CASA PODEROSA DOS FILHOS DE YEMANJÁ

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domingo, 26 de junho de 2011

ESPECIAL ( RAÍZES HISTÓRICAS DA HOMOSSEXUALIDADE NO ATLÂNTICO LUSÓFONO NEGRO Afro-Ásia )


Afro-Ásia

Universidade Federal da Bahiaafroasia@ufba.

brISSN (Versión impresa):
0002-0591

BRASIL2005

 Luiz Mott

RAÍZES HISTÓRICAS DA HOMOSSEXUALIDADE NO ATLÂNTICO LUSÓFONO NEGRO Afro-Ásia, número 033 Universidade Federal da Bahia Bahía, Brasil pp.

 9-33 Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y PortugalUniversidad Autónoma del Estado de México

http://redalyc.uaemex.mxAfro-Ásia, 33 (2005), 9-339RAÍZES HISTÓRICAS DA HOMOSSEXUALIDADENO ATLÂNTICO LUSÓFONO NEGRO

*Luiz Mott*

*Mito da inexistência da homossexualidade na África

Os verdadeiros africanossão naturalmente heterossexuais.



Presidente Mugabe
Oficialmente, teria sido o historiador inglês Edward Gibbon, em 1781,quem primeiro asseverou a inexistência da homossexualidade no conti-nente africano, na obra History of the Decline and Fall of the RomanEmpire: “Acredito e confio que os negros, no seu país, não estão expos-tos a essa pestilência moral".


Manuscritos inéditos da Inquisição Portu-guesa conservados na Torre do Tombo de Lisboa obrigam-nos a recuarquando menos já para o século XVII a gênese deste mito: em 1630, édenunciado ao Santo Ofício o novo governador da Ilha do Cabo Verde,


*Texto apresentado à Conferência The Lusophone Black Atlantic in a Comparative Perspective,Centre for the Study of Brazilian Culture and Society, King’s College, Londres, 10-11/03/2005.Agradeço aos organizadores do evento e acadêmicos participantes pelos comentários feitos du-rante a apresentação.

*Professor Titular de Antropologia, Universidade Federal da Bahia, Brasil.1Marc Epprecht, “‘Good God Almighty, What’s This!’: Homosexual ‘Crime’ in Early ColonialZimbabwe", in Steven O.

Murray e Will Roscoe (orgs.), Boy Wives and Female Husbands:Studies of African Homosexualities, Houndmills, Macmillan Press, 1998, p.199.

Edward Gibbon, History of the Decline and Fall of the Roman Empire, London, Methuen &Co, 1925 [1781], p. 506 (tradução do autor).mott.pmd01/04/06, 17:36910Afro-Ásia, 33 (2005), 9-33

Cristóvão Cabral, réu confesso de numerosos atos de sodomia.

Em seudespacho, os inquisidores ratificam o mito:Seria muito contra o serviço de Deus e de Sua Majestade ir para Cabo Verde um governador tão inculpado no pecado nefando etão murmurado já de muitos tempos, para terra onde pecarásem receio, nem limite, e deixará lá introduzido este abominá-vel pecado [...] Nos erros, convém atalhar nos princípios e nãodar lugar que Cabo Verde se faça uma Sodoma [...] pois comseus maus costumes [pode] infeccionar a gente daquela terra.


Duas décadas mais tarde, também em Cabo Verde, ao ser preso ocônego Gabriel Dias Ferreira, 28 anos, natural desta mesma ilha atlânti-ca, acusado de ter mantido cópulas sodomíticas com 82 jovens, negrosem sua maioria, assim comentava o inquisidor Pedro Castilho: “este réudevasso é prejudicial por cometer o pecado de sodomia com muitos ra-pazes negros e boçais, e ser dos
primeiros denunciados daquela partedonde parece não havia notícia
do dito crime antes dele".
Um derradeiroexemplo: nos inícios do século XX, em 1905, o pastor Henri A. Junod,da missão suíça da África do Sul, ratificava a mesma presunção para aregião de Maputo:O paganismo grego conhecia esta imoralidade [pederastia], e pra-ticou-a, mas o paganismo banto, pelo menos na nossa tribo, qual-quer que seja a sua corrupção, não a conheceu.


E mesmo hoje,embora se pretenda que esta forma de vício penetrou em certaspartes do território por onde a tribo [tonga] se espalha, como noMaputo, a povoação indígena tem-lhe verdadeiro horror.

Sodomia, ou “abominável e nefando pecado de sodomia", é utilizado neste artigo como sinônimode relação homoerótica entre varões, embora sob esse termo, desde a Idade Média, alguns douto-res e a população em geral incluíam outras parafilias, como masturbação individual ou recípro-ca, sexo oral, cópula anal heterossexual, bestialismo e também o lesbianismo, conhecido comosodomia foeminarum: Mark D. Jordan, Invention of Sodomy in Christian Theology, Chicago,University of Chicago


Press, 1997; Michael Goodich, The Unmentionable Vice: Homosexualityin the Later Medieval Period, Santa Barbara, Dorset Press, 1979.4Arquivo Nacional da Torre do Tombo (doravante ANTT), Inquisição de Lisboa, Processo 12248,1630.5ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 11298, 1654.6Pastor Henrique A.

 Junod, Usos e costumes dos bantos, Lourenço Marques, Imprensa Nacionalde Moçambique, 1944, p. 499.mott.pmd01/04/06, 17:3610

Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3311Uma outra vertente deste mito, embora reconhecendo a presença dohomoerotismo entre populações africanas quando menos desde os meadosdo século XIX, atribui sobretudo aos árabes comerciantes de escravos,turcos ou africanos islamizados, sua disseminação no continente negro.

Os sudaneses apontavam os piratas turcos como os responsáveis pela ex-pansão do “vício" (1848), enquanto os grupos bantos orientais culpavamos núbios pelo mesmo mal (1885).


Esta suposta “excepcionalidade africana" na prática do homoero-tismo foi reforçada por diversos antropólogos obnubilados ainda pelahomofobia vitoriana, entre eles, Alan Merriam, Melville Herskovits,Geoffrey Gorer, ora negando ou escondendo, ora minimizando sua pre-sença entre os zandes, balas, daomeanos, shonas etc.

O “tabu do silên-cio" contra a homossexualidade patenteia-se inclusive na produção aca-dêmica de um dos luminares dos estudos africanistas, Evans-Pritchard,que, em 1939, escreveu pioneiro artigo intitulado “Sexual Inversion amongthe Azande" e, apesar da importância do tema e do prestígio do autor,esse texto ficou engavetado por 31 anos, só ousando publicá-lo, naAmerican Anthropologist em 1970!


Por trás do mito da inexistência do homoerotismo na África pré-colonial estão dois outros mitos não menos preconceituosos: a naturali-zação da sexualidade dos negros, que, movidos pelo instinto animalesco,desconheceriam os vícios antinaturais dos brancos e a superioridade físi-ca do primitivo africano, avesso à efeminação própria do mundo civili-zado.7Apolo Kagwa, The Customs of the Baganda, New York, Columbia University Press, 1918;Wilhelm Schneider, Die Naturvolker, Munster, Erster Theil, 1885, vol. 1; Ferdinand Weine,Expedition zur Enttdeckung der Quellen des Weissen Nil, Berlin, G. Reimer, 1848 apud StevenO. Murray e Will Roscoe (orgs.), Boy Wives and Female Husbands: Studies of AfricanHomosexualities, Houndmills, Macmillan Press, 1998, p. xii.8Alan P. Merriam, “Aspects of Sexual Behavior among the Bala", in D. Marshall e R. Suggs(orgs.), Human Sexual Behavior (New York, Basic Books, 1971); Melville Herskovits, Dahomey:an Ancient West African Kingdom, New York, Augustine, 1938; Geoffrey Gorer, Africa Dan-ces, New York, Norton, 1935 apud Murray e Roscoe, Boy Wives, p. xiii.9E. E. Evans-Pritchard, “Sexual Inversion among the Azande", American Anthropologist, 72(1970), pp. 1428-1433; Idem, Man and Woman among the Azande, New York, The Free Press,1974; I. Schapera, The Khosian Peoples of South Africa: Bushmen and Hottentots, London,Routledge and Kegan Paul, 1930.mott.pmd01/04/06, 17:361112Afro-Ásia, 33 (2005), 9-33Presença da homossexualidade na África pré-colonial

A homossexualidade africana não é rara, nem acidental:é um elemento consistente e lógico das sociedadese do sistema de crenças da África.Steven O. Murray e Will Roscoe 10Salvo erro, abstraindo as pinturas rupestres das cavernas de San, atribuí-das aos bosquímanos da África Austral, datadas de 15 mil anos, ondesão evidentes “egrégias práticas sexuais tais como sexo anal ou intracruralem grupo"11, o primeiro caso documentado de um africano praticante do“amor que não ousava dizer o nome" remete-nos a uma travesti prostitu-ta presa pela Inquisição Portuguesa em 1556.12Trata-se de Antonio, umescravo negro natural do Reino de Benin, detido em Lisboa, o qual, “quan-do o chamam de homem, não gosta disso. Comumente o chamam deVitória e só queria que lhe chamassem de Vitória, e quem lhe chamava denegro, corria às pedradas". Tinha figura imponente: “grande de corpo,mal assombrado, sem barba, muito preto". Foi denunciado pelas prosti-tutas da ribeira de Lisboa, revoltadas com a concorrência desleal daque-la “pessoa preta, vestida e toucada como negra, que cometia os moços,mancebos e ratinhos13trabalhadores que passavam e os levava detrás deumas casas derrubadas num lugar escuso, chamando-os com acenos ejeitos como mulher que provocava para pecarem. E [se] viu 7 ou 8 homens entrarem juntos enquanto os outros espreitavam e riam fora".De dia, Antonio usava bizarra e ambígua indumentária: “Traziaum pano muito alvo na cabeça, com um chapéu em cima, e um açafate(cestinho de vime) em riba do chapéu, e um gibão branco atacado todopor diante, e um avental de burel cingido aberto à frente".

E perguntando10Murray e Roscoe, Boy Wives, p. xv.11Peter Garlake, The Hunters Vision, London, British Museum, 1995, p. 98 (tradução do autor);Augusto Castro Júnior, “As pinturas rupestres dos bosquímanos", Mensário Administrativo,Luanda, 43-44 (1951), pp. 47-90.12ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 10868, 1556. Já em 1551, o jesuíta Pero Correia escreviaao superior da Companhia de Lisboa: “O pecado contra a natureza, que dizem ser lá em Áfricamuito comum, o mesmo é nesta terra do Brasil" apud Alfredo Gomes, Revista do Instituto Geo-gráfico e Histórico de São Paulo, 48 (1953), p. 326.13Ratinhos: carregadores de cargas ou trabalhadores da Beira que iam trabalhar em outras provín-cias de Portugal.mott.pmd01/04/06, 17:3612Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3313na rua: “Por que chama os homens se és negro. Ele disse: Sou negra enão negro! E mostrava os peitos [...]".

Antes de mudar-se para Lisboa, atravesti Vitória residira em Ponta Delgada, na Ilha de São Miguel, nosAçores: aí andava de jaquetão vermelho, calções e coifa na cabeça, e ànoite, saía travestido de mulher. Consta que, quando foi capturado comoescravo, “se fez de negra e por tal o deitaram com as negras e só depoisque se viram as cartas que notou-se o erro [...]".

