Este artigo conclui nossa primeira matéria: “Como tudo começou”, para melhor compreensão do mesmo sugiro ler os dois artigos iniciais:
1º Como tudo começou.
2º O surgimento do Órun.
Conforme explicado nos artigos acima, Olódùmarè é a origem de tudo que existe. A partir Dele “àse” (poder da realização) mantem o Universo em funcionamento, portanto Ele é o “gerador” que sustenta a vida.
Comentário: Conforme o artigo 2º: “Eu utilizo a expressão “Ele”, mas também não podemos dizer que Olódùmarè possua polaridade (masculino/feminino), é apenas uma figura de linguagem”.
Existem vários nomes associados à Fonte, no Brasil é comumente chamado de Ólórun que significa (o proprietário do Céu), contudo precisamos lembrar que Ólórun está presente em toda Criação, já que Ele forneceu a matéria prima para a construção tanto do reino invisível (Órun) quanto do reino visível (Ayé).
A forma como a Criação ocorreu, se houve participação direta Dele ou não é um assunto polêmico. Alguns autores afirmam que foi Olódùmarè diretamente quem coordenou a Criação, outros, contudo dizem que foram as Divindades por Ele criadas, o fato é que neste assunto não há uma forma única de expressar o conceito. Alias algo que precisa ficar claro, dentro do contexto religioso, principalmente baseado na cultura Yorùbá, onde a oralidade foi à forma encontrada para passar adiante o conhecimento, nada pode ser considerado absoluto. Os conceitos existentes hoje foram acumulados e desenvolvidos ao longo do tempo, receberam influência de varias culturas e se organizaram em famílias religiosas, portanto, existem várias visões que devem ser respeitadas, desde que sigam um processo no mínimo coerente.
Este estudo é fruto de orientações passadas dentro da minha família religiosa e pesquisa pessoal na literatura disponível, baseado nisso entendo que Olódùmarè delegou atribuições as Divindades e da mesma forma que nós temos liberdade para pensar e tomar decisões, as Divindades também. É claro que durante este complexo processo foram criados mecanismos que regulam o funcionamento da Criação, é necessário existir estabilidade para que tudo funcione, portanto as Divindades possuem certos limites, que eu gosto de chamar de “domínios”, assim cada uma Delas cuida de funções especificas.
Comentário: Conforme o 1º artigo: “Ifá ensina que cada Divindade possui total independência, podendo agir e atuar como quiser, salvo por limitações (leis e mecanismos reguladores) que controlam alguns aspectos dessa questão (assunto será tratado em próximas postagens). Olódùmarè então criou uma equipe de Divindades com funções especificas visando o interesse de controlar e manter a Criação em funcionamento, que serão explicadas nas próximas postagens”.
Portanto a Criação do mundo físico foi realizada pelas Divindades criadas por Olódùmarè e não por Ele diretamente. Em matéria futura explicarei a criação do Ayè, onde Olódùmarè fornece a matéria prima, mas quem executa o processo em sí foi outra Divindade.
A palavra Olódùmarè possui diversas traduções. Ele é comumente citado em Ifá como a Fonte da luz da branca. Luz branca é uma referência para aquilo que contem tudo que existe, sabemos que fisicamente a luz ao atravessar um prisma se divide em vários raios de cores diferentes, ou seja, essa é uma referencia ao fato de Olódùmarè “gerar” vários tipos de energia/matéria distintas.
Outra tradução possível para a palavra Olódùmarè seria: “Oló Odù Osumarè”, ou seja: “o espirito do ventre da serpente do arco-íris”.
Comumente Olódùmarè é descrito como vivendo no fim do arco-íris e também há citações relacionando Ele com a serpente. O símbolo da serpente associado à Divindade é encontrado em várias culturas. Para nós em Ifá, as escamas simbolizam o DNA espiritual que cresce de um único ponto expandindo-se. Outra interpretação para essa palavra poderia ser: “A serpente dona do pote, ou ainda, a serpente que vive no pote”, Odù pode ser traduzido como pote ou útero, todos os termos nos dão noção de que Ele guarda a origem de tudo, tudo vem Dele e segundo Ifá, um dia voltará para sua forma original.
O símbolo do arco-íris também demonstra a distância que estamos Dele, ou seja, segundo Ifá ele vive no final do arco-íris, enquanto nós estamos na sua base. Quando eu falo em “distância”, não estou falando em acesso, mas sim em percepção e interpretação. É muito difícil para nós definir a natureza da Fonte, justamente porque nossa mente ainda é bastante limitada, qualquer descrição da sua natureza é baseada em nossos valores, que com certeza não refletem em nada a grandiosidade de tal energia.
Infelizmente não há abundância em documentação formal que fale a respeito da Fonte, vamos fazer uso de um Oríkì da obra do Babalawo Fa’lokun Fatunmbi: “Dafá: The Ifá Concept of Divination and the Process of Interpreting Odu”, página 13 da versão digital.
Olódùmarè, mo ji loni. Mo wo’gun merin aye.
Criador, eu saúdo o novo dia. Saúdo as quatro direções que criaram a terra.
Igun ‘kini, igun ‘keji, igun ’keta, igun ‘kerín Olojo oni
O primeiro canto, o segundo canto, o canto mais longo, o quarto canto, são os proprietários do dia de hoje.
Gbogo ire gbaa tioba wa nile aye. Wa fun mi ni temi.
T’aya —t ‘omo t’egbe – t - ogba,
Eles nos trazem a boa fortuna (boa sorte) que sustentam a vida na Terra. Eles nos trazem todas as coisas que sustentam meu espirito.
