou um adivinho, que mandou ela fazer um boneco de madeira e colocar nos pés de Iroko, quando ele estivesse dormindo. Feito isso, a mãe recuperou seu filho e Iroko até hoje tem a seus pés o boneco de madeira como se fosse sua criança”.
Uso das folhas - Pierre Verger, em seu livro Ewé, coloca que se para a medicina ocidental o conhecimento do nome científico das plantas usadas e suas características farmacológicas é o principal, em uma sociedade tradicional o conhecimento dos ofós, encantações transmitidas oralmente é essencial. Neles encontramos a definição da ação esperada de cada uma das folhas que entram na receita.Conseqüentemente, entre os iorubás, a preparação dos remédios e trabalhos mágicos, devem ser acompanhados por encantações, (ofós), com o nome da planta, sem as quais esses remédios e trabalhos não agiram. Conforme já foi dito.
Entre os iorubás os ofós são frases curtas nos quais muito freqüentemente o verbo que define a ação, o verbo atuante, é uma das sílabas do nome da planta ou do ingrediente empregado. Tal é o caso de uma receita para chamar boa sorte (àwúre oríre): deve-se usar ajifá bi àlá (IPOMOEA CAIRICA), às quais se adicionam afárá oyim (favo de mel), queima-se tudo até obter um pó preto, que é misturado com azeite de dendê e lambido por aquele que deseja obter boa sorte. O verbo atuante é fó (rere) -para trazer boa sorte, uma sílaba incluída em todos os nomes dados.
Existem várias plantas cuja presença, a primeira vista, parece ter somente um caráter simbólico mais que, na realidade, tem valor terapêutico. A exemplo de duas plantas aquáticas, ojú oro (PISTIA STRATIOTES, Araceae, a alface d’ água) e òsíbàtà (NYMPHEA LOTUS, Nymphaceae, o lótus), que em seus ofós evocam a idéia de superioridade e dominação as frases que seguem:
Ojú oró ni í lékè omi – Ojú oró está sobre a água.
Òsíbàtà ni í lékê odò – òsíbàtà está sobre o rio.
Nessas encantações, os nomes de folhas são acompanhados de duas a três linhas descrevendo suas qualidades naquele caso em particular. A uma certa folha podem ser atribuídas virtudes diferentes segundo sua associação com um ou outro conjunto de folhas, pois elas entram na composição de diferentes preparações medicinais.
Na terra em iorubá, a nomeação das plantas leva em conta suas características: cheiro, cor, textura das folhas, reação ao toque provocada pelo seu contato, entre outro. Como cada orixá tem sua folha, ela tem uma característica pessoal. Uma planta de Oxum será classificada como doce independente do gosto; uma planta de Yemanjá será salgada. Esses e outros fatores levam a atribuir uma planta a Oxum ou Yemanjá.
Pode-se assim concluir que para o candomblé, é de grande importância o entendimento e o conhecimento das folhas e seus respectivos patronos, pois estes indicarão qual será a sua finalidade. Para você leitor pode ser complicado ouvir e falar sobre as plantas, porque é muito complexo, vai alem da simples colheita. Envolve ritos que vão desde a consulta e até a indicação, coleta, manipulação e a administração do preparo.
O papel sagrado e terapêutico, aparentemente diferente, dificilmente poderá ser dissociado um do outro como afirma vários estudiosos sobre o assunto, a exemplo de Ordep Serra, Pierre Verger e José Flávio Pessoa de Barros.
A sacralização das plantas usadas como remédio, acontece quando estas passam a fazer parte dos rituais de cura, guiadas por divindades ou entidades que administram esses objetos sagradas que são as plantas.
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