Ousada, Vitória nãoescondia suas preferências homoeróticas: uma vez, vendo-a certa pessoacom uma tigela de mel e uma pada de pão, disse: “olhai, meu marido dá-me isto e ele testemunha perguntou: quem é teu marido e o negro respon-deu: homem branco, e disse: queres tu que seja eu teu marido. e o negrolhe respondeu; tu não tens... mostra, ora mostra, dizendo que mostrassea sua natura, e disse mais, logo: tu ser mi marido, logo vou dar-te muitacoisa [...]".

Presa na Ribeira, foi conduzida aos cárceres do Santo Ofí-cio: como não falava suficientemente o português, foi necessário umintérprete africano para se fazer entender pelos reverendos inquisidores.Disse que “era mulher e tinha um buraco na ilha [sic]". Intrigados, ospadres do Santo Ofício perguntam-lhe: “O buraco que tem foi feito porele, ou lhe fizeram por causa de alguma inferioridade, ou se nasceu comele.

Disse que nascera com os ditos buracos e que havia muitos na suaterra que tinham os mesmos buracos e nasceram com eles..." Osinquisidores não engoliram a balela, e ordenaram aos oficiais dos cárce-res que vistoriassem o negro “para ver se era homem, ou mulher oumofrodito (grifo nosso)". Amarrado com as mãos nas costas, com aspernas abertas numa escada, para melhor ser examinado, concluíramassim seu laudo pericial: “Damos fé que o dito Antônio tem natura dehomem, sem ter buraco algum nem modo algum de natura de mulher".Foi condenado a degredo perpétuo nas galés del-rei, servindo como remeirono Algarve.

Ainda para o século XVI, encontramos nos manuscritos daInquisição Portuguesa referência a outro africano praticante do homoe-1 4Coincidentemente, ao escrever estas páginas, noticia-se na internet que na Nigéria, uma travestinegra, Abubakar Hamza, 19 anos, natural da cidade de Kano, foi presa e multada por vestir-se demulher e praticar prostituição.


 Amina Waziri, “Transvestite Trial the Talk of Nigeria", http://news.bbc.co.uk/1/hi/world/africa/3615082.stm, acessado em 01/03/2005
.mott.pmd01/04/06, 17:361314Afro-Ásia, 33 (2005), 9-33rotismo.


Em 1591, quando da primeira Visitação do Santo Ofício à Bahia,denunciou Matias Moreira, cristão-velho de Lisboa, que Francisco Manicongo, sapateiro, escravo de Antonio Pires, morador abaixo daMisericórdia de Salvador,[...] tem fama entre os negros desta cidade que é somítigo edepois de ouvir esta fama, viu ele com um pano cingido, assimcomo na sua terra do Congo trazem os somítigos.  

Mais disseque ele denunciante sabe que em Angola e Congo, nas quaisterras tem andado muito tempo e tem muita experiência delas,é costume entre os negros gentios trazerem um pano cingidocom as pontas por diante, que lhe fica fazendo uma aberturadiante, os negros somítigos que no pecado nefando servem demulheres pacientes, aos quais chamam na língua de Angola eCongo quimbanda, que quer dizer somítigos pacientes.

E tendo o dito denunciante visto ao cativo Manicongo trazer aveste dos quimbandas,[...] logo o repreendeu também porque não trazia o vestido dehomem que lhe dava seu senhor, dizendo-lhe que em ele nãoquerer trazer o vestido de homem mostrava ser somítigo, poistambém trazia o dito pano do dito modo. E depois o tornouainda duas ou três vezes a ver nesta cidade com o dito panocingido e o tornou a responder que não usava de tal, e já agoraanda vestido em vestido de homem.

Tanto a travesti Vitória do Benin, escravo na Metrópole, quanto oquimbanda Francisco Manicongo, escravo na Bahia, africanos natos, cer-tamente já vivenciavam no continente negro sua orientação homoerótica.Vitória oferecendo seus serviços sexuais e tentando encontrar um “mari-do" entre trabalhadores pobres brancos, enquanto Francisco quimbanda“fazia o dito pecado com outros negros".

Na mesma Visitação da Bahia,Primeira Visitação do Santo Officio ás partes do Brasil pelo licenciado Heitor Furtado deMendonça capellão fidalgo del Rey nosso senhor e do seu desembargo, deputado do SantoOfficio. Denunciações da Bahia, 1591-1593, São Paulo, Editora Eduardo Prado, 1925, pp.406-407; Luiz Mott, “Relações raciais entre homossexuais no Brasil Colonial", Revista de An-tropologia da USP, 35 (1992), pp. 169-190.16Primeira Visitação, pp. 406-407.mott.pmd01/04/06, 17:3614Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3315em 1591, é denunciado outro “negro da Guiné" como amante do mesmosexo: “Joane, filho do gentio de Angola, morador no Rio de Matoim, queno dito pecado usa o ofício de mulher, digo, fêmea".

Ao ser admoestadoque sodomia “era caso de os queimarem, o dito Joane respondeu que também Francisco Manicongo fazia o dito pecado com outros negros e quenão o queimaram por isso [...] E que Joane mesmo depois de ter sido preso,tenta seduzir com dádivas a Duarte, 25 anos e outros negros".

Para o século XVII, dois autores italianos confirmam inequivocamente a existência de uma subcultura homoerótica nativa no Reino de Angola.

O primeiro é o frade capuchinho Giovanni Antonio Cavazzi deMontecuccolo (1621-1678) em seus dois volumes do livro Istoricadescrizione dé tré regni, Congo, Matamba et Angola, cobrindo o perío-do de 1645-1670. Ao todo, viveu 17 anos no continente negro.

Eis seurelato escandalizado sobre os quimbandas, feiticeiros sodomitas, no iní-cio da segunda metade do século XVII: Entre os feiticeiros, um há que não mereceria ser lembrado, seesta omissão não prejudicasse o conhecimento necessário queeu, por meio deste escrito, pretendo dar aos missionários. Chama-se ngangaia.quimbanda, ou “sacerdote chefe do sacrifício".Este homem, tudo ao contrário dos sacerdotes do verdadeiroDeus, é moralmente sujo, nojento, impudente, descarado, bestiale de tal modo que entre os moradores da Pentápolis teria oprimeiro lugar.

Para sinal do papel a que está obrigado pelo seuministério, veste fato e usa maneiras e porte de mulher, chamando-se também a “grande mãe".

Não há lei que o condenecomo não há ação que não lhe seja permitida. Portanto, ficasempre sem castigo, embora abuse sem embaraço de sua impude-cência, tão grande é a estima que por ele o demônio inspira!

Por1 7Ibid., p. 408.1 8A propósito da justeza do uso do conceito de “subcutura gay", ver S. O. Murray, Social Theory,Homosexual Realities, New York, Gai Saber Monograph 3, 1984; A.
Robert, “From Sodomy toSub-Culture: a Survey of Male Gay History", Gay Information, 13 (1983), pp. 7-14; VictorNorton, Mother Clap’s Molly House: the Gay Subculture in England 1700-1830, Londres,The Gay Men’s Press, 1992.1 9

Pentápolis: as supostas cinco cidades circunvizinhas que foram destruídas por Javé juntamentecom Sodoma e Gomorra, em castigo pela controversa “devassidão" homossexual.mott.pmd01/04/06, 17:361516

Afro-Ásia, 33 (2005), isso são julgados favores os mais manifestos ultrajes que ele faz àhonra dos casados ou às concubinas dos mais guardados haréns.

Este embusteiro distribui, ele também, cinturas para diversos usossupersticiosos. Alem disso, quando há sacrifícios, cobre os om-bros com peles de leão, tigre, lobo ou doutra fera e pendura nelasumas sinetas chamadas pamba.

Outras vezes, conforme a variedade das funções, veste um tecido de folha de mbondo (baobá),enfarinha todo o rosto, pinta-se com várias tintas e ostenta orgulho com semelhantes porcarias. Oferecendo o sacrifício propriamente seu, mata um galo, uma serpente e um cão. Então um dospresentes, levando às escondidas a cabeça do cão, corre a escondê-la num buraco.

Depois pede ao feiticeiro que a descubra, e se estenão se demorar muito na descoberta, fica enormemente concei-tuado, como se estivesse em continua comunicação com os espí-ritos. Todos então o proclamam superior aos demais feiticeiros,chamando-lhe nganga-ia-quimbondi. Quando este feiticeiro mor-re, o mais ancião da seita deve convocar todo o povo para cele-brar o seu funeral.

Durante a noite, já que esta é propicia paraocultar suas torpezas, devem estar presentes só os inscritos naseita, sendo proibida a presença de outros.
Levam então o cadá-ver para o interior de uma mata e depois de diversas cerimôniasexecráveis, que alguns dos recém convertidos me revelaram, masque eu não posso descrever pela sua desonestidade, enterram-nonuma cova muito funda.

Antes disto, porem, o seu sucessor man-da que lhe seja tirado o coração e as entranhas e lhe cortem asextremidades dos pés e das mãos, que eles depois vendem aospedacinhos, como coisas sagradas e por grande preço. Pela auto-ridade que gozam todos esses naganga, não há jaga, quer capitão na guerra, quer chefe de aldeia em paz, que não procure guardaralgum deles consigo, sem o conselho de aprovação do qual nãose atreverá a exercer nenhum ato de jurisdição nem a tomar qual-quer resolução.

O segundo relato é do capitão Antônio de Oliveira Cadornega emsua antológica História geral das guerras angolanas (1681). Por tervivido quarenta anos na África Portuguesa, seu testemunho tem boa

Padre João Antonio Cavazzi de Montecuccolo, Descrição histórica dos três reinos do Congo,Matamba e Angola, Lisboa, Junta de Investigações do Ultramar, 1965 [1658], vol. 1, p. 202-203.mott.pmd01/04/06, 17:3616

Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3317credibilidade, além de ser menos moralista que seu conterrâneo capuchi-nho.

Diz ele: Há entre o gentio de Angola muita sodomia, tendo uns com osoutros suas imundícies e sujidades, vestindo como mulheres.Eles chamam pelo nome da terra: quimbandas, os quais, nodistrito ou terras onde os há, têm comunicação uns com os ou-tros.

E alguns deles são finos feiticeiros para terem tudo mau etodo o mais gentio os respeita e os não ofendem em coisa algu-ma. E se sucede morrer algum daquela quadrilha, se congre-gam os mais a lhe vir dar sepultura, e outro nenhum lhe bole,nem chega a ele, salvo os daquela negra e suja profissão. Equando o tiram de casa, para o enterrarem, não é pela portaprincipal, senão abrem porta por detrás da casa, por onde saemcom ele fora, que como se serviu pela do quintal, querem quemorto saia também por ela. Esta casta de gente é quem os amor-talha e lhe dá sepultura.

