IGBÁ — A UTILIZAÇÃO DA CABAÇA RITUALÍSTICA
A cabaça é um fruto vegetal com larga utilização no Candomblé.
É o fruto da cabaceira. Inteira, é denominada cabaça; cortada, é cuia ou coité; e as maiorias são denominadas cumbucas.
Nos ritos do Candomblé, sua utilização é ampla, tomando nomes diferentes de acordo com o seu uso, ou pela forma como é cortada.
Os yorubas, como todos os outros povos, aproveitavam as igbá [cabaças] como vasilhas para uso doméstico e ritualístico. As cabaças, dependendo do seu uso, recebiam nomes diferentes:A cabaça inteira é denominada Àkèrègbè¹, a cortada em forma de cuia toma o nome de Ìgbá².
A cortada em forma de prato é o Ìgbájé
3, ou seja, o recipiente para a comida; a cortada acima do meio, forma uma vasilha com tampa, tomando o nome de Ìgbase
4 ou cuia do Àse, e é utilizada para colocar os símbolos do poder após a obrigação de sete anos de uma Ìyàwó como a tesoura, navalha, búzios, contas, folhas, etc. que permitirão à pessoa ter o seu próprio Candomblé. Ado
5 – cabaças minúsculas são colocadas no Sàsàrà de Omolu, como depósito de seus remédios. No Ógó de Èsù, uma representação do falo masculino, as cabaças representam os testículos.
6 Usa-se uma das partes da cabaça cortada ao meio, e colocada na cabeça das pessoas a serem iniciadas e que não podem ser raspadas por serem Àbìkú, para nela serem feitas as obrigações necessárias.
Com o corte ao comprido, torna-se uma vasilha com um cabo, chamada de cuia do Ìpàdé
7 e serve para colher o material de oferecimento ou para colher as águas do banho de folhas maceradas.Inteira e revestida de uma rede de malha será o Agbè
8, instrumento musical usado pelos Ogans, durante os toques e cânticos.Uma cabaça com o pescoço comprido em forma de chocalho é agitada com as suas sementes, fazendo assim o som do Séré
9, forma reduzida de Sèkèrè, instrumento por excelência de Sàngó.
10 A cabaça inteira em tamanho grande substitui nos ritos de Àsèsè, a cabeça de uma pessoa que morreu e que por alguns fatores não é possível realizar as obrigações de tirar o Òsu. Por fim, pode ser lembrado que a cabaça cortada em forma de vasilha com tampa é conhecida como Ìgbádu
11, a cabaça da existência e contém os símbolos dos quatro principais Odù: Éjì, Ogbè, Òyekú Méjì, Ìwòri Méjì e Òdí Méjì.
ILUSTRAÇÕES:
1 – Akèrègbè – cabaça de bom tamanho [30 a 50 cm], servindo como vasilha paral iguido
2 – Igbá – cabaça cortada em forma de cuia. ÌGBÀ assentamento de Orixá; panela onde se guardam os objetos sagrados dos deuses e se faz o sacrifício.
3 – Ibajé – cabaça cortada em forma de prato. Recipiente para a comida.
4 – ÌGBASE – Cabaça cortada acima do meio, formando uma vasilha com tampa
5 - Ádo - pequena cabaça utilizada para armazenar pós ou remédios. É aquela que se vê nas figuras de Exu, Osaniyn e Obaluaiye.
6 – Cabaça cortada ao meio.
7 – Cabaça do Ipade
8 – Agbé – Inteira e revestida de uma rede Xequere instrumento musical
9 – Séré – cabaça com um longo e fino pescoço. Quando cortada ao meio, serve como uma concha. Quando inteira, serve como chocalho ritualístico para anunciar Xango, sendo chamada então de SÉRÉ Sángo
10 – Cabaça Inteira
11 – Igbadu
12 - Ahá - pequena cabaça servindo como copo ou xícara para tomar remédios e bebidas
13 - Ató - cabaça pequena e comprida, utilizada para guardar remédios
14 - Pòko - ou a metade superior ou a inferior de uma cabaça de forma oval
15 - Igbá kòtò - cabaça larga e alta, usada para guardar ÈkO [um bolo de milho] quente. Tem uma tampa que pode ser usada como funil.
16 - Koto - cabaça grande e larga, semelhante a um cesto em formato.