Comentário: Como podemos notar é Olódùmarè quem envia a boa sorte, este termo em Ifá está relacionado às bênçãos que vem as nossas vidas. A energia que mantem a vida na terra provê Dele. Vale reforçar, “provê” no sentido que Ele é a fonte disso. Além de manter a terra viva, também mantem nosso espirito, sustentando a imortalidade.
wa fi yiye wa. Ki of f’ona han wa. Wa fi eni —eleni se temi,
Com você nada falhara, nós agradecemos pela estrada que você criou, nada pode bloquear o seu poder.
Comentário: Ele, portanto é completo, pois nada que faça irá falhar. Podemos entender aqui o conceito de perfeição atribuído a Ele e sua supremacia perante toda Criação. Apesar de alguns autores defenderem que Olódùmarè não interfere nos processos do Universo, eu particularmente discordo, pois existem vários mitos onde as Divindades recorrem a Ele em situações de conflito e o mesmo intervêm.
Alaye o alaye o. Afuyegegege meseegbe. Alujonu eniyan ti nf’owo ka le.
Louvamos a Luz da Terra, isto é o que sustenta a abundância da Criação.
Comentário: Novamente notamos sua função de Fonte geradora da Criação.
A ni kosi igi meji ninu igbo bi obi. Eyiti o ba ya’ko a ya abidun - dun —dun —dun. Alaye o, alaye o.
Ele nos traz o alimento da floresta. Ele nos traz coisas doces para nossas vidas. Louvamos a Luz da Terra. Louvamos a Luz da Terra.
Nota: Gostaria de esclarecer que eventualmente a grafia Yorúbà deste Oríkì pode não estar totalmente correta, visto que foi coletado pelo autor em suas viagens a África e trata-se de “Yorúbà antigo”, traduzir texto sagrado nem sempre é uma tarefa simples.
Segundo o autor Ayo Salami em sua obra “Yorúbà Telogi y tradicion”, a Olódùmarè são atribuídos as seguintes qualidades:
Oba tí kìí kú
O rei que nunca morre
Oba tí kìí arùn
O rei que nunca fica doente
Oba tí kìí tòògbé
O rei que nunca descansa
Oba tí kìí sùn
O rei que nunca dorme
O verso acima demonstra que a fonte supera as deficiências humanas, como o fato dele nunca morrer, nunca ficar doente e estar sempre ativo.
Ainda na mesma obra Ayo Salami nos brinda com o seguinte ensinamento extraído do Itan do Odù Ògúndá Ìròsún:
Ìgbò awo Òrun
Ìgbò o sacerdote do Céu
A difá fún Olódùmarè
Foi quem consultou Ifá para Olódùmarè
A faso omi kólé
Aquele que constrói sua casa com água
Látìgbàdégbà
Desde os tempos imemoriais
Èyí tó wu Olódùmarè níí se
O que Olódùmarè quiser, Ele faz
Bó tó wu Olódùmarè a ta dúdú
Se Olódùmarè quiser, envia uma novem escura
Èyí tó wu Olódùmare níí se
O que Olódùmarè quiser, Ele faz.
Ògúndá Ogbè:
Èbá ìlú dùún gbé
As redondezas da cidade são agradáveis para viver
Ìkòkò ìlú dùún rìn
Locais solitários da cidade são agradáveis para caminhar
Báa bá dá Ògúndá borí Ogbè sìlè
Se colocarmos Ògúndá e Ogbè na bandeja
Gbogbo awo a féé jé
Todos os sacerdotes gostariam de comer
Gbogbo awo a féé um
Todos os sacerdotes gostariam de beber
Omo awo a fìdí òrèrè balè
Os iniciados estariam esperando
A difá fún Olódùmarè a gòtún
Foram eles que consultaram Ifá para Olódùmarè
Olomo a téní fo´ri sapeji omi
O Ser que se estende como uma nuvem e usa sua cabeça como se fosse nuvens de chuva.
Tí ó móo sohun gbogbo bíidan bíidan
Que estaria fazendo tudo pela arte da magia
Kò sóhun tÓlórun ò le se
Não há nada que Ólórun não possa fazer
Bó bá sòjò
Se ele quiser faz chover
A sòdá
E haveria seca
A sèkan a mú bí otútú
Faria ficar frio.
A sèkan a mú bí oyé
Faria ficar quente
Bó wu Olódùmarè a se dúdú
Se Olódùmarè quiser faz uma nuvem negra
Bó wu Olódùmarè a se funfun
Se Olódùmarè quiser faz uma nuvem branca
Bó wu Olódùmarè a se àyìnrín
Se Olódùmarè quiser faz uma nuvem amarela
Bó sì wu Olódùmarè a ta tálà
Ou outra de cor creme
Olá Olórun ga
A graça do Rei do Céu é poderosa
Ó mò ju tèèyàn lo
Ele é mais forte do que o humano.
Os versos acima deixam claro que para Olódùmarè tudo é possível. Sendo Ele superior a humanidade e pode então controlar qualquer coisa na Criação (exceto a liberdade de ação dos seres vivos). Apenas com os versos acima temos como concluir que Ele é a fonte do inicio dos tempos:
“A faso omi kólé, Látìgbàdégbà - Aquele que constrói sua casa com água. Desde os tempos imemoriais”.
A água sempre esta associada com a fonte da vida, por isso ela é citada aqui.
Concluindo então nosso artigo, tentei demonstrar de forma simples algo que não pode ser explicado em sua totalidade, tenho a convicção que Olódùmarè ao desejar a existência de outros seres, tem por eles profundo amor. Não sabemos se a Fonte possui sentimentos da mesma maneira que nós, mas Ele não faria algo tão grandioso por mera diversão. E por isso eu digo:
Ìbà Olódùmarè, Oba àjíkí
Eu saúdo o Criador, o rei a quem louvamos primeiro.
Àse. Bàbáláwo Ifádámiláre Agbole Obemo.
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