E não chega outro nenhum a ele comodissemos, que não seja de sua ralé. Andam sempre de barbaraspada, que parecem capões, vestindo como mulheres.21Os dois relatos se complementam, sem contradição, confirmandoalguns aspectos cruciais para a reconstituição da história do homoerotis-mo na África Austral lusófona: que havia em “Angola muita sodomia",existindo mesmo um grupo de finos feiticeiros que gozavam de muitaautoridade, superiores aos demais, respeitados por todos e chamados desacerdotes chefes do sacrifício; que viviam publicamente como invertidos sexuais, usando roupas, ostentando maneiras e porte de mulher, “sempre de barba raspada, que parecem capões", recebendo mesmo o nomede grande mãe; que eram inveterados praticantes da sodomia, pois em“Pentápolis teriam o primeiro lugar", mantendo relações entre si, inclu-sive nos seus concorridos funerais; que se tratava de um grupo ultracor-porativista, referido como “seita", “quadrilha" ou “ralé", proibindo-se apresença de não iniciados em suas celebrações secretas.

esmo podendo se argumentar que se tratava de homossexuali-dade e travestismo rituais tal qual se observou em outras áreas culturais

Antônio de Oliveira Cadornega, História geral das guerras angolanas (1681), Lisboa, Agên-cia Geral das Colônias, 1942, p. 259.mott.pmd01/04/06, 17:361718


Afro-Ásia, 33 (2005), do passado e presente, como entre muitas sociedades da Melanésia, noculto dos Orixás na diáspora afro-americana ou entre os berdaches doNovo Mundo,não há qualquer referência a que os quimbandas manti-vessem fora de sua “seita" qualquer relação heterossexual — e convémrecordar o acima dito, que o primeiro quimbanda do Novo Mundo, Fran-cisco Manicongo, não só se vestia como mulher, como “tinha fama entreos negros desta cidade que é somítigo e fazia o dito pecado com outrosnegros [...]".

O importante destes relatos é insistir no respeito, temor mesmo,da população tribal vis-a-vis esta ralé de “capões", e a desenvoltura doquimbanda em usar e abusar de seu poder, conforme afiançou o padreCavazzi: “Não há lei que o condene como não há ação que não lhe sejapermitida. Portanto, fica sempre sem castigo, embora abuse sem emba-raço de sua impudecência, tão grande é a estima que por ele o demônioinspira!".

Homossexualidade na África Colonial Angola é terra mais barata que o Brasile onde tratam melhor os [sodomitas] degredados.Antônio Lopes Saavedra, sodomita degredado, Quando, a partir do século XV, os europeus penetraram no continentenegro, encontraram em diversas regiões muitos nativos amantes do mes-mo sexo, seja praticando a homossexualidade institucionalmente defini-da a partir da idade  em que homens mais velhos copulam com jovens,muito semelhante ao modelo grego clássico dos eromenos e erastes,24seja a prática do travestismo — em que homens assumem o papel degênero feminino, semelhante aos clássicos berdaches do Novo Mundo.

Gilbert H. Herdt, Ritualized Homosexuality in Melanesia, Berkeley, University of CaliforniaPress, 1992; Randy P. Conner, Queering Creole Spiritual Traditions: Lesbian, Gay, Bisexualand Transgender Participation in African-Inspired Traditions in the Americas, New York,Harrington Park Press, 2004; Walter L. Wiliams, The Spirit and the Flesh: Sexual Diversity inAmerican Indian Culture, Boston, Beacon Press, 1986.23ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 4005, 1652.24Wayne Dynes, Encyclopedia of Homosexuality, New York, Garland Publishing Inc., 1990, p. 241.25Murray e Roscoe, Boy Wives, p. 7.mott.pmd01/04/06, 17:3618Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3319


Não podemos esquecer também a ocorrência do chamado “casamentoentre mulheres", documentado em mais de trinta etnias africanas, inclu-sive entre os bantos.

Essa inegável presença da “homossexualidade nativa" teve novoincremento e diversificação/mestiçagem cultural com a chegada dos eu-ropeus, provindos de reinos onde a sodomia era crime equiparado aoregicídio e à traição nacional, considerada o “mais torpe, sujo e desones-to pecado", e os sodomitas passíveis de serem condenados à morte nafogueira.

Não obstante tamanha repressão legal, documentos confir-mam que muitos europeus, desde o início da colonização, exercitaram o“nobre vício" em terras africanas; alguns na condição de viajantes even-tuais, outros como colonos, o maior número como desterrados.Comecemos pelos degredados: nos quase três séculos de funcio-namento do Tribunal da Santa Inquisição Portuguesa, de um total de 124réus do crime de sodomia condenados ao degredo, 75 (60%) foram bani-dos para a África, ocupando o Brasil o segundo posto como terra deexílio dos “fanchonos" (18%). Até hoje, nenhum pesquisador havia cha-mado a atenção para o fato de ter sido a África o principal lócus debanimento dos sodomitas lusitanos. Por que tal predominância.

Certamente os inquisidores imaginavam que, devido ao forte preconceito racialdominante na época e ao “primitivismo" dos nativos, os sodomitas bran-cos estariam menos tentados a copular com negros africanos do que comos brancos ou mestiços do Brasil ou de alhures.

Talvez acreditassemmesmo na inexistência do “mau pecado" no continente do Prestes João,condenando assim os sodomitas ao isolamento homoerótico.

O certo é que, fundado em 1536, o Santo Ofício, já em 1547, degre-dava o primeiro sodomita para a Ilha de São Tomé: Antonio Coelho, emcuja sentença se dizia: “o réu manifestou pouco arrependimento de tãograves culpas". Das terras africanas, a partir de 1595, Angola foi a querecebeu o maior número de sodomitas degredados: 23 (32%), seguindo-sea Ilha do Príncipe com 20 indivíduos, São Tomé com 12, Cabo Verde com2, Guiné com 1, e 15 enviados para “África", sem especificar o destino.2 6Ibid., p. 255.2 7Luiz Mott, “Pagode português: a subcultura gay em Portugal nos tempos da Inquisição", Ciência e Cultura, São Paulo, 40 (1988), pp. 120-139.mott.pmd01/04/06, 17:361920Afro-Ásia, 33 (2005), 9-33

Embora a Inquisição ameaçasse os sodomitas sentenciados comduras penas no caso de reincidência no que se cognominava de “maupecado", há notícia de muitos amantes do mesmo sexo que não abando-naram a prática do homoerotismo.

A estes os inquisidores chamavam de“incorrigíveis" — avaliação que descarta a infundada hipótese de MichelFoucault28de que os sodomitas, antes da medicalização da homossexualidade no século XIX, eram tão somente praticantes ocasionais da cópula anal: a documentação inquisitorial comprova cabalmente, quandomenos a partir do século XVI, também em Portugal e suas colônias, enão apenas na Inglaterra, França, Espanha e Holanda,a existência deuma estruturada subcultura sodomítica, inclusive com lampejos de afirmação identitária por parte dos sodomitas mais incorrigíveis.

Assim sendo, a presença, entre 1547 e 1739, de 72 sodomitas notó-rios degredados para diferentes terras africanas — Angola, Príncipe, SãoTomé, Cabo Verde e Guiné  não deve ser ignorada como um fator dedifusão e diversificação cultural do homoerotismo junto aos nativos. Entreos degredados, homens do povo, jovens estudantes, diversos pajens, nego-ciantes, oficiais mecânicos, alguns religiosos e fidalgos, como D. Luis deVargas, da nobreza castelhana, degredado para Angola em 1632.31Na documentação conservada na Torre do Tombo de Lisboa, paten-teia-se que os inquisidores tinham razão em temer o efeito nefasto dos Michel Foucault, História da sexualidade.

A vontade de saber, Rio de Janeiro, Graal, 1988, p. 43.29R. Trumbach, “London’s Sodomites: Homosexual Behavior and Western Culture in 18t hCentury",Journal of Social History, 2 (1977), pp. 1-33; M. Rey, “Molice et sodomie à Paris au XVIII

è mesiècle: du peché au désordre", Revue d’Histoirie Moderne et Contemporaine, 29 (1982), pp.113-124.30R. Trumbach, “Sodomitical Subcultures, Sodomitical Roles, and the Gender Revolution of theEighteenth Century: the Recent Historiography", in Robert Purks Maccubbin (org.), ‘Tis Nature’sFault: Unauthorized Sexuality during the Enlightenment (Cambridge, Cambridge UniversityPress, 1987); John Boswell, Christianity, Social Tolerance and Homosexuality. Gay People inWestern Europe from the Beginning of the Christian era to the Fourteenth Century, Chicago,University of Chicago Press, 1980; Wayne R. Dynes e Stephen Donaldsen (orgs.), History ofHomosexuality in Europe and America, New York, Garland Publishing, 1992; Michael Rey,“Parisian Homosexuals Create a Lifestyle, 1700-1750: the Police Archives", in Maccubbin, ‘TisNature’s Fault, pp. 179-191; A. Wikholm, “Sodomitical Subcultures Emerge".

http://www.gayhistory.com/rev2/events/subcultures.htm, acessado em 23/02/2001; Rafael Carrasco,Inquisición y represión sexual en Valencia. Historia de los sodomitas (1565-1785), Barcelo-na, Editorial Laertes, 1985.31ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 11530, 1632.mott.pmd01/04/06, 17:3620

Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3321

sodomitas reinóis como “maçãs podres" responsáveis pela “contaminação" dos colonos e nativos africanos, muitos desconhecendo ou ainda dis-tantes da prática do mau pecado. Em 1633, o bispo de Cabo Verde enviarepresentação ao Santo Oficio de Lisboa denunciando torpíssimos atossodomíticos praticados pelo governador de Cabo Verde, Dom Cristóvão Cabral, 33 anos, cavaleiro da Ordem de São João da Malta.

Seu rol deluxúrias incluía muita cópula anal, manustrupação (masturbação recíproca, referida pela Teologia Moral genericamente como “molice"), além dararíssima anilíngua.

Alguns destes abomináveis atos lúbricos foram prati-cados pelo governador mediante violência física, não só com homens, mastambém com mulheres públicas. Um dos inquisidores, Dom Diogo Osóriode Castro, em seu parecer, sugeria “que se buscasse algum remédio [...] pela presunção que pode haver, dele, com seus maus costumes, infeccio-nar a gente daquela terra".  

De fato, o mau pecado se alastrou célere napequenina Ilha do Cabo Verde, tanto que, duas décadas depois, em 1654,é preso o padre Gabriel Dias Ferreira, 28 anos, cônego da Sé da RibeiraGrande, acusado de ter mantido diferentes modalidades de atos homoeróticoscom 82 cúmplices, em sua maioria rapazes negros de 10 a 20 anos, muitosdeles escravos.

Tal fato comprova que, mesmo em áreas com diversa cultura sexual, como certamente devia ser Cabo Verde no século XVII, haviaespaço para práticas sodomíticas à moda “grega", isto é, cópula anal deadulto com adolescentes.

Em sua sentença, Dom Pedro de Castilho,inquisidor-geral e vice-rei dos Reinos de Portugal, assim avaliou a péssi-ma influência deste clérigo na novel colônia: “o dito devasso é prejudicialpelo cometer o crime de sodomia com muitos rapazes negros e boçais e serdos primeiros denunciados daquela parte donde parece não havia notíciado dito crime antes dele".

Entre os seus jovens prosélitos, constavam Antônio e Vicente, ambos da Guiné, os escravos João, Martinho, Domingos, Silvestre, Bento de 14 anos, Adão de 20 anos, Chichi escravo cacheu;“com todos costumava familiarizar-se pegando-se muito no membro viril[...] e sempre lhes dava alguma cousa, inda que de pouca consideração,alguns vinténs, papel e ataca".

Com Garcia, 13 anos, “assentado em uma3 2ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 11298, 1654.3 3

Cacheu: região e cidade no Nordeste da Guiné e, por extensão, seu natural ou habitante.

