CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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terça-feira, 2 de novembro de 2010

A Morte na cultura africana

Cotidiano da vida em uma aldeia


Em nossa sociedade, o medo da morte faz parte do cotidiano das pessoas. Elas fazem de tudo para aumentar os seus anos de vida, lançando mão dos recursos da medicina e até de crenças religiosas inescrupulosas. No entanto, nesta mesma sociedade, reina uma cultura de morte: o aumento da indústria bélica, o tráfico de drogas e o desrespeito ecológico. Diferente é o que acontece na cultura africana da qual damos o exemplo na Costa de Marfim







RESPEITO À MORTE



a cultura africana, o morrer com idade avançada e ter um funeral digno (com muita festa) são sinônimos de uma boa morte. Em vista disso, muitas pessoas preparam de antemão o seu próprio funeral, guardando dinheiro e encarregando pessoas para se ocuparem da cerimônia fúnebre.



A morte de um membro da tribo não interessa somente à sua família ou ao grupo de parentes e amigos, mas envolve todos os aldeões. Por isso, quando morre um membro na aldeia, a família não pode publicar a sua morte ou manifestar seu sentimento de desconsolo antes que a notícia seja comunicada ao chefe da aldeia. Será ele que, em seguida, dará ordens ao tocador de tambor para que convoque a população na praça pública, debaixo de uma árvore, lugar do anúncio oficial de qualquer notícia importante.



O som do "tambor-falante" (realmente existe uma linguagem codificada no som do tambor, que é ritmado com sons alternados) é entendido à distância e cada aldeão deixa imediatamente seus afazeres, mesmo estando na roça, para participar do anúncio da partida de um dos seus, para a "aldeia dos antepassados". Somente depois que a notícia é dada, todos os presentes, do menor ao maior, para manifestar seus sentimentos de pesar, terão que chorar um pouco, nem que sejam "lágrimas de crocodilo". Em seguida, um ancião consola a todos e juntos vão para a casa do falecido.



Chegando lá, os anciãos tomarão as decisões mais urgentes para o bom andamento do funeral: - quem vai lavar o cadáver? - quem vai cavar a cova fúnebre? - qual a religião que o falecido praticava, para que sua crença seja respeitada? (na região da Costa do Marfim, onde trabalhei, predominavam as religiões muçulmana, animista e católica) - quem vai organizar a dança fúnebre? - quem vai dar a notícia às outras aldeias vizinhas? Essa última função é reservada ao chefe e seus notáveis. Só eles podem dar o anúncio oficial da morte de algum membro da aldeia, dando a impressão de que o chefe é o "proprietário" de todos os aldeões.




EXPOSIÇÃO DO MORTO



Depois de lavado o corpo do defunto, ele é exposto para a visitação dos aldeões. Não existe uma regra única para a exposição do cadáver - isso depende do status social do falecido ou do que ele mais gostava em vida. Se ele era um chefe, será revestido de toda a sua indumentária tradicional e contará com a presença de suas serventes, que passarão o tempo todo espantando as moscas e insetos que se aventurarem a pousar sobre o corpo.



No caso de uma moça bonita, depois de bem vestida e ornamentada com bijuterias, será exposta sentada numa cadeira, com as costas apoiadas na parede, os olhos abertos e as mãos apoiadas sobre os joelhos. Dessa forma, os visitadores poderão contemplar ainda a sua beleza.



Nesta postura, acreditam, ela se alegrará com o espetáculo da dança que será feito em sua honra. Quando o falecido é um rapaz que gostava de jogar futebol, terá ao seu lado uma bola, um apito, e seus colegas lhe prestarão uma homenagem, como se estivessem jogando uma partida de futebol.



SEPULTAMENTO



Antes do momento do enterro, muitas pessoas trazem uma peça de pano, às vezes de qualidade, para oferecer ao defunto, que será embrulhado nele. Serão estes panos, conforme a crença, que ele apresentará aos seus antepassados que estão em outra vida, dizendo-lhes: "Veja o que meus parentes e amigos me ofereceram; eles foram generosos para comigo". Desta forma, os antepassados continuarão a abençoar e proteger aquela aldeia e todos os seus habitantes.



As pessoas oferecem também animais domésticos (galo, cabrito, carneiro ... ), para serem sacrificados em sua honra ou servidos como alimento para os visitantes. Nada daquilo que foi doado poderá ser guardado, tudo deve ser oferecido em sacrifício ou utilizado nos dias que sucederão a cerimônia fúnebre. O termômetro para determinar o quanto uma pessoa foi amada em sua vida terrena é medido pelos dons e pela solenidade da cerimônia fúnebre (dança, música, comida, bebida, visitantes ... ). A duração da cerimônia é de três dias para as mulheres e de quatro dias para os homens. Naturalmente, devido ao intenso calor que reina no solo africano, o sepultamento é feito num espaço de 24 horas.



MOMENTO FORTE DE EVANGELIZAÇÃO

A celebração de um funeral é, para nós missionários, uma excelente ocasião para fazer pastoral e apresentar aos africanos a teologia da fé cristã sobre a morte.


Isso porque temos diante de nós toda a população, da aldeia enlutada e das aldeias vizinhas, que vem compartilhar a dor dos irmãos de sangue.


 Entre todos existe um respeito muito grande pela religião que oficializa a cerimônia. As nossas celebrações religiosas fúnebres são bem aceitas porque, além de apresentar a novidade cristã sobre a morte, foram pr

ogressivamente inculturadas, preservando o ritual tradicional que é permeado de danças e músicas que acompanham a oração e a meditação.



Mesmo quando o falecido era de outra religião, eu sempre fazia questão de participar dos funerais. Era uma ocasião para tornar-me conhecido pelo povo e, participando de um dos acontecimentos mais marcantes dentro da cultura africana, conquistar a amizade e a confiança, elementos básicos para uma eficaz evangelização. Diz um sábio provérbio africano: "A esteira da morte está estendida na frente de todos os mortais".



Certo dia, um idoso chamou-me ao quarto dele e, com uma alegria enorme estampada no seu rosto, mostrou-me o seu caixão fúnebre e os tecidos chiques que seriam utilizados no dia do seu enterro. Sem contar ainda, uma vez, em que levaram-me para dormir num quarto escuro. Quando entrei, não percebi nada de estranho, mas com o raiar do dia vi que tinha do lado oposto da cama um caixão fúnebre. Então perguntei ao dono da casa o porquê daquilo e ele tranqüilamente me disse que aquele caixão estava reservado para o seu pai, que já era idoso ...



Quando morre um chefe, a sua morte não é anunciada imediatamente. Às vezes, passam-se meses para o anúncio oficial, dando assim tempo para se fazerem os devidos preparativos. Então, para atenuar a morte, usam a expressão: "o chefe está com dor no pé". Assim, todo mundo sabe que ele já faleceu, mas ainda é proibido falar ou chorar a sua morte. Para exprimir a compaixão de todos os habitantes da aldeia com a morte do seu chefe, os idosos dizem, em linguagem proverbial: "A árvore que dá frutos doces, dá também frutos azedos".


Revista "MUNDO e MISSÃO"


Cultura - Culturas

p Toninho Nunes

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