Na religião Yorùbá, Igbás (awọn igbá) são assentamentos de orixá (òrìṣà). Um assentamento é uma representação do orixá (òrìṣà) no espaço físico, no mundo, no aìyé. Sob o ponto de vista sacro não existem representações humanas de orixá (òrìṣà).
A religião Yorùbá não tem imagens para representar suas divindades, o que representa uma divindade é o seu Igbá, ao olharmos um Igbá é como se estivéssemos olhando para a divindade. Secularmente existem representações em forma de desenhos e esculturas mas que são frutos apenas de criatividade de artistas e não tem uso sacro.
Os orixá (awọn òrìṣà) são adequadamente representados por símbolos e grafismos próprios de cada um e por extensão por outros elementos como folhas, arvores, favas e contas.
Mas o Igbá é a sua representação mais adequada.Vale refazer a afirmação, já explicada em outro material, de que o orixá (òrìṣà) não são elementos da natureza, assim “olhar” o vento não significa olhar para oya, olhar uma pedra não significa olhar para Xango (ṣàngó), olhar para o mar não significa olhar para yemoja, etc..
O mesmo sentimento que um católico tem ao olhar para uma imagem de um santo em sua igreja e altar, o povo de santo tem ao olhar para um igbá.
É muito comum as pessoas, nos seus quartos de santo, “vestirem” seus Igbá com suas roupas de orixá (òrìṣà) como se fosse o próprio orixá (òrìṣà). Contudo, igbá são de acesso muito restrito, de uso exclusivamente sacro e ritualístico, não tem visibilidade pública e ficam guardados dos olhos de todos.
Dessa maneira, cada Igbá representa uma divindade através de um continente (Vaso, invólucro, recipiente) e seu conteúdo, e esse conjunto, continente e conteúdo é específico de cada divindade.
Esses continentes podem ser de porcelana (substituindo cabaças), barro ou madeira e serão empregados distintamente para cada divindade que ele representa. São usados elementos físicos comuns, como tigelas, sopeiras, pratos, bacias e alguidares.
O iniciado no seu processo de feitura (que é distinto de uma iniciação mas muitas vezes essas expressões se confundem) poderá receber um ou vários Igbá, dependendo do seu status na religião e da própria tradição da casa em conduzir este ritual.Mas o igbá não é o orixá (òrìṣà) no aìyé. Essa religião não coloca um orixá (òrìṣà) dentro de uma sopeira, não é uma religião animista.
O igbá representa apenas a ligação entre os 2 espaços, o espaço físico aìyé e o espaço espiritual o Orun (ọ̀run). É uma “ponte” entre os 2 espaços. Sua função não é trazer o orixá (òrìṣà) para o aìyé porque os orixá (òrìṣà) já estão presentes em nossa vida o tempo todo, não existe secularismo na religião.
Sua função é completamente ritualística.O igbá é, de fato, dentro de toda a religião Yorùbá uma dos elementos mais importantes e significativos por traduzir a contínua relação entre o Orun (ọ̀run) e o aìyé. Ele representa o reconhecimento da existência do espaço espiritual, o Orun (ọ̀run), e a ligação perene que existe entre os 2 espaços (ọ̀run-aìyé) na forma de um contínuo duplamente alimentado e da circulação, transformação e reposição de axé (àṣẹ).
Dessa maneira o seu valor não esta somente na sua existência como instrumento ritualístico, como foi ressaltado no início, mas também no que ele representa.
Toda religião tem símbolos e simbolismos. Uma cruz para os católicos representa muito também: todo o significado da paixão e do sacrifício de Jesus.
Assim esse símbolo traduz em sí muito mais do que somente a lembrança da crucificação de Jesus e sim um todo da sua doutrina, poderíamos falar muito apenas olhando para uma cruz. O mesmo vale para um Igbá.
Nada é mais sagrado por sí só pelo seu uso e nada pode traduzir tanto da doutrina que cobre a religião Yorùbá como o entendimento da sua função.
O Igbá é uma manifestação de Fé, e por isso um reconhecimento de nossa Fé na religião.
De acordo com a metafísica Yorùbá, para tudo que existe no aìyé existe um duplo no Orun (ọ̀run).
O Igbá é um elemento de ligação entre essas 2 porções e um instrumento de concentração de energia.
É usado para nos ligarmos às divindades, liga o físico à dimensão espiritual, a dimensão aìyé à dimensão Orun (ọ̀run)