Ataca: fita para amarrar vestimenta.mott.pmd01/04/06, 17:362122

Afro-Ásia, 33 (2005), área, se deitou ele confitente no regaço do menino para catar [piolho] e alilhe meteu a mão na braguilha e lhe pegou no membro viril e o mesmo fezo dito menino".

Certa vez, “passando pela sua porta um negro de 16 anos,que não conhecia, e por lhe parecer bem, o chamou e persuadiu que come-tessem o pecado de sodomia e penetrou-lhe o vaso traseiro, dando-lhe doisvinténs".

Com Duarte, escravo de seu pai, praticou por um ano muitassodomias... Lembrou-se de 82 cúmplices, predominando negros e mula-tos, forros e escravos, muitos cantores e músicos da Sé de Cabo Verde.

Inúmeros sodomitas lusitanos, ao longo de mais de dois séculos,certamente encontraram em terras africanas espaço menos policiado parao exercício de suas paixões nefandas.

Já em 1586, cai nas garras daInquisição o alentejano padre Belchior de Medeiros, 28 anos, moradornas ilhas de São Tomé e Príncipe, onde grassava fama pública de sua“escandalosa conversação com um moço de nome Jorge Teixeira, e quegastara tudo o que tinha no sustento deste mancebo por ser taful".

Em sua confissão, diz o clérigo que vivia há oito anos em África, tendo sidoordenado pelo bispo do Congo, exercendo o cargo de coadjutor na Igrejade Nossa Senhora de Guadalupe e na Sé de São Tomé. Informa que,tendo naufragado um navio que ia para Angola, o governador pedira aosmoradores que abrigassem a tripulação, daí ter ele alojado em sua casavários jovens, entre eles, o referido Jorge Teixeira, com o qual era públi-co ter mantido relação tumultuada: certa feita, no meio de uma discus-são, o padre dera-lhe uma leve bofetada e o rapaz revidou com umapunhada, “chamando-lhe de Lutero".


Em sua confissão o sacerdote as-sume ter beijado e praticado punhetas, coxetas e nove sodomias, sendoagente e paciente, com três mancebos.

Um ano após este relato, é presopor ordem do bispo de São Tomé o jovem Gonçalo Duarte, 21 anos,“que negociava fazendas no Congo", acusado de cometer o pecado maue dormir carnalmente com o mesmo sacerdote.


Para o século XVII, várias são as referências aos praticantes do“amor que não ousava dizer o nome" em terras d’África: em 1653, Afonso


ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 12248, 1630.36Taful: jogador profissional.37ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 10990, 1587.

ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 12490, 1587.mott.pmd01/04/06, 17:3622

Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3323Castelhano, 42 anos, cavaleiro da Ordem de Cristo, confessa que, du-rante os 14 anos que viveu em Angola, foi agente no pecado de sodomia,por 40 vezes, com o soldado João Nunes e outras 40 vezes, com o solda-do Simão Róis, sendo às vezes paciente; com seu escravo Manoel, 19 anos, teve cinco cópulas e, em sua permanência na Bahia, com seu es-cravo Miguel Angola, 10 anos, praticou vários atos lúbricos, vendendoo “negrinho" em Salvador, antes de retornar ao Reino.

Por esta mesmaépoca (1657), esteve em Angola o sodomita lusitano que mais aberta-mente verbalizou a defesa e louvação da homossexualidade em toda ahistória inquisitorial: o padre Gregório Martins Ferreira, 47 anos, ex-deão da Sé do Porto. Não informam os manuscritos quanto tempo esteveem África, que contatos manteve com outros sodomitas, se teria tambémem Luanda defendido que “o pecado de sodomia era mais punido pelas leispor impedir a geração natural, mas que em si era um pecado como a sim-ples fornicação, com circunstância agravante, e que era mais deleitoso eque uma vez o começasse, era impossível a emenda, e nesta matéria incul-cava e doutrinava dissoluta e escandalosamente [...]".

Diversos são os soldados vivendo em Angola que tiveram seusnomes incluídos nos Cadernos do Nefando da Inquisição lisboeta, com-provando que homoerotismo não é sinônimo de efeminação ou covardia,mas orientação sexual encontrável em todas as categorias socioprofissio-nais, inclusive nas que exigem bravura e belicosidade, como provou ca-balmente na antiguidade o general Alexandre Magno. Em 1652, é pre-so em Angola o viúvo eborense André Dias, 39 anos, barbeiro e soldado:provocou escândalo público ao ser descoberto dormindo com o soldadoAntônio de Brito “debaixo de um cobertor numa caravela da Armada",querendo beijar e convidando muitos soldados para dormirem juntos,dando-lhes vinho e dádivas para os seduzir, dizendo descaradamente:“com uma peroleira de vinho e uma botija de aguardente fazia dos rapa-zes o que quisesse, porque o vinho e aguardente fazem perder o juízo".Mesmo preso na cadeia de Luanda, André Dias cometeu o nefando como moço Lourenço de Sousa, “o qual só consentiu mediante dinheiro e um3 9ANTT, Inquisição de Lisboa, 10º Caderno do Nefando, 143-6-36, fl. 9, 1653.4 0ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 11030, 1654.mott.pmd01/04/06, 17:362324Afro-Ásia, 33 (2005), estojo de barbeiro".


Em sua confissão, inicialmente manteve-se negati-vo, mas posteriormente assumiu ter copulado com cinco cúmplices, umdeles “em terra Quicongo, debaixo de um cobertor".

Repetem-se com freqüência os casos de sodomitas portugueses,que, como o acima citado cavaleiro da Ordem de Cristo, vivenciaramrelações homoeróticas primeiro em África, depois na América Portugue-sa, algumas vezes atravessando o Atlântico Sul com seus amantes. Em1697, a escrava Juliana, “do gentio da Guiné", denuncia ao comissáriodo Santo Ofício da Bahia que seu ex-senhor, o ermitão Antônio de Oli-veira Ramos, zelador da bela igrejinha beneditina de Monte Serrate, nosarrabaldes de Salvador, cometia o pecado nefando com um moço solda-do, Francisco de Brito, trazido de Angola há cinco anos, a quem[...] tinha muita amizade e que dormia sempre o dito na mesmacama em Angola, e aqui na Bahia continua com o mesmo cos-tume, vendo-os cometer o nefando, sendo o ermitão o agente, eque por várias vezes se trancavam na câmara e faziam bula, equando o soldado se ausentou de casa, o ermitão não comia,nem sossegava até que o foi buscar, e lhe dava de comer, vestir,e moleques para o servir [...]


Na virada do século XVIII, quando o Tribunal do Santo Ofícioperdia cada vez mais seu poder repressor, na pequenina Ilha do Príncipe,em 1700, o capelão local denuncia ao Santo Ofício que[...] era público nesta terra, que Rodrigo Lopes Gago, FranciscoPinheiro e Manuel Dias tinham pecado no nefando, e andavammuito decompostos indo na roça e casa de Francisco Pinheiro,que é casado, e sua mulher o apanhou na cama com Rodrigo, oqual deu peçonha para matar Maria Quaresma, a mulher dodono da casa, para que os não delatasse, mas que Deus a salvoue foram desterrados pelo Capitão Mor da Ilha.

Observe o leitor que este e outros citados episódios de sodomiatornaram-se do conhecimento “público", alguns causando “geral escân-41ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 1467, 1652.42ANTT, Inquisição de Lisboa, 16º Caderno do Nefando, 143-6-41, fl. 172, 1697.43ANTT, Inquisição de Lisboa, 16º Caderno do Nefando, 143-6-41, fl. 164, 1700.mott.pmd01/04/06, 17:3624Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3325dalo", tendo certos sodomitas uma visibilidade muito maior do que sepoderia imaginar numa época em que tais atos poderiam ser penalizadoscom a morte na fogueira.

Alguns destes “fanchonos" ocupavam alta po-sição na estrutura colonial local, como o governador da África Portu-guesa a ser denunciado pelo mesmo pecado: em 1780, frei Boaventurade Veneza, prefeito dos Missionários Capuchinhos, informa à MesaInquisitorial de Lisboa que João Manuel Azambuja, governador da Ilhade São Tomé,[...] é público sodomita, efetivando esta sua execranda maldadecom um sujeito de fisionomia mulheril, Joaquim Lopes, queveio como Praça de soldado, artilheiro na Fragata Nossa Se-nhora da Graça, de Sua Majestade Fidelíssima, como já haviapraticado a bordo da dita fragata, o que bem se manifesta pre-sentemente e do que procede um geral escândalo.

Esse episódio envolve um brasileiro natural do Rio de Janeiro,Rodrigo Manoel, 43 anos, denunciado pelo crime de sodomia quandoservia como soldado em Luanda, em 1750. Ao ser preso, confessou quehá 5 a 6 anos, quando prestava serviços no presídio de São Felipe deBenguela, “foi com outro soldado, Antônio Gonçalves Joaquim e unspretos, ao sítio da Catumbelha, para acender um cachimbo e estando aliambos, o provocou ele, confitente, fez que cometessem o pecado demolícies: seu companheiro consentiu e cometeram ambos o pecado desodomia consumado, sendo ele confitente agente, uma só vez". Acres-centa, na segunda confissão, “que não derramou semente de homem intravas por lhe dar o coração uma pancada, de sorte que lhe causou horrorconsumar dentro a dita culpa".

A sodomia imperfeita, ou coitusinterruptus, segundo a casuística inquisitorial, era grave pecado, porémsem constituir crime a ser punido com a pena de morte, destinada apenasà “sodomia perfeita".454 4ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 11516, 1780.4 5ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 8900, 1750.mott.pmd01/04/06, 17:362526

Afro-Ásia, 33 (2005), 9-33Homofobia na África e contra afro-descendentes


É melhor para mim ter o cadáver de um filho,do que aceitar que meu filho é gay!Ditado africano citado por Rowland Macauley,teólogo cristão gay nigeriano Data de 1582 o documento mais antigo até agora encontrado, relativa-mente à repressão à inversão sexual na África Portuguesa, quiçá paratodo o continente negro.

Ao visitar o reino de Ndongo (atual Angola), opadre Baltasar Barreiro, da Companhia de Jesus, informava a seus supe-riores que[...] na libata46do soba Songa, achei aqui um grande feiticeiroque andava em trajos de mulher, e por mulher era tido, sendohomem: a coisa mais feia e medonha que em minha vida vi.

Todos haviam medo e ninguém lhe ousava falar, porque eratido por deus da água e da saúde. Mandei-o buscar e trouxe-ram-no atado. Quando vi, fiquei atônito e todos pasmaram dever cousa tão disforme. Vinha vestido como sacerdote da Lei Velha, com uma caraminhola feita de seus próprios cabelos,com tantos e tão compridos michembos [sic] que parecia mes-mo o diabo. Em chegando, lhe perguntei se era homem ou mu-lher, mas não quis responder a propósito.

Mandei-lhe logo cor-tar os cabelos que faziam vulto de um velo de lã, e tirar ospanos com que estava vestido, até o deixar em trajes de homem.

Aí ele confessou que nascera homem, mas que o demônio dis-sera a sua mãe que o fizesse mulher, senão havia de morrer eque até agora fora mulher, mas que daqui por diante, pois lhedizia a verdade, queria ser homem. É já tão velho que tem abarba toda branca o qual trazia raspada.48Embora esse cronista jesuíta não informe o nome nativo como eraidentificada tal categoria de feiticeiro invertido sexual, tudo leva a crer Libata: aldeia, povoado.

Caraminhola: cabelo em desordem; grenha, trunfa.


Antonio Brasio, Monumenta Africana, 1ª série, Lisboa, Academia Portuguesa de História, 1988,vol. 15, p. 273 apud Virgilio Carvalho, “A questão do controlo da terra e da territorialidade noantigo reino de Ndongo", in A África e a instalação do sistema colonial, Lisboa, Centro deEstudos de História e Cartografia Antiga do Instituto de Investigação Tropical, 2000.mott.pmd01/04/06, 17:3626Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3327que se tratava de um quimbanda, a menos que houvesse em Angola maisde uma “quadrilha de feiticeiros" que viviam como se fossem mulher. Aoser obrigado manu sacerdotis a abandonar o papel do gênero feminino,no qual vivera como uma espécie de berdache desde tenra idade, os co-lonizadores transmitem e impõem aos nativos o mesmo preconceito ju-daico-cristão que tratava como mortal abominação “o homem que dor-mir com outro homem como se fosse mulher".

Já vimos que diversos sodomitas luso-brasileiros residentes naÁfrica Portuguesa, de governadores a soldados, incluindo sacerdotes,comerciantes e diversos pajens, foram presos por sodomia e condenadosa diferentes castigos pela Inquisição de Lisboa: prisão nos cárceres doSanto Ofício, seqüestro de bens, degredo, galés perpétuas.

Com exceção do citado velho sacerdote-travesti de Ndongo, humilhado publica-mente e obrigado a abandonar seu tradicional modus vivendi, não loca-lizamos até agora notícia de negros ou afro-descendentes presos porsodomia na África Austral lusófona. Pesquisas nos arquivos africanosda Polícia e Justiça certamente revelarão tais ocorrências.

Na África do Sul, em contrapartida, no ano de 1753, foram julga-dos e enforcados por ordem da Corte de Justiça da Cidade do Cabo doisamantes do mesmo sexo de Robben Island: um escravo anônimo de Chormandel Coast e seu parceiro holandês, Nicolsas Modde, natural deAmsterdã, acusados de masturbação recíproca e sexo anal. Seus corposforam jogados nas águas geladas de Table Bay.


Na Metrópole e na América Portuguesa, algumas vezes, os senho-res de escravos perseguidos pela Inquisição, para evitar a perda de seu4 9Levítico, 18: 22 e 20: 12; Constituições do Arcebispado de Lisboa.

Agora novamente impres-sas por mandado do Ilustríssimo Reverendíssimo senhor dom Miguel de Castro Arcebispo deLisboa, Lisboa, Belchior Rodrigues e Ioam Lopes, 1588.5 0Luiz Mott, “Justitia et misericordia. A Inquisição Portuguesa e a repressão ao abominável peca-do de sodomia", in A.

Novinsky e M. L. Tucci (orgs.), Inquisição: Ensaios sobre mentalidade,heresias e arte (São Paulo, EDUSP, 1992), pp. 703-739.5 1R. Ross, “Oppression, Sexuality and Slavery at the Cape of Good Hope", Historical Reflections/Reflections Historiques, 6 (1979), pp. 421-321; General States Archives (Haia), Civiele enCriminele Regtsrolle benevens de Processtucken van de Raad van Justitie des Casteels deGoede Hoop, noVOC10907 to VOC 10992, 1705-1792. Ainda sobre esse mesmo tema, há ofilme Proteus, de John Greyson e Jack Lewis (África do Sul/Canadá, 2003, 103 min), que narraa história dos amores de Claas Blank e Rikahart Jacobsz, presos em 1735 por sodomia: “Proteus".http://www.telefilm.gc.ca/data/production/prod_2764.asp.lang=en&c=1, acessado em 03/11/2005.mott.pmd01/04/06, 17:362728Afro-Ásia, 33 (2005), 9-33capital, vendiam o cativo antes de sua prisão, ou eram obrigados peloSanto Tribunal a negociá-los para fora do Reino, a fim de afastar a inde-sejada contaminação sodomítica.

Em maior número foram os africanose afro-mestiços que viviam em Portugal ou no Brasil que caíram nasgarras inquisitoriais, acusados de praticar o abominável e nefando peca-do de sodomia: no século XVI, além da citada travesti Vitória de Benin,temos referência a uma dezena de outros afro-descendentes residentes naMetrópole vítimas da mesma desventura, como Jerônimo Silva, “pretocativo", degredado para a Espanha (1547); Francisco Pires, “preto for-ro", condenado a cárcere perpétuo (1547); Antonio Varela, “mulato for-ro", condenado a galés perpétuas (1560); Sebastião, “preto forro quetem fama de fanchono e que parece mais mulher que homem, assim porsuas falas como nos serviços", confinado nas galés perpétuas (1557);João Fernandes, “preto forro", sentenciado a dez anos de galés (1565).Em 1575, é condenado à morte na fogueira o primeiro afro-des-cendente morador em Portugal: Antônio Luiz, “mulato escravo", acusa-do de ter[...] muitas conversações e amizades de mancebos aos quais pro-curava por dádivas, merendas e banquetes, com os quais tevemuitos tocamentos em partes muito vergonhosas, cometendo ho-mens onde quer que os encontrava, [tanto] que se dizia publica-mente em Évora que as casas de Antônio Luiz eram uma mancebiapública e um açougue, que ali entravam homens a dormir comele carnalmente, como uma mulher pública, [sendo] pessoa in-corrigível tão estragado que nele não se tem esperança algumade emenda e conversão, antes, parece que será pessoa mui preju-dicial à república, corrompedor da honestidade dos mancebos.

Domingos Marques, 40 anos, foi o segundo negro a ser queimadona fogueira pela Inquisição de Évora (1612): “preto de nação", 40 anos,fora “encontrado publicamente em atos torpes com uma burra e tambémcom outro moço".5452ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 12257, 1644.53ANTT, Inquisição de Évora, Processo 5013, 1575.54ANTT, Inquisição de Évora, Processo 7889, 1612.mott.pmd01/04/06, 17:3628Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3329Timóteo da Fonseca, “escravo preto", 23 anos, foi o terceiro eúltimo negro a ser “relaxado ao braço secular", no ano do Senhor de1647: “seus pais eram pretos cafres da Índia".

Os juízes inquisitoriais,acostumados no trato de sodomitas mais delicados, ficaram perplexoscom a figura do negralhão, descrito como “alto de corpo, beiços muitograndes", daí concluírem ingenuamente que[...] sendo tão disforme como é notório, se não devia inclinar aoexercício deste vício, se não fora naturalmente luxurioso e in-continente, que induz grande desconfiança de emenda, e come-ter por muitas vezes o dito pecado depois de ter 20 anos deidade, e que portanto o réu como sodomita convicto e confesso,exercente, escandaloso e devasso, vá ao auto de fé e seja entre-gue a justiça secular. 56Um ano antes desta execução, em 1646, na América do Norte, emNova Amsterdã, o negro Jean Creoli fora queimado pelos calvinistas emcastigo por ter cometido o crime de sodomia com Manuel Congo, jovemde 10 anos, que foi poupado devido à sua puerícia, sendo amarrado numaestaca e flagelado na mesma praça onde Creoli foi feito em cinzas.

Dispomos ainda de algumas informações esparsas sobre a repres-são ao homoerotismo na África Austral nos finais do século XIX e pri-meiras décadas do século XX: no Zimbábue, na região de Mashonaland,quando se instituíram em 1892 as primeiras cortes coloniais, 1,5% doscasos julgados referiam-se a crimes envolvendo atos homoeróticos entrenativos, catalogados como “ofensas antinaturais" (unnatural offenses).Surpreendentemente, não se registrou então nenhum caso de bestialismo,rapto, assalto indecente ou crimen injuria. Entre 1892-1923, os magis-trados julgaram aproximadamente trezentos casos de crimes homosse-xuais, 90% dos casos envolvendo africanos.

Destes, 19% provinham dediferentes etnias de Moçambique.

585 5Cafre: nome dado pelos islamitas aos gentios e idólatras, e por extensão aos negros pagãos daÁfrica Oriental; aplica-se, sobretudo, às populações bantas de Moçambique, da África do Sul edos demais países do Sudeste da África.

5 6ANTT, Inquisição de Lisboa, Processo 1787, 1647.5 7J. Katz, Gay American History, New York, Avon Discus Book, 1976, p. 35.5 8Epprecht, “‘Good God Almighty, What’s This!’", p. 203; Marc Epprecht, “History, Culture, andHomophobia", Southern Africa Political Economy Monthly, vol. 9, no6 (1996), pp. 33-38.mott.pmd01/04/06, 17:362930

Afro-Ásia, 33 (2005), 9-33Jovens trabalhadores de Moçambique são também freqüentemen-te referidos, na África do Sul, como praticantes tradicionais do “casa-mento das minas" (mine marriages), assumindo postura passiva nas re-lações homoeróticas. Em 1904,[...] o chefe do C. I. D., em Witwatersrand, relatava que ‘ofen-sas antinaturais eram muito comuns entre os nativos das mi-nas’, em particular entre os Shangaan.

No sul de Moçambique,jovens adolescentes com freqüência jogavam juntos ‘como es-poso e mulher’, uma forma de socialização de gênero que asvezes envolvia a prática do coito externo, ou penetração entreas coxas (sexo intercrural).

Em janeiro de 1905, o Pastor H. A. Junod, ao visitar as casernasde operários nas minas de Joanesburgo, confirma ter encontrado muitosjovens que se vestiam de mulher, usando inclusive seios esculpidos emmadeira, e que serviam de esposas para outros homens. Tratando-se deuma das raras descrições do homoerotismo nos inícios do século XX nesta região, veniam petimus para essa longa transcrição. Tal prática,conhecida como buncontchana ou bukhontxana,[...] tornada uma instituição regular nas casernas dos menoresindígenas. Ncontchana é o rapaz que um outro homem empre-ga para satisfazer a sua paixão, e o homem é mesmo chamado omarido dele.

Quando um bando de novos trabalhadores chega auma caserna, os policias indígenas vêem fazer propostas aosmais novos, não só aos rapazinhos, mas também aos rapazes devinte anos e mais. Se estes rapazes consentem em se tornaremos seus bacontchana, são tratados com mais indulgência que osoutros.

Os seus maridos dão-lhes 10 xelins para se casarem comeles e escolhem-se ocupações fáceis, como varrer os dormitórios,enquanto os outros vão pra o penoso trabalho subterrâneo.

O marido não deve só ficar noivo desta nsáti (mulher), deve tam-bém lobolá-la, celebrando por vezes festas em que põem nochão até 25 libras, matam uma cabra e fazem um contrato peloqual o ncontchana fica ligado ao seu patrão para todo o tempo59Patrick Harries, Work, Culture and Identity, Migrant Laborers in Mozambique and South Africa,c. 1860-1910, Cape Town, University of Cape Town, 1994 (tradução do autor).mott.pmd01/04/06, 17:3630Afro-Ásia, 33 (2005), que fique nas minas.

O irmão mais novo do rapaz recebe o di-nheiro nesta desprezível paródia do casamento banto... Com oa palavra ncontchana vem do bilene, o país de origem dosMachanganas, poder-se-á pensar que esse vicio era conhecido epraticado pelos indígenas antes de tomar o imenso desenvolvi-mento que constatamos nos dormitórios [...] Não há nenhumremédio contra este mal terrível.

