Esta saudação e esse itan nos remetem à questão de que existem muitos esu, todos mantendo a mesma natureza, multiplicação que se fez necessária para que houvesse a devida especialização no processo de povoação do universo e para que esu se constituísse efetivamente na “menor unidade de informação” do sistema.
Em particular à terra, um itan do odu ogbe irete, mostra agba esu liderando-os na chegada ao aye (mundo concreto) e designando-os para os diferentes propósitos.
O itan relata que olodunmare criou esu como um ebora (divindade criada) muito especial, que esu tem que existir com tudo e fazer frente à cada pessoa e à cada orisa.
Este itan, além de nos trazer a idéia da individualização e consequente especialização de esu junto à terra, em particular, e à criação, no sentido mais geral, nos remete a um trecho de um itan do odu otura meji que diz, “ esu disse que quem tiver prosperidade na terra tem que separar a parte de esu; que quem quiser procriar na terra não pode deixar esu para trás; que quem quiser prosperidade na terra não pode deixar esu para trás.
Esu pergunta à ori se ele não sabe que esu é o mensageiro de deus?”
Se falamos que esu é o “controlador dos destinos” imediatamente somos remetidos ao fato de que esu é assim o “controlador dos caminhos” e lembramos a associação que se faz de esu e as encruzilhadas, representação por excelência da multiplicidade de caminhos e da geração e da imposição de alternativas e possibilidades.
Destino e encruzilhadas estão, sem dúvida, intimamente ligados.
Ao mesmo tempo que está em todos os lugares e em todas as formas criadas, esu está simbolicamente representado na encruzilhada, onde assiste e acompanha todas as escolhas feitas pelos homens na sua caminhada pela vida.
A propósito, um itan do odu ejiogbe meji diz em certo trecho: esu foi e sentou-se na encruzilhada.
Todos os que estavam vindo até olodunmare teriam que dar algo para esu.
E todos os que estavam voltando deviam dar algo para ele.” e ainda, “os babalawo jogaram para as três mil e duzentas divindades, quando eles foram para a casa de olodunmare para receber seus poderes. Isso é porque esu é mais grandioso do que todos os seniors.
Este último trecho nos remete à relação entre o esu e os orisa.
É preciso reforçar a idéia de que esu cumpre para com os orisa e divindades a mesma natureza de papel que cumpre em relação aos seres humanos.
Assim, ele os assiste, acompanha, regula e corrige; fazendo sobre eles e seu trabalho “relatórios” periódicos à olodunmare.
Muitos são os itan odu que narram a respeito deste especial papel e a consequente senioridade de esu sobre os demais orisa.
Deixando de lado o itan do odu ose-otura que relata como esu assumiu a senioridade sobre os demais orisa, podemos nos referir, em particular, à um itan do odu ogunda meji que diz, referindo à uma conversa dos babalawo com osanyin, após a briga deste com esu, você foi brigar com esu odara, que é mais forte do que você.
Você não sabia que esu é o líder dos orisa?
Não há nenhuma divindade que desafie esu.
Em razão desse desafio feito à esu nada podemos fazer por você.
· que orisa, por sua dimensão cosmogônica, pelas suas características de princípio dinâmico associado à criação, a olodunmare e a todas as coisas, poderia servir de base à grande resistência que se fazia necessária frente à dominação, seja física, seja cultural e religiosa, que a escravidão empunha, do branco sobre o negro?
· que orisa, mais que esu, podia garantir a sobrevivência da identidade e da cosmovisão negra na américa europeizada e cristianizada?
· quem, senão esu, para lembrar ao dominado o pacto estabelecido por deus, olodunmare, com a sua criação, aí incluído o grupo humano, do qual, naquele momento, os africanos achavam-se aviltados pela escravidão e pela barbárie branca.
· quem senão esu para lembrar ao branco dominador, teólogo do racismo, do preconceito e da discriminação, sua culpa perante o seu próprio deus e a sua alma?
Era preciso aviltar, prostituir, degradar completamente esu.
Era preciso reduzi-lo em suas dimensões no universo.
Era preciso colocá-lo em confronto com deus e com os homens.
Era necessário inseri-lo em uma visão maniqueísta, de contrários, de oposição entre bem e mal.
Era importante destituí-lo de capacidade de zelo e guarda sobre os dominados, instrumento possível de resistência e luta.
Era fundamental obscurecer seu papel dialético, seu princípio dinâmico e vitalizador da criação, negar-lhe propósito e fundamento na ação divina.
Ora, sabe-se que olodunmare derrama continuamente sobre a sua obra o ase que garante permanência e realização e que esu é o guardião e transportador desse elemento essencial aos processos de individuação no sistema e para a personalização do homem na relação de filiação com olodunmare.
Sem dúvida, a teologia católica sobre a áfrica e os africanos sustentaria essa questão.
Artigo publicado na revista thoth – escriba dos deuses, janeiro/abril 1997, brasilia/brasil
FONTE:http://blog.ori.net.br/?p=694
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