Vale lembrar que em 1888, quando a Lei Áurea foi assinada, o Brasil era um dos últimos países no mundo a abolir a escravidão.
Eternizada no tempo (e nas cartilhas escolares), como uma liberdade concedida de forma paternalista pela princesa Isabel, a abolição foi, sobretudo, uma consequência natural para anos de atuação e luta de escravos, libertos, intelectuais, jornalistas negros e mestiços, em prol de seus próprios direitos.
Antes mesmo de 1888, a escravidão vinha dando sinais de declínio.
Um pouco devido às medidas do governo imperial, que na verdade, pouco tinham de efetivas.
A Lei do Ventre Livre - de 1871 - que declarava livres os filhos de mulher escrava nascidos após a lei.
Porém, a criança ficava com a mãe até os 8 anos de idade e, a partir daí, o senhor podia optar entre ficar com ela até que ela completasse 21 anos, ou entregá-la ao Estado mediante uma indenização.
Na realidade, poucas crianças foram entregues ao Estado, que não indenizava corretamente quem as entregava.
No final das contas, grande parte ficava prestando serviços aos senhores até a maioridade.
Outra lei foi a dos Sexagenários (ou Lei Saraiva-Cotegipe), de 1885, que concedia liberdade aos escravos maiores de 60 anos.
O detalhe é que poucos escravos conseguiam chegar à essa idade.
O regime escravocrata foi perdendo força graças à crescente atuação do movimento abolicionista e ao próprio desinteresse de algumas províncias em manter tal sistema.
O Ceará, por exemplo, declarou a extinção da escravidão em 1885, por conta própria.
Neste período, era cada vez mais crescente as fugas em massas de escravos.
A elite cafeeira paulista, pressentindo o final do escravismo, apressou os planos para iniciar a imigração.
A Lei Áurea que simplesmente declarava “extinta desde a data desta lei a escravidão no Brasil” (em apenas dois artigos), não atendia a vida pós-escravidão.
Não havia políticas públicas que abrangessem alimentação, moradia, educação, emprego ou qualquer outra reparação de anos e anos de sofrimento.
Essa “falta de visão” de nossos governantes daria brecha a muitas discriminações e desigualdades, sentidas até hoje.
Oliveira Silveira - o idealizador do Dia da Consciência Negra - escreveria em seu poema “Dia da Abolição da Escravatura” o seguinte verso: “Treze de maio traição, liberdade sem asas e fome sem pão”.
Segundo o historiador Boris Fausto, o destino dos ex-escravos variou de acordo com a região do país.
No Nordeste, a maioria transformou-se em dependentes dos grandes proprietários.
No Vale do Paraíba, muitos viraram parceiros nas fazendas decadentes e, mais tarde, pequenos sitiantes ou peões para cuidar do gado.
No centro urbano de São Paulo, os empregos estáveis acabaram ficando com os imigrantes, deixando aos ex-escravos somente os serviços irregulares e mal pagos.
Já no Rio de Janeiro, cuja carga de imigrantes foi menor, os ex-escravos tiveram oportunidades melhores pois, antes mesmo da abolição, muitos já trabalhavam nas oficinas artesanais e manufaturas.
Diz ainda Fausto: “apesar das variações de acordo com as diferentes regiões do país, a abolição da escravatura não eliminou o problema do negro.
A opção pelo trabalhador imigrante, nas áreas regionais mais dinâmicas da economia, e as escassas oportunidades abertas ao ex-escravo, em outras áreas, resultaram em uma profunda desigualdade social da população negra. Fruto em parte do preconceito, essa desigualdade acabou por reforçar o próprio preconceito contra o negro.
Sobretudo nas regiões de forte imigração, ele foi considerado um ser inferior, perigoso, vadio e propenso ao crime; mas útil quando subserviente”.
Lei Áurea
FONTES:
- “Dia da Consciência Negra retrata disputa pela memória histórica” (Especial “O Brasil Negro” / Revista Com Ciência), www.comciencia.br/reportagens/negros/03.shtml
- Livro: FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP, 2002.
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