O que torna a situação tãograve, é que a imensa maioria dos próprios indígenas não con-sidera que este ato tenha a menor importância. Falam dele sor-rindo. Asseguraram-me que a lei o interdiz severamente e quemquer que for achado a praticar o bucontchana é condenado adez meses de prisão. Mas é extremamente difícil obter o teste-munho necessário a um julgamento deste gênero.

Os indunas e os policiais indígenas praticam a este respeito a conspiraçãodo silêncio [...] Felizmente as missões combatem este flagelotão energicamente quanto lhes é possível, fornecendo dormitó-rios separados onde um certo número de rapazes pode encon-trar refúgio contra a contaminação.

Algumas centenas ou al-guns milhares escapam assim.

A proibição do uso de cortinadosem volta das camas e a transformação da organização atual dosdormitórios são algumas medidas se se quiser extirpar verda-deiramente este flagelo.


A conclusão que se impõe quando seestuda este doloroso assunto é a de que, como a civilização brancaé responsável pela introdução e desenvolvimento terrível destevício entre os indígenas, os brancos não devem ser indiferentesà repressão do flagelo que é uma iniqüidade que ameaça a pró-pria vida da tribo sul-africana.

Segundo dados da International Lesbian and Gay Association(ILGA), a prática da homossexualidade é ainda hoje considerada ilegal em23 países africanos: Angola, Benin, Botsuana, Burundi, Camarões, CaboVerde, Djibuti, Etiópia, Guiné-Bissau, Libéria, Malawi, Mali, Mauritâ-nia, Maurício, Moçambique, Nigéria, Senegal, Sudão, Suazilândia, Togo,Uganda, Zâmbia, Zimbábue.

Em três países ainda há pena de morte con-tra os homossexuais: Nigéria, Mauritânia e Sudão. Como faltam, contu-Induna: chefe de terras, conselheiro do régulo em Moçambique.

Junod, Usos e costumes dos bantos, p. 500.mott.pmd01/04/06, 17:363132

Afro-Ásia, 33 (2005),do, informações sobre diversos países, certamente é maior o número dos Estados africanos onde ainda é crime amar alguém do mesmo sexo.

Nosúltimos anos, diversas têm sido as autoridades destes países, sobretudoex-colônias inglesas, que divulgaram declarações extremamente homo-fóbicas ou adotaram medidas altamente repressivas contra os homosse-xuais.As informações sobre homossexualidade contemporânea nos paí-ses lusófonos são praticamente inexistentes.

Com a crise da Aids, come-çam a aparecer as primeiras referências à contaminação do HIV entrehomens que fazem sexo com homens. Em maio de 2004, a Agência deInformação de Moçambique, em Maputo, informou que o Conselho Na-cional de Combate à Aids foi fortemente atacado pelo clérigo muçulma-no, Sheik Aminuddin Mahomed, que acusou a “revolução dos gays"como responsável pela expansão da Aids.

Ele insultou muitos dos pre-sentes ao declarar que “blasfêmia, heresia, homossexualidade e porno-grafia" se opõem à ética e à moralidade, insistindo que Sodoma e Gomorraforam destruídas por Deus devido à prática do coito anal.

Atacou tam-bém os bares gays como locais de “práticas nojentas" — embora nãoexistam tais espaços abertos em Moçambique. Em oposição a este dis-curso intolerante manifestou-se o reverendo Dinis Matsolo, do ConselhoCristão de Moçambique, insistindo na responsabilidade das liderançasreligiosas em transmitir informações corretas sobre a prevenção da Aids,embora tenha destacado que comportamentos sexuais antibíblicos sejamresponsáveis pela expansão do HIV, reconhecendo, contudo, a importân-cia dos preservativos como salva-vidas.

Em janeiro de 2005, os participantes do IV Fórum dos Parlamen-tos dos Países de Língua Portuguesa, reunindo 29 delegados do Brasil,Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Portugal, São Tomé e Príncipe eTimor Leste, decidiram realizar um trabalho conjunto de promoção deações para o combate à Aids.

Deve ser criada uma rede de parlamentares de luta contra aAids, que congregue informação e estratégias de combate à epi-62Agencia de Informação de Moçambique, “Mozambique, Religious Leaders on Aids and
Gays".http://www.mask.org.za/SECTIONS/AfricaPerCountry/ABC/mozambique/mozambique_3.htm,acessado em 03/11/2005.

mott.pmd01/04/06, 17:3632Afro-Ásia, 33 (2005), 9-3333demia nos países da Comunidade dos Países de Língua Portu-guesa.

Os angolanos reconhecem a existência de um descom-passo no combate e prevenção à Aids face ao Brasil e Portugal,comparando-se com os países africanos integrantes da CPLP.

Segundo os parlamentares angolanos, os esforços brasileiros eportugueses já mostram uma redução e controle da epidemia,inclusive com a redução no número de casos.

Seria útil definir-mos neste fórum medidas de cooperação mútua, bilateral oumultilateral de interesse comum, diz a delegação angolana nodocumento entregue aos representantes dos demais países e àimprensa.

A divulgação, a partir de 2003, no site oficial do Ministério da Juventude e Desportos de Moçambique do texto “Por que é que existe aHomossexualidade.", onde se discute, de forma politicamente correta epositiva, a livre orientação sexual, traz esperança de que, apesar de sé-culos de repressão, do atual complô do silêncio, da intolerância dos líde-res políticos e religiosos e da timidez e/ou alienação dos próprios homossexuais nativos, também a África Lusófona caminha, embora lentamen-te, para o respeito aos direitos humanos dos amantes do mesmo sexo.

Estratégia vital para o reconhecimento da cidadania e prevenção da Aids na terra dos antigos quimbandas, corrigindo os efeitos perversos do“heterrorsexismo", considerando que “colonialismo e heterossexualidadecompulsória caminharam sempre de mãos dadas".

Agência Brasil, 28/01/2005.


Boletim do Quimbanda Dudu: Grupo Gay Negro da Bahia, Salvador, 6 (2005).

 Evans, Witchcraft and the Gay Counterculture, Boston, Boston Fag Rag Books, 1978, p. 114.mott.pmd01/04/06, 17:3633 Universidad Autónoma del Estado de México





























Raízes Históricas da Homossexualidade no Atlântico Lusófono Negro. Afro-Ásia, nº 33, 2005, 9-33.

MOTT, Luiz. Raízes Históricas da Homossexualidade no Atlântico Lusófono Negro. Afro-Ásia, nº 33, 2005, 9-33.
         No início do artigo, Mott apresenta o mito da inexistência homossexual na África, onde ele utiliza do pensamento do historiador inglês Edward Gibbon, em seu livro History of the Decline and Fall of the Roman Empire, onde este autor acredita não haver a prática homossexual no velho continente, mas o Santo Ofício em 1630, confirma a inexistência desse mito, pois em seus documentos destaca a prática sodomita do governador de cabo verde, Cristovão Cabral, além de outros casos praticado pelo cônego Gabriel Dias Ferreira, acusado de ter mantido cópulas com 82 jovens desta ilha africana. O estudo deste gênero em África é limitado e foi construído um tabu sobre esse aspecto no continente, embora em outro momento o autor desse artigo apresente o primeiro caso documentado de um africano praticante de homossexualidade em Lisboa, um travesti com o nome de Antonio, mas que usava o pseudônimo de Vitoria, preso pela Inquisição portuguesa em 1556.

Espiritismo e Homossexualismo



Espiritismo e Homossexualismo
Dalmo Duque dos Santos


Pesquisa do Datafolha, realizada em São Paulo durante a 9ª Parada GLBT revelou um dado muito interessante quanto a concepção filosófico-religiosa dos participantes: católicos, 36% Espíritas kardecistas e espiritualistas (19%), Nenhuma (18%), Evangélica Pentecostal (4%), Não Pentecostal (3%), Umbanda (3%), Candomblé e outras afro-brasileiras (3%), Judaica (1%), Outras (9%), Ateus (5%). A pesquisa teve uma pequena variação entre a diversidade de preferência sexual dos pesquisados (gays, lésbicas e bissexuais).


Os dados do Censo 2000 escondiam essa particularidade cultural GLBT e colocava as concepções filosófico-religiosas da seguinte forma: Católicos (73,8%), Evangélicos ou Protestantes (15,5 – 10% pentecostais) e Espíritas Kardecistas (1,4%).


Segundo a reportagem da Folha de São Paulo ( 19/06/2005), que foi comentada pelo sociólogo Antonio Flávio Pierucci, essa preferência do grupo sócio-cultural GLBT pelo kardecismo seria motivada forte rejeição dos Evangélicos ou Protestantes pelo homossexualismo e, por outro lado a rejeição da população pelas igrejas pentecostalistas.


Os números do Censo também mudam, embora na mesma ordem, quando se trata do perfil da população da cidade de São Paulo: Católicos (59%), Evangélicos ou Protestantes (23%) e Kardecistas (6%).


Mas não podemos deixar de lado uma dúvida: por que esse grupo sócio-cultural GLBT mantém alta sua preferência pelo catolicismo e salta numericamente em relação ao kardecismo?


Em relação ao seu passado histórico, o Catolicismo tem sido progressivamente mais tolerante com as preferências sexuais. Tanto entre os adeptos como no quadro de sacerdotal, a presença declarada GLBTs é uma realidade incontestável. Historicamente, grande parte do clero e de suas congregações sempre funcionaram como oásis de proteção social ( tolerância e aceitação, ainda que camufladas) das pessoas que não se enquadravam nas convenções sexuais individuais e familiares. O sacerdócio sempre serviu de escudo para ocultar esse preconceito e rejeição da sociedade pelos homossexuais. Historicamente também, a atração de alguns tipos homossexuais pelas corporações disciplinares rígidas e dogmáticas, incluindo as militares, sempre foi um fato notório, igualmente como forma de camuflagem social. Nas décadas de 60 e 70, quando da explosão da liberdade sexual, essas corporações, sobretudo do clero, passaram por uma grave crise vocacional. Só voltaram a se recuperar quando uma outra crise atingiu a sociedade: a instabilidade econômica. Essas corporações sempre foram também um porto seguro diante da incerteza e instabilidade econômica.


A rejeição pelas Igrejas Pentecostais mostra uma lamentável relação reciprocidade: “Eu só vou gostar de quem gosta de mim”. Na concepção protestante, com raríssimas exceções, os homossexuais continuam sendo vistos como desvios ou aberrações da natureza, quando não instrumentos de Satanás para perversão social da família. Essa ilógica mítica da teologia medieval – que se rivalizava radicalmente com o paganismo – coloca Deus e o Homem bem abaixo da idéia de perfeição e evolução. Nesses grupos protestantes o homossexualismo é tratado como uma questão de “regeneração pela salvação”, ou seja, o abandono da “degeneração”, a negação da condição homossexual como característica autêntica, pois esta é um desvio, um vício sexual; e finalmente o resgate da heterossexualidade. Regenerado ou convertido, o indivíduo que estava “invertido” encontrará o equilíbrio e a conseqüente harmonia social que lhe impede de ser visto como pessoa “normal”. Poderá, inclusive constituir família e freqüentar as igrejas.


Já os 19% de preferência pelo kardecismo revela algumas particularidades também curiosas. A doutrina espírita é essencialmente progressista, embora grande parte dos seus adeptos não consiga acompanhar essa constante progressão diante das transformações do mundo e da Ciência. Segundo o Livro dos Espíritos e as demais obras da Codificação, os seres humanos são Espíritos encarnados. Na essência, os Espíritos são bissexuais e se manifestam na carne pela lei biológica do gênero: ora pode ser masculino, ora pode ser feminino. Os ciclos evolutivos de reencarnações é que determinam a manifestação do sexo, pela prova (escolha) ou pela expiação (relação traumática de causa e efeito). O caso do homossexualismo é bastante semelhante com as transições ou mutaçõe s orgânicas, com o importante diferencial psíquico: o Espírito que realizou muitas encarnações num determinado sexo geralmente traz na existência atual os traços mentais das encarnações anteriores e isso muitas vezes marca o próprio corpo físico. A herança e as tendências de quem encarna não diz respeito apenas ao aspecto biológico, mas principalmente aos hábitos mentais e suas conseqüências carnais. Portanto, em tese e essência, o homossexualismo não é um desvio ou aberração natural, a não ser nos excessos passionais, possíveis pela liberdade de ação humana em qualquer opção e característica sexual. Pode ser, do ponto de vista moral ou das conseqüências de atitudes morais – nas relações afetivas -, um desvio relativo das referências éticas e dos valores cultivados socialmente pelo indivíduo ou pelo grupo do qual faz parte. Homossexuais também têm suas crenças e valores, liberais ou conservadores, formados em suas origens fam iliares.


O livro Sexo e Destino, da série André Luiz (FEB Editora), psicografado pelo médium Chico Xavier, revela informações bastante compatíveis com a doutrina contida nas obras de Allan Kardec. Ali encontramos, por exemplo, relatos ilustrativos sobre a dinâmica social e espiritual das leis naturais e morais que afetam os Espíritos e os seres humanos encarnados nessa rotina das múltiplas existências. São experiências dramáticas de pessoas envolvidas em tramas afetivas, quase sempre solucionadas pela mudança de mentalidade em exercício pessoal e social, no próprio ambiente onde ocorreram os erros e danos morais. A reencarnação funciona, nesses casos, como veículo reparador de experiências fracassadas.

Ora, esse tipo de conhecimento, para quem o aceita e digere mental e filosoficamente, provoca mudanças significativas na mentalidade e no comportamento. Muda pontos de vistas e conseqüentemente atitudes preconceituosas. É claro que nem todos os espíritas conseguem digerir plenamente tais informações, mas é o início de um processo de educação ou reeducação de conceitos e atitudes. Para os homossexuais esta pode ser, em tem sido, uma explicação bastante razoável para sua condição sexual conflitante, individual e coletivamente. A partir delas é possível refletir com mais clareza e maturidade sobre um assunto ainda tão polêmico e constrangedor para milhões de seres humanos.


Como herdeiro do pensamento socrático e da tradição herética e libertária do cristianismo, o kardecismo é um revolucionador de paradigmas e conceitos, adversário natural do preconceito e do pensamento retrógrado. Nascemos dos preconceitos materialistas do século XIX que ainda hoje insiste em ver os fenômenos espíritas e o universo metafísico com coisas absurdas e sobrenaturais. Sabemos também que o conhecimento desperta para Verdade e que esta gera uma responsabilidade que muitos ainda não se sentem preparados para abraçar.

Esperamos que esses números estatísticos cresçam cada vez mais entre os GLBTs. Muito mais importante ainda não é apenas a aceitação da Doutrina Espírita pelos homossexuais, mas aceitação incondicional dessa condição e opção sexual pelos espíritas e nas instituições sociais espíritas.


(Artigo reproduzido com autorização do autor)

Homem que recebe Pomba-Gira vira homosexual, Mulher que recebe Exu vira lésbica ?


Conhecendo a Umbanda
Jornal eletrônico semanal - Texto de Pai Géro




Homem que recebe Pomba-Gira vira homosexual?


Mulher que recebe Exu vira lésbica?


Como a Umbanda encara o homosexualismo nos terreiros?


Olá a todos, mais uma semana se inicia e mais um CONHECENDO A UMBANDA que nasce na vontade de mostrarmos o quanto nossa religião é linda e nada mais eficaz do que através do esclarecimento despretensioso.


O tema que abordaremos nesta semana é extremamente delicado, pois não temos a intenção de em momento algum denegrir a imagem dos nossos irmãos que são homosexuais, nem tão pouco de nossas irmãs lésbicas, mas ouvimos muita falácia sobre a homosexualidade em si em alguns terreiros e pretendemos nas próximas linhas tentar levar esclarecimento a respeito deste assunto.


Acredito que em primeiro lugar homosexualismo e lesbianismo não devem ser vistos como uma doença, ou ainda uma praga, mas não é bem isso que escutamos de irmãos mal informados de alguns credos religiosos e mesmo dentro da Umbanda quando o assunto é incorporação de espíritos femininos em homens e masculinos em mulheres.


A homosexualidade de uma pessoa não esta ligada de forma alguma ao espírito que a mesma incorpora e aceitar tal colocação, nada mais é do que um tremendo de um anátema, pois além de ser um gesto de pre-conceito, desrespeitam a força denegrindo a imagem de nossos Guardiões e Guardiãs.


Quando temos a incorporação de um espírito o que move o mesmo é a evolução moral do médium e principalmente a sua necessidade de servir a causa do bem, não interferindo ai sua opção sexual.


As senhoras Pombas giras, jamais alterariam a sexualidade de um homem pelo simples fato do mesmo a ter incorporado, assim como se da com a incorporação de Exus em corpos femininos.


Vivemos em um mundo de pre-conceito, onde vale mais criticar aquele que se esforça para praticar o bem e fazer a sua parte do que se seguir o bom exemplo cuidando de seus feitos e não dos outros.


Conhecemos muitos dirigentes dentro e fora da Umbanda que não aceitam médiuns homosexuais em suas casas ou ainda boicotam a incorporação de pombas giras e até Orixas femininos com esta alegação o que é um tremendo de um absurdo.


Vale aqui lembrar que o preconceito não é da Umbanda ou deste ou aquele credo religioso, mas das pessoas que ainda insistem em cultuar sentimentos tão atrasados.


Lembramos aqui as palavras do saudoso CABOCLO DAS 7 ENCRUZILHADAS, onde o mesmo diz: " A UMBADA É A MANIFESTAÇÃO DO ESPÍRITO PARA A CARIDADE" simbolizando a Umbanda na imagem de Nossa senhora da Piedade referia-se que a Umbanda receberia todos de braços abertos assim como Maria recebeu seu filho Jesus.


Com base nestas palavras lembramos que a Umbanda recebe todos os filhos que nela queiram ingressar, pois a Umbanda existe para: AMPARAR, REERGUER, DIRECIONAR, TRANSMUTAR, ORDENAR, CURAR etc... todos aqueles que nela procuram o abrigo de uma verdadeira MÃE.

O preconceito é uma ferida que enquanto não compreendermos o mal que nos causa cultua-lo, vai crescendo e destruindo tudo o que vem pela frente.


Antes de serem homosexuais, vale lembrar que todos somos humanos e filhos de um mesmo Pai e que estamos neste mundo para evoluirmos e nos respeitarmos e não passarmos por ele.


Com estas palavras espero que possamos acabar com este pre-conceito que destroi até hoje inúmeras vidas!


Que mamãe Oxum nos cubra com o seu amor!


fraternalmente


Pai Géro
Postado por Centro Espiritualista de Umbanda Esperança

ESPECIAL: Sexualidade: ( Porque a Igreja não aceita o homossexualismo ).

Porque a Igreja não aceita o homossexualismo.


Síntese de Palestra proferida pelo Prof.Ricardino Lassadier na Universidade da Amazônia


Filosofia, religião e sexualidade:Uma reflexão em sentido filosófico-teológico


Professor Ricardino Lassadier*




Inicialmente gostaria de agradecer o convite e, ao mesmo tempo, enaltecer o espírito democrático que os motiva, já que estão dispostos a ouvir alguém que vai falar o contrário do que está sendo dito até aqui. Com todo respeito, mas com franquesa gostaria de esclarecer que nossa fala se dará na “contra-mão” da homo-afetividade, nossa palestra é a manifestação de uma concepção inteiramente discordante, porém, não preconceituosa. Aliás este é o primeiro ponto que necessita de esclarecimento e servirá como partida para nossa conversa. Mas antes de definirmos o preconceito, cabe uma sucinta consideração: Pretendemos evidenciar os princípios (filosóficos e teológicos) que não torna possível o apoio da Igreja Católica e do Cristianismo como um todo ao que se refere a homo-afetividade.


Preconceito: Uma breve consideração filosófica


Esta é uma das palavras mais usadas em nossos dias. Normalmente esta palavra é empregada para expressar discordância acerca de e algo. Dizendo de outro modo, no senso comum denomina-se “preconceito” como sendo qualquer pensamento ou ideia divergente. Mas será mesmo assim? Será que todos sabemos o que é realmente preconceito? Será que pelo simples fato de uma pessoa discordar de outra constitui preconceito? Na contemporaneidade é ideia mais ou menos comum a concepção de que a religião é área fértil de preconceitos, particularmente ao que se refere à sexualidade. Será mesmo? Vamos inicialmente procurar identificar alguma características do “preconceito” e depois buscar estabelecer uma definição.


O “preconceito” caracteriza-se por ser uma categoria de comportamento e de pensamento que nasce da vida cotidiana social. O “preconceito” é um juízo cotidiano que brota da vida social e constitui-se como uma ultrageneralização esterotipada, em outras palavras, os juízos “refutados pela ciência e por experiência cuidadosamente analisada, mas que se conservam inabalados contra todos os argumentos da razão, são preconceitos” (HELLER, 1972, p.47). Desse modo o preconceito é muito mais problemático do que uma divergência, uma discordância seja teórica ou comportamental, pois está enraizado no emocional-irracional e em última instancia objetiva a eliminação física do outro. Assim, há de se considerar que os preconceitos manifestam-se no âmbito pragmático. Dois exemplos podem ser citados de comportamentos e pensamentos preconceituosos: A associação que a mídia faz entre a vida celibatária e a pedofilia. A associação entre homossexualismo e pedofilia. Iniciemos por este último. Não é verdade que a pessoa com tendência ou prática homossexual seja necessariamente pedófila. O que caracteriza a pedofilia não é a relação com a pessoa do mesmo sexo e sim a relação de um adulto com uma criança, de modo que existem pedófilos homossexuais e pedófilos heterossexuais. Também não é verdade que a causa da pedofilia seja a opção por uma vida celibatária. Se assim fosse não haveria casos de pedofilia no âmbito familiar, aliás, sabe-se que a absoluta maioria dos casos de pedofilia acontece por parte de parentes (pais, tios, etc.). Ao mesmo tempo, associar a causa da pedofilia ao celibato é afirmar que todas as pessoas que não mantiverem relações sexuais regularmente são pedófilas, ou seja, todos seriam potencialmente pedófilos.


Religião.
É muito difundida na contemporaneidade a ideia de que a religião, ao tratar da questão da sexualidade, é recheada de preconceitos. Notemos que tal ideia, em si já pode constituir preconceito, visto que parte de um princípio ultrageneralizante e esterotipado.


Há de se considerar que todo agrupamento humano que mereça a denominação de comunidade ou de sociedade tem seus princípios, seus valores. E que invariavelmente diverge de princípios e valores de outros agrupamentos. Tal divergência não pode ser cunhada de preconceito. O homem contemporâneo orgulha-se em se dizer democrático, nossas nações têm orgulho de se dizerem democráticas. Porém, não devemos esquecer que, como diz Jean Lacroix (1968, p. 101) “o homem democrático reconhece-se, antes de tudo pela sua atitude de homem livre. Um país democrático é um país onde nos sentimos calmos, onde o ar social é mais leve, onde cada qual diga-se o que disser, sente a alegria de viver”. Isso posto, vejamos qual a visão da religião acerca da sexualidade.


A religião (aqui refiro-me à minha religião, ao Cristianismo de modo geral e ao Catolicismo de modo particular), tem como referência uma concepção antropológica de cunho filosófico e teológico. Iniciemos com a filosofia, a partir do conceito de Pessoa.


O sentido filosófico: A Pessoa humana e a sexualidade.


Pessoa, significa o homem em sua totalidade (pluridimensionalidade) existencial (biológica, psíquica, moral, social, espiritual). A noção de pessoa foi semeada na história do pensamento universal pelo Cristianismo que, além da pluridimensionalidade humana, entende pessoa “como ser subsistente, consciente, livre e responsável” (SGRECCIA, 2002, p. 123). O homem é pessoa desde o momento de sua concepção, desde o momento em que tem vida de modo que a pessoalidade é algo constituinte da essência humana, não é um aspecto acessório acidental. Existir como pessoa, segundo Emmanuel Mounier (1976, p.20) “É a mais alta forma de existência, ou que toda a evolução da natureza anterior ao homem convergem no momento criador em que surge este acabamento do universo. Diremos que a realidade central do universo consiste num movimento de personalização…”.


O universo, toda a criação em certo sentido, se faz presente na pessoa humana! Quando a pessoa humana pensa, questiona-se e busca entender todo o mundo criado, é o próprio universo, é a própria criação procurando compreender-se através da pessoa humana, por isso todo o universo criado converge para o homem. Ou, como nos explica Elio Sgreccia (2002, p.129): “Em termos filosóficos, isso quer dizer que na carne e nos ossos humanos há uma alma que é um espírito e que vale mais que o universo todo”. Ser capaz identificar o homem como pessoa implica em reconhecer e afirmar o sentido ontológico do homem, da identidade humana que está para além e independe de qualquer categoria ou qualificação social, política, econômica ou qualquer outra. Nesse sentido, o valor de uma pessoa, sua dignidade não é sujeita a bens, cargos, etc. Todas as pessoas e cada pessoa vale pelo que é por ser pessoa, por existir “na sua não objetivação, inviolabilidade, liberdade, criatividade e responsabilidade; de pessoa encarnada em um corpo, situada na história e constitutivamente comunitária” (REALE e ANTISERI, 2006, p. 399).


Na pessoa humana, a sexualidade, é reconhecida como uma dimensão que abrange toda sua integralidade, assim da perspectiva filosófica personalista: “Ser sexuado é, então, para o homem e para a mulher um dado original, pois a experiência pessoal não pode deixar de passar desde sua origem – isto é, fecundação – através da masculinidade ou da feminilidade” (SGRECCIA, 2002, p. 304). Isso significa que em sentido filosófico a pessoa humana em sua originalidade sexuada é masculino e feminino, portanto é uma unidade (pessoa humana) dual (necessariamente de diferentes). Destarte, na esfera filosófica aqui apresentada a dimensão que constitui a sexualidade humana em seu sentido original passa tão somente, exclusivamente pelo reconhecimento da comunhão de diferentes, isto é, masculino e feminino.


Outro ponto que merece destaque é o seguinte: sendo a sexualidade uma dimensão da pessoa humana, subtende-se que ela esta inseria em uma realidade maior que é a afetividade. Denomina-se afetividade a capacidade da pessoa amar e também ser amada. Assim sendo a sexualidade é expressão da afetividade (da capacidade de amar e de ser amado). Dom Alberto Taveira em uma entrevista publicada em “O Liberal” (02/05/2010) explica: “Dentro desse quadro afetividade, existe um quadro chamado sexualidade. Ela se manifesta não só fisicamente em todo o sentido. Então a pessoa é homem ou mulher, os dois gêneros. Dentro da sexualidade, então menor do que a sexualidade, é a genitalidade, a capacidade generativa, que existe em todos os seres humanos”.


O sentido teológico: Pessoa humana (masculino e feminino): imagem de Deus.


Textos indispensáveis para tratar sobre o tema que estamos refletindo são as duas narrativas da criação do homem no livro do Genesis. Tais textos serão nossas referências.


A primeira narrativa é a seguinte: “Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, como nossa semelhança, e que ele domine sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra’. Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou. E Deus os abençoou e lhes disse: ‘Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra, submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra” (Gn 1, 26-28).


De acordo com a primeira narrativa a criação do homem está inserida no ciclo dos sete dias da criação, isso significa que a criação do homem esta inserida no cíclo cosmológico. Mas em todo o ciclo criacional somente o homem foi feito à imagem e semelhança de Deus. Os outros seres foram criados cada um segundo a sua espécie (Gn1, 26-27). De acordo com o Santo Padre João Paulo II, Deus para criar o homem mergulha em si mesmo, ou seja, como não havia mais paradigma algum, o Criador fez de si mesmo modelo para cria a pessoa humana. Assim se expressa o Romano Pontífice: “Antes de criar o homem, o Criador como que reentra em si mesmo para procurar o modelo e a inspiração no mistério de seu Ser, que já aqui se manifesta de algum modo como o ‘Nós divino” (Carta às famílias, 6).


O homem foi feito à imagem e semelhança de Deus, que segundo São João é Amor (cf.1Jo 4,16). Deus é ao mesmo tempo Uno e Trino (cf.Mt 3, 16-17). Então, intra-trinitriamente (entre as Pessoas o Pai, o Filho e o Espírito Santo) reina o Amor. Temos um só e essencial Amor no interior da Trindade, entre as Pessoas de Deus que são diferentes. Ora, se o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus, então, o homem foi feito por amor e para o amor, no entanto o amor humano pressupõe e requer a diferença entre as pessoas (homem e mulher). A supressão dessa diferença do aspecto teológico obstaculiza a plena realização do amor que implica em comunhão entre diferentes. Ora, a homo-afetividade suprime a diferença, logo não pode refletir, ainda que na contingencialidade do tempo e do espaço a comunhão eterna de Deus.


Segundo a Escritura “O Senhor Deus disse: ‘Não é bom que o homem esteja só. Vou fazer uma auxiliar que lhe corresponda (assemelhe)” (Gn 2,18). Essa “correspondência” ou “semelhança” está na comum natureza. Segue a Escritura: “Então, o Senhor Deus fez vir sobre o homem um profundo sono, e ele adormeceu. Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Depois, da costela tirada do homem, o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. E o homem exclamou: ‘Esta sim é osso dos meus ossos, é carne da minha carne! Ela será chamada mulher, porque foi tirada do homem!’ Por isso deixará o homem o pai e a mãe e se unirá à sua mulher e eles serão uma só carne” (Gn 2, 21-24). O Santo Padre João Paulo II (2005, p.69) comenta que esta narrativa “fala primeiro da criação do homem, e só depois da criação da mulher da ‘costela’ do homem, concentra a nossa atenção no fato de o homem ‘estar só’, e isto aparece como um fundamental problema antropológico, anterior, num certo sentido, àquele apresentado pelo fato que tal homem seja masculino e feminino”.


A solidão refere-se a questão existencial e de identidade, de consciência de si, isto é, o homem encontra-se só já que não achou nada (ou ninguém) que “lhe seja semelhante” em todo o reino criado, ao mesmo tempo ele ainda não é capaz de se reconhecer. Observemos na narrativa que ele só se reconhece ao olhar para ela, ou seja, o homem só se reconhece como pessoa humana quando vê aquela que é da mesma natureza, no entanto, diferente de si. É a semelhança encontrada e manifestada na diferença corporal que permite a descoberta da identidade.


Sem encontrar a mulher, o homem continuaria só, e nesse sentido a homo-afetividade representa a solidão que leva à extinção. Ora, a homo-afetividade não é o encontro com a diferente e sim com o mesmo, logo não possibilita a descoberta da identidade da pessoa humana que é “imagem e semelhança de Deus”. Nesse sentido, a prática homossexual é entendida como grave depravação, contrária à lei natural e intrinsecamente desordenada (cf. CIC, 2357), condenada biblicamente e aos que estão convictos e impetrados em tal prática “não herdarão o Reino dos Céus” (cf.1Cor 6,10; 1Tm 1, 10).


Fica claro que na perspectiva cristã há impossibilidade – visto que constitui uma contradição essencial – se dizer cristão e militar em favor da homo-afetividade. A Igreja, muito embora sendo radicalmente contra o pecado, jamais rechaça o pecador, ao contrário, deseja sua conversão. Para a Igreja as pessoas com tendência homossexual precisam “ser acolhidas com respeito, compaixão e delicadeza. Evitar-se-á para com eles todo sinal de discriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que possam encontrar por causa de sua condição” (CIC, 2358). Portanto, talvez o maior desafio não seja a homo-afetividade em si, mas sim a mentalidade subjetivista e relativista que pretende travestir o erro em virtude de modo que, diante da dificuldade ou aparente impossibilidade de solucionar o problema… Opta-se por legalizá-lo.


*O autor é graduado (Licenciado e Bacharel), em Filosofia (UFPa), Especialista em Filosofia (Epistemologia das Ciências Humanas/ UFPa).Especialista em Teologia (Teologia e Realidade com ênfase em bioética/CESUPA). Professor do IRFP (História da Filosofia Moderna e Contemporânea), Lecionou na Escola Diaconal Santo Efrém da Arquidiocese de Belém (Antropologia Teológica, Escatologia); Leciona na Curso de Teologia (CCFC), as disciplinas Teologia Fundamental, Mariologia e Escatologia. É professor da Rede pública, onde leciona Filosofia.


-Bibliografia


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- BÍBLIA SAGRADA, Tradução CNBB. São Paulo: Paulinas, Paulus, Ave-Maria, Salesiana, Loyola; Aparecida-SP: Santuário; Petrópolis-RJ, Vozes, 2001


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-HELLER, Agnes. O Cotidiano e a História. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1972..


-LACROIX, Jean. Crise da Democracia, Crise da Civilização. São Paulo: Moraes Editora, 1968.


-JOÃO PAULO II. Homem e Mulher O Criou, Catequeses sobre o amor humano. Bauru-SP: EDUSC, 2005.


- SGRECCIA, Elio. Manual de Bioética (Vol. I): Fundamentos e Ética Biomética. São Paulo: Loyola, 2005.


-TAVEIRA, Alberto. Entrevista cedida ao Jornal “O Liberal” (02//5/2010).


-REALI, Giovanni e DARIO, Antiseri. História da Filosofia (Vol. VI): De Nietzsche à Escola de Frankfurt. São Paulo: Paulus, 2006.


-MOUNIER, Emmanuel. O Personalismo. Lisboa-Portugal: Martins Fontes